quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

sócio avalista na recuperação judicial

O sócio avalista na recuperação judicial

 

Por: Maicon de Abreu Heise

Em quase todas as operações de empréstimo bancário realizadas pelas empresas são exigidas garantias das mais variadas espécies, inclusive o aval do (s) sócio (s).

O aval é uma garantia acessória do título de crédito principal - geralmente Cédula de Crédito Bancário emitida pela instituição financeira - prestada por terceiro. O avalista fica vinculado solidariamente ao título original e sua garantia é autônoma, ou seja, a instituição financeira pode demandar contra o devedor principal, contra o avalista ou contra ambos.

A questão que se coloca é a subsistência desta garantia acessória dada pelo(s) sócio(s) durante o período em que a empresa estiver em recuperação judicial. Toda problemática se faz relevante porque, em princípio, o crédito principal estará incluído na recuperação judicial e, uma vez aprovado o plano de recuperação apresentado pela empresa tomadora, a instituição financeira deveria obedecer às disposições ali constantes, inclusive quanto ao deságio e à dilação da dívida.

Aspecto importante é a disposição do artigo 6º da Lei de Recuperações e Falências (Lei nº 11.101/05), o qual dispõe que o deferimento do pedido de recuperação judicial suspende o curso das ações e execuções contra o devedor, "inclusive aquelas dos credores do sócio solidário". Pensou-se, no início, que o sócio solidário que trata o artigo 6º seria o próprio sócio que teria prestado o aval, tornando-se, portanto, devedor solidário com a empresa tomadora do empréstimo. Contudo, tal disposição não se refere ao sócio avalista, mas sim ao sócio daquelas sociedades em que a responsabilidade é solidária e ilimitada, sendo elas a sociedade em comum, sociedade em conta de participação, sociedade em nome coletivo e sociedade em comandita simples. Assim, vê-se que as sociedades majoritárias no Brasil (sociedade por ações e sociedade empresária limitada) não possuem a figura do sócio solidário.

A esse respeito, cumpre lembrar o enunciado nº 43 da Primeira Jornada de Direito Comercial, realizada em outubro de 2012, o qual afirmou que a suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da Lei n. 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor, ou seja, o credor pode demandar individualmente contra o sócio avalista, independentemente                                          de o crédito principal estar submetido ou até mesmo suspenso em decorrência da recuperação judicial. Esse também é o entendimento consolidado da jurisprudência.

Apesar de todo o exposto, ainda causa incerteza a permissão para que a instituição credora possa demandar contra o sócio avalista, quando o seu crédito já se encontrar na recuperação ou até mesmo no próprio plano já aprovado. Por vezes, as instituições financeiras não ingressam imediatamente com a ação autônoma contra o sócio avalista, e dependendo do estágio em que se encontrar a recuperação judicial, a empresa poderá já estar efetuando os pagamentos à instituição credora de acordo com o que dispuser o plano aprovado. Como então abater o valor já pago dentro da recuperação judicial com o que está sendo demandado individualmente em ação autônoma contra o sócio avalista? Lembrando que se os pagamentos forem mensais, a ação de execução autônoma contra o sócio avalista praticamente estaria inviabilizada, pois todo mês dever-se-ia apresentar nova planilha atualizada já com os abatimentos.

Problema maior surge em momento anterior à aprovação do plano, pois se antevê um nítido conflito de interesses entre a empresa, massa de credores e o sócio avalista. Basta imaginar que um sócio avalista, quando demandado de forma autônoma, agirá involuntariamente para tentar quitar essa dívida que é da empresa, mas lhe causa problemas pessoais, a despeito de tal prática lesar o tratamento isonômico dos demais credores, podendo inclusive configurar crime específico.

Sem contar que o sócio avalista, quando demandado e em vista de sofrer constrições em seu patrimônio, não teria a tranquilidade suficiente para gerir e reerguer a empresa, em busca da superação da crise econômico-financeira.

A solução para os problemas apontados seria tentar conciliar os interesses da coletividade dos credores em busca do reerguimento da empresa, com o direito autônomo e há muito consagrado da responsabilidade solidária imputada pelo instituto do aval, saída essa nunca fácil diante do permanente embate entre interesse coletivo versus interesse individual.

 

Maicon de Abreu Heise é advogado em São Paulo, especializado em direito empresarial, membro do escritório Lopes e Soares Advogados Associados

Fonte:http://www.valor.com.br/legislacao/3443956/o-socio-avalista-na-recuperacao-judicial#ixzz2uXpGhHee

Matéria publicada em 26/2/2014.

DELITO DE DUPLICATA SIMULADA

DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE DUPLICATA SIMULADA.

O delito de duplicata simulada, previsto no art. 172 do CP (redação dada pela Lei 8.137/1990), configura-se quando o agente emite duplicata que não corresponde à efetiva transação comercial, sendo típica a conduta ainda que não haja qualquer venda de mercadoria ou prestação de serviço. O art. 172 do CP, em sua redação anterior, assim estabelecia a figura típica do delito de duplicata simulada: "Expedir ou aceitar duplicata que não corresponda, juntamente com a fatura respectiva, a uma venda efetiva de bens ou a uma real prestação de serviço". Com o advento da Lei 8.137/1990, alterou-se a redação do dispositivo legal, que passou a assim prever: "Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado". Conforme se depreende de entendimento doutrinário e jurisprudencial, a alteração do artigo pretendeu abarcar não apenas os casos em que há discrepância qualitativa ou quantitativa entre o que foi vendido ou prestado e o que consta na duplicata, mas também aqueles de total ausência de venda de bens ou prestação de serviço. Dessa forma, observa-se que o legislador houve por bem ampliar a antiga redação daquele dispositivo, que cuidava apenas da segunda hipótese, mais grave, de modo a também punir o emitente quando houver a efetiva venda de mercadoria, embora em quantidade ou qualidade diversas. Precedente citado: REsp 443.929-SP, Sexta Turma, DJ 25/6/2007. REsp 1.267.626-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 5/12/2013.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

STJ Súmula cheque e nota promissória sem força executiva - prazo prescricional quinquenal

SÚMULA n. 504

O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de nota promissória sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte ao vencimento do título.

SÚMULA n. 505

A competência para processar e julgar as demandas que têm por objeto obrigações decorrentes dos contratos de planos de previdência privada firmados com a Fundação Rede Ferroviária de Seguridade Social – REFER é da Justiça estadual.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Autonomia do AVAL - STJ - Informativo 532

DIREITO EMPRESARIAL. EXECUÇÃO DE AVALISTA DE NOTA PROMISSÓRIA DADA EM GARANTIA DE CRÉDITO CEDIDO POR FACTORING.
Para executar, em virtude da obrigação avalizada, o avalista de notas promissórias dadas pelo faturizado em garantia da existência do crédito cedido por contrato de factoring, o faturizador exequente não precisa demonstrar a inexistência do crédito cedido. Com efeito, ainda que as notas promissórias tenham sido emitidas para garantir a exigibilidade do crédito cedido, o avalista não integra a relação comercial que ensejou esse crédito, nem é parte no contrato de fomento mercantil. Na condição de avalista, questões atinentes à relação entre o devedor principal das notas promissórias e a sociedade de fomento mercantil lhe são estranhas. Isso decorre da natureza pessoal dessas questões e da autonomia característica do aval. Assim, na ação cambial somente é admissível defesa fundada em direito pessoal decorrente das relações diretas entre devedor e credor cambiários, em defeito de forma do título ou na falta de requisito necessário ao exercício da ação. REsp 1.305.637-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/9/2013.

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.305.637 - PR (2011⁄0078736-2)
 
RELATORA:MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE:GUILHERME RIBAS GONÇALVES
ADVOGADO:CARLOS ALEXANDRE PERIN
RECORRIDO:AFG FACTORING LTDA
ADVOGADO:CARLISE ZASSO POSSEBON E OUTRO(S)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E DIREITO EMPRESARIAL. CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL (FACTORING). EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. NOTAS PROMISSÓRIAS EMITIDAS EM GARANTIA DE EVENTUAL RESPOSABILIDADE DA FATURIZADA PELA EXISTÊNCIA DO CRÉDITO. CAUSA NÃO PASSÍVEL DE SER ALEGADA PELO AVALISTA. OBRIGAÇÃO CAMBIAL AUTÔNOMA. DEFESA PRÓPRIA DO DEVEDOR PRINCIPAL. ÔNUS DA PROVA IMPUTÁVEL APENAS A ESTE. ARTIGO ANALISADO: 333, II, CPC.
1. Embargos do devedor opostos 27⁄09⁄2007, do qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 06⁄03⁄2012.
2. Discute-se, quando executadas notas promissórias dadas em garantia da existência de crédito cedido em contrato de factoring, se é ônus do devedor demonstrar a inocorrência dessa causa.
3. Sendo o embargado avalista das notas promissórias executadas, é-lhe vedado sustentar a inexistência da causa que pautou a emissão das notas promissórias executadas, dada a autonomia que emana do aval e a natureza de exceção pessoal dessa defesa.
4. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, improvido.
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e nesta parte negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
 
Brasília (DF), 24 de setembro de 2013(Data do Julgamento)
 
 
MINISTRA NANCY ANDRIGHI 
Relatora
 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.305.637 - PR (2011⁄0078736-2)
 
RECORRENTE:GUILHERME RIBAS GONÇALVES
ADVOGADO:CARLOS ALEXANDRE PERIN
RECORRIDO:AFG FACTORING LTDA
ADVOGADO:CARLISE ZASSO POSSEBON E OUTRO(S)
 
RELATÓRIO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 
Cuida-se de recurso especial interposto por GUILHERME RIBAS GONÇALVES, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional.
Ação: embargos do devedor opostos pelo recorrente GUILHERME RIBAS GONÇALVES em face da credora-recorrida AFG FACTORING LTDA, no qual sustenta ser avalista das notas promissórias que embasam a execução, as quais, contudo, teriam sido emitidas paralelamente ao contrato de factoring firmado entre a recorrida e faturizada Ocidental Distribuidora de Petróleo Ltda (cedente-faturizada) exclusivamente para garantia de eventual responsabilidade desta pela existência do crédito cedido. Aduziu-se a inexigibilidade do título executado diante da não demonstração, pela credora-recorrida, de ocorrência da causa que deu ensejo à garantia (fls. 03⁄13, e-STJ).
Sentença: julgou procedente os embargos, extinguindo a execução, sob o fundamento de que o contrato de factoring não admite a pactuação de garantia (fls. 139⁄146, e-STJ).
Acórdão: reformou a sentença, para reconhecer a exigibilidade das notas promissórias, pois firmadas não para garantia do adimplemento dos títulos cedidos, mas sim para a hipótese de responsabilidade do cedente pela existência do crédito. Nesse compasso, estabeleceu ser ônus do recorrente-embargante a demonstração de "ausência de vícios de origem dos títulos cedidos" e não dever do exequente fazê-lo quando da propositura da execução (fls. 214⁄223, e-STJ). Aementa correspondente está assim redigida:
 
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DEFACTORING. TITULO EXECUTIVO. NOTAS PROMISSÓRIAS. CONTRARRAZÕES. PRELIMINAR. RECURSO ADESIVO. PREPARO. AUSÊNCIA. DESERÇÃO. RECURSO NÃOCONHECIDO. AGRAVO RETIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO EFICAZ. EMBARGOS À EXECUÇÃO, CONTRATO DEFACTORINGNOTAS PROMISSÓRIAS. EMISSÃO EM GARANTIA. POSSIBILIDADE.RESPONSABILIDADE DO FATURIZADO. EXEGESE DO ART. 295, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRINCÍPIO DO ÔNUS DA PROVA. FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO. ÔNUS DO EMBARGANTE. INTELIGÊNCIA DO ART., 333, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. TÍTULO CAMBIAL. EXIGIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. RECURSO ADESIVO NÃO CONHECIDO. RECURSO DE AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO.
1. Recurso adesivo. Deserção. O recurso adesivo não colhe admissibilidade, sendo deserto, pois não atendeu cabalmente as disposições dos arts. 500, inciso III e 511 ambos do Código de Processo Civil.
2. Agravo retido. Cerceamento de defesa. Não ocorre cerceamento de defesa se as provas contidas nos autos são suficientes para formar o convencimento do magistrado, mormente se a relação jurídica em exame é de natureza simples.
3. Notas promissórias emitidas em garantia ao contrato de factoring -  possibilidade. Conforme exegese do art. 295, do Código Civil, em contratos de fomento mercantil o faturizado deve responder pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu. Mostra-se legítima, portanto, a pactuação da emissão pelo cedente de nota promissória em garantia de vícios de origem nos títulos negociados.
4. Principio do ônus da prova. Cada parte tem o ônus de provar os pressupostos fáticos do direito que pretenda seja aplicado pelo juiz na solução do litígio. Na ausência de provas de que os títulos negociados com o faturizador, não padecem de vícios na origem, prevalece a presunção deregularidade e validade do título de crédito.
5. Princípio da sucumbência. A sucumbência deve ser sopesada tanto pelo aspecto quantitativo quanto pelo jurídico em que cada parte decai de suas pretensões e resistências, respectivamente impostas. Reformada a sentença, com procedência da execução, inverte-se a condenação da sucumbência.
 
 
Embargos de Declaração: interpostos pelo recorrente, foram rejeitados (fls. 234⁄238, e-STJ).
Recurso Especial: Aduz-se violação aos arts. 333, II, 580 e 614, II, do CPC e art. 125 do Código Civil e dissídio jurisprudencial (fls. 243⁄268, e-STJ). Sustenta-se ser ônus do credor, ao ajuizar a execução nas notas promissórias dadas em garantia, demonstrar a inexistência do crédito cedido no factoring. Por fim, alega-se divergência jurisprudencial acerca da possibilidade de garantia nocontrato de factoring, ainda que para a hipótese de eventual responsabilidade do cedente pela existência dos títulos faturizados.
Prévio juízo de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ⁄PR (fls. 304⁄309, e-STJ), tendo sido interposto agravo contra a decisão denegatória, ao qual foi dado provimento, determinando-se sua conversão em recurso especial (fl. 350, e-STJ).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.305.637 - PR (2011⁄0078736-2)
 
RELATORA:MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE:GUILHERME RIBAS GONÇALVES
ADVOGADO:CARLOS ALEXANDRE PERIN
RECORRIDO:AFG FACTORING LTDA
ADVOGADO:CARLISE ZASSO POSSEBON E OUTRO(S)
 
 
VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 
Cinge-se a controvérsia em definir i) se, quando executadas notas promissórias emitidas em garantia da existência de crédito cedido em contrato de factoring, é ônus do devedor demonstrar a inocorrência dessa causa; ii) se é possível a emissão de notas promissórias para assegurar eventual inexistência do  crédito faturizado; e, incidentalmente, iii) se houve negativa de prestaçãojurisdicional por parte do Tribunal de origem.
 
1. Negativa de prestação jurisdicional – violação do art. 535, I e II, do CPC.
 
1.1. Sustenta o recorrente ter havido "omissão e contradição das autoridades julgadoras, não obstante a oposição de embargos declaratórios, configurando a negativa de prestação jurisdicional pelos órgãos do Poder Judiciário de inferior hierarquia" (fls. 249, e-STJ).
1.2. Não há, contudo, indicação precisa em que consistiram a omissão e a contradição do Tribunal de origem, limitando-se o recorrente à alegação genérica de negativa de prestação jurisdicional.
1.3. Assim, no ponto em análise, o recurso não comporta conhecimento, em razão da incidência do enunciado nº 284 da Súmula⁄STF.
 
2. Inexistência de título executivo e presença de condição não demonstrada pelo credor - violação aos arts. 580 e 614, III, do CPC e art. 125 do CC⁄02.
 
2.1. O acórdão recorrido não decidiu acerca dos dispositivos indicados como violados pela recorrente em seu recurso especial (arts. 580 e 614, III, do CPC e art. 125 do CC⁄02), apesar da interposição de embargos de declaração.
2.2. Por isso, inviável o conhecimento do recurso especial no particular. Incidência do enunciado nº 211 da Súmula⁄STJ.
 
3. Imposição ao embargante do ônus de provar a causa de inexistência do crédito faturizado – violação ao art. 333, II, CPC.
 
3.1. Prefacialmente, convém anotar que, apesar de ser contrato atípico, não contando com uma legislação que o regule exaustivamente, o factoring é definido pelo art. 15, III, “d”, da Lei nº 9.249⁄95, como sendo uma "prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia,mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços".
Segundo a jurisprudência do STJ, no que concerne especificamente à compra de direitos creditórios, aplicam-se ao factoring, primordialmente, as normas que regem a cessão civil, pois, apesar da transferência do título ser operada formalmente por endosso, em sua essência há uma compra e venda de crédito, mediante pagamento à vista (REsp 612.423⁄DF, minha relatoria, 3ªTurma, DJ 26⁄06⁄2006; REsp 992.421⁄RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p⁄ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, 3ª Turma, DJe 12⁄12⁄2008).
Vale dizer, por meio do factoring não se negocia o título em si, mas o crédito nele consubstanciado, de modo que o endosso tem a mera finalidade de legitimar a respectiva posse pelo cessionário.
Arnaldo Rizzardo, citado por Ricardo Negrão (Manual de Direito Comercial e de Empresa. Títulos de Crédito e Contratos Empresariais. 2ª ed. Editora Saraiva. São Paulo : 2011. p. 391), anota que:
 
“No factoring, há compra de crédito, ou do ativo de uma empresa, e não apenas dos títulos. Não se opera o simples endosso, mas a negociação do crédito. Há uma individualidade própria, um conteúdo mais extenso que o mero endosso, ou a simples cessão de crédito.”
 
A par da transferência do título operar-se por endosso (instituto de natureza cambial), tem-se também a incidência das regras da cessão civil sobre o fomento mercantil. A propósito, atenta à natureza sui generis dessa modalidade contratual, a doutrina ora pontua algumas limitações à aplicação irrestrita da lei civil ora também afasta regramentos de natureza cambial, sempre em prestígio às nuances próprias e autônomas do contrato do factoring.
Como bem aponta Ricardo Negrão (ob. cit. id.),
 
"As razões pelas quais os princípios da cessão não se aplicam inteiramente ao fomento são as mesmas que lhe negam a plena aplicação dos princípios cambiais ao endosso lançado nos títulos transferidos: o risco e a natureza especial do contrato".
 
3.2. Na espécie, tem-se a formalização de notas promissórias (subscritas⁄emitidas pela faturizada Ocidental Distribuidora de Petróleo Ltda e avalizadas pelo embargante-recorrente) para garantia de eventual inexistência do crédito representado pelas duplicatas cedidas no contrato de factoring.
Não se pretendeu, na hipótese, garantir a solvência do devedor das duplicatas, mas tão somente a existência (exigibilidade) do crédito cedido, ex vi do disposto no art. 295 do CC⁄02, segundo o qual "o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu".
Como exemplos de causa de inexistência do crédito, podem ser citadas a emissão fraudulenta de duplicata (frias⁄sem causa); o recebimento, pela faturizada, do pagamento do título após efetivada sua cessão à faturizadora; a existência de justa recusa de pagamento por parte do devedor, a exemplo das hipóteses previstas nos arts. 8º, 10 e 21 da Lei 5.474⁄68, e outras relacionadas aocumprimento do negócio subjacente etc. (ob. cit. p. 395).
3.3. Ocorre, contudo, que o recorrente-embargante, na condição de avalista das notas promissórias, não integra a relação comercial que ensejou a emissão das duplicatas cedidas à recorrida, tampouco é parte no contrato de fomento mercantil.
Nessa condição, está impedido de opor à cessionária-recorrida questões que dizem respeito à relação entre o devedor principal das notas promissórias e a sociedade de fomento mercantil.
Esse impedimento decorre da autonomia característica do aval e da natureza pessoal – atinente à faturizada – da defesa deduzida.
O aval, como instituto de direito cambial, é dotado de autonomia, desprendendo-se da obrigação avalizada: a existência, validade e eficácia daquele não estão condicionadas à da obrigação avalizada.
Desse modo, como explica Fábio Ulhoa Coelho (Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa. Empresa e Estabelecimento. Títulos de Crédito14ª ed. Editora Saraiva. São Paulo : 2010. p. 421), "se o credor não puder exercer, por qualquer razão, o direito contra o avalizado, isto não compromete a obrigação do avalista".
As obrigações cambiais são autônomas e independentes umas das outras (art. 43, Dec. nº 2.044⁄1908). E o aval, como tal, mantém-se hígido mesmo no caso da obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão, a exceção de vícios de forma (art. 32, 2ª alínea, LUG e art. 899, § 2º, CC⁄02).
Rubens Requião (Curso de Direito Comercial. 2º vol. 30ª ed., rev. e at. São Paulo : 2013. p. 522), nessa esteira, assevera que:
 
"Sendo as obrigações cambiárias autônomas umas das outras, o avalista que está sendo executado em virtude da obrigação avalizada, não pode opor-se ao pagamento, fundado em matéria atinente à origem do título, que lhe é estranha. O aval é obrigação formal, autônoma, independente e decorre da simples aposição, no título, da assinatura do avalista".
 
3.4. Por isso, na ação cambial, somente é admissível defesa fundada no direito pessoal do réu contra o autor, bem ainda em defeito de forma do título e na falta de requisito necessário ao exercício da ação (art. 51, Dec. nº 2.044⁄1908; art. 27, LUG). Nessas exceções não se encaixa a defesa do embargante-recorrente.
Conforme explica Rubens Requião (ob. cit. p. 560), "as exceções fundadas em direito pessoal [...] devem decorrer das relações diretas entre devedor e credor cambiários", hipótese na qual não se inclui o avalista.
3.5. Destarte, ainda que não fosse possível falar – tal como fez o acórdão recorrido – na atribuição ao embargante do ônus de demonstrar a inocorrência da causa que pautou a emissão das promissórias (art. 333, II, CPC), pois essa defesa sequer lhe é permitida, ainda assim não há razão para extinção da execução. Portanto, subsiste a conclusão obtida pelo acórdão recorrido, malgrado amparada, agora, por fundamento diverso.
 
 
 
4. Possibilidade de emissão de nota promissória para garantia de existência do crédito cedido em contrato de fomento mercantil (factoring) – dissídio jurisprudencial.
 
4.1. O acórdão recorrido decidiu que:
 
"Conforme exegese do art. 295, do Código Civil, em contratos de fomento mercantil o faturizado deve responder pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu. Mostra-se legítima, portanto, a pactuação da emissão pelo cedente de nota promissória em garantia de vícios de origem nos títulos negociados."
 
4.2. Segundo o recorrente, a decisão impugnada diverge do acórdão paradigma, o qual afirma que "a exigência de nota promissória, para garantia do negócio, não se mostra adequada porque a embargada não é instituição financeira, [...] daí não ser razoável que exijam notas promissórias em garantia dessa operação" (fl. 258, e-STJ).
4.3. Contudo, como facilmente se constata, a base fática dos acórdãos confrontados não é a mesma, tanto que as decisões possuem conteúdos distintos.
O acórdão recorrido entendeu ser possível a pactuação de garantia para a hipótese específica de responsabilidade do cedente pela existência do crédito cedido através do fomento mercantil. O acórdão paradigma, ao revés, tratou da impossibilidade de garantia do contrato de factoring em si (álea do negócio), com o que não se confunde a situação abordada nestes autos pela decisão impugnada.
4.4. Por isso, inviável o conhecimento do recurso, nesse ponto, porque a falta da similitude fática- requisito indispensável à demonstração da divergência - inviabiliza a análise do dissídio.
 
Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
 
 
 
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2011⁄0078736-2
PROCESSO ELETRÔNICO
REsp 1.305.637 ⁄ PR
 
Número Origem: 610340402
 
 
PAUTA: 24⁄09⁄2013JULGADO: 24⁄09⁄2013
  
Relatora
Exma. Sra. Ministra  NANCY ANDRIGHI
 
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
 
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS
 
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
 
AUTUAÇÃO
 
RECORRENTE:GUILHERME RIBAS GONÇALVES
ADVOGADO:CARLOS ALEXANDRE PERIN
RECORRIDO:AFG FACTORING LTDA
ADVOGADO:CARLISE ZASSO POSSEBON E OUTRO(S)
 
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Títulos de Crédito - Nota Promissória
 
CERTIDÃO
 
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessãorealizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
 
A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e nesta parte negou-lheprovimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas BôasCueva.
 

Documento: 1267871Inteiro Teor do Acórdão- DJe: 02/10/2013