quarta-feira, 10 de abril de 2013

STJ - ESPECIAL - CHEQUE

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07/04/2013 - 08h00

STJ - ESPECIAL

Cheque: praticidade que pode causar transtornos a quem emite e quem recebe

Ter um talão de cheques não é difícil. Basta que a pessoa possua conta corrente em algum banco e não tenha restrição de crédito. Durante décadas, antes que essa forma de pagamento tivesse seu lugar no mercado ameaçado pelo cartão de crédito, a manipulação de um talão de cheques dava ao correntista um ar de sofisticação e status. 

A popularização do uso dos cheques, contudo, trouxe consigo a insegurança e a desconfiança, pois aquele pequeno pedaço de papel não oferecia a garantia de que a conta teria fundos suficientes para o pagamento do valor ali expresso. 

Além da devolução por falta de fundos, vieram outros problemas, como as fraudes e as confusões geradas pelo cheque pós-datado. Muito demandado em relação ao assunto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem firmando jurisprudência sobre esse título de crédito, em relação a questões como execução, prescrição, indenização por erros ou mesmo delitos como fraude e roubo. 

Insignificância 

O Tribunal, por exemplo, negou a aplicação do princípio da insignificância a um caso de furto em que o réu se aproveitou da relação de amizade com a vítima para furtar quatro folhas de cheque em branco. A Sexta Turma do STJ considerou que a existência de maus antecedentes e a má conduta do réu, que abusou da confiança do amigo, justificaram a sua condenação à pena de dois anos e 11 meses de reclusão (HC 135.056). 

Em outro caso, o mesmo colegiado negou habeas corpus a um homem que cometeu o crime de estelionato ao subtrair um talão de cheques e falsificar a assinatura do titular em duas folhas, realizando em seguida compras de mercadorias no valor de R$ 43 e R$ 51. O homem foi condenado a dois anos e seis meses de reclusão, em regime semiaberto. 

O relator do caso, ministro Og Fernandes, entendeu que a falta de exame grafotécnico nos cheques fraudados pode ser suprida por outras provas. 

"No caso, a materialidade do delito teria sido demonstrada pelo boletim de ocorrência registrado pela vítima, apreensão das microfilmagens dos cheques, auto de exibição e apreensão de cópia de comprovante de abertura de conta corrente em nome da vítima, termo de coleta de padrões gráficos do réu e confissão na fase do inquérito e em juízo", afirmou o ministro (HC 124.908). 

Prescrição

Como o cheque é ordem de pagamento à vista, a sua eficácia para o saque inicia-se com a simples entrega por parte do emitente ao beneficiário, podendo este dirigir-se imediatamente à agência bancária para proceder ao saque ou depósito. O prazo de apresentação serve como orientação para a contagem do prazo prescricional. 

O STJ já consolidou o entendimento de que o cheque deixa de ser título executivo no prazo de seis meses, contados do término do prazo de apresentação fixado à data em que foi emitido, e a regra persiste independentemente de o cheque ter sido emitido de forma pós-datada. 

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o uso do cheque pós-datado, embora disseminado socialmente, traz riscos ao tomador do título, como o encurtamento do prazo prescricional e a possibilidade de ser responsabilizado civilmente pela apresentação do cheque antes do prazo estipulado (REsp 875.161). 

Para a ministra Nancy Andrighi, ainda que seja prática costumeira na sociedade moderna, a emissão de cheques pós-datados não encontra previsão legal. "Admitir-se que do acordo extracartular decorram os efeitos almejados pela parte recorrente importaria na alteração da natureza do cheque como ordem de pagamento à vista, além de violação dos princípios da literalidade e abstração", afirmou (REsp 1.068.513). 

Em outro julgamento, a Terceira Turma decidiu que ação cautelar de sustação de protesto de cheque interrompe a prescrição da execução (REsp 1.321.610). 

A decisão foi tomada no julgamento de recurso especial interposto por microempresa, no curso de embargos à execução de cheque. A parte alegou a prescrição do cheque que deu origem à execução. 

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, o credor não foi desidioso, apresentando o cheque para protesto antes de decorrido o prazo de prescrição e aguardando o trânsito em julgado das ações impugnativas promovidas pela devedora para só então executar o título, comprovando sua boa-fé. 

A Quarta Turma, no julgamento do REsp 926.312, entendeu que é possível ação monitória baseada em cheque prescrito há mais de dois anos sem demonstrar a origem da dívida. De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, em caso de prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei 7.357/85 prevê, no prazo de dois anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de enriquecimento ilícito. Expirado esse prazo, o artigo 62 da Lei do Cheque ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação fundada na relação causal. 

Luis Felipe Salomão destacou ainda que a jurisprudência do STJ também admite o ajuizamento de ação monitória (Súmula 299), reconhecendo que o próprio cheque satisfaz a exigência da "prova escrita sem eficácia de título executivo" a que se refere o artigo 1.102-A do Código de Processo Civil. 

Execução

A execução do cheque é forma de cobrança simples, rápida e eficaz de título cambial. O STJ já entendeu que, para poder ser executado, o cheque deve ter sido apresentado à instituição financeira dentro do prazo legal. A falta de comprovação do não pagamento do título retira sua exigibilidade (REsp 1.315.080). 

Para o ministro Luis Felipe Salomão, "por materializar uma ordem a terceiro para pagamento à vista", o cheque tem seu momento natural de realização na apresentação, "quando então a instituição financeira verifica a existência de disponibilidade de fundos, razão pela qual a apresentação é necessária, quer diretamente ao sacado quer por intermédio do serviço de compensação". 

Em outro julgamento, a Terceira Turma do STJ definiu que empresa que endossa cheque de terceiro perante factoringtambém é responsável pelo pagamento do valor do título (REsp 820.672). 

No caso, a empresa de factoring ajuizou ação de execução contra a empresa e contra a pessoa que emitiu o cheque, com o objetivo de cobrar importância de cerca de R$ 1 mil. Ao analisar a questão, o colegiado destacou: "A lei é mais que explícita: quem endossa garante o pagamento do cheque. Seja o endossatário quem for. A lei não faz exclusões. Portanto, não cabe criar exceções à margem da lei." 

Outra decisão do STJ garantiu aos credores o acesso ao endereço de emitente de cheque sem fundos. Para os ministros da Quarta Turma, o banco tem dever geral de colaboração com o Judiciário e deve fornecer o endereço, se determinado pela Justiça (REsp 1.159.087). 

Para o colegiado, o sigilo bancário é norma infraconstitucional e não pode ser invocado de modo a tornar impunes condutas ilícitas ou violar outros direitos conflitantes. Além disso, os ministros afastaram a alegação de que a medida viola direitos do consumidor. 

"Apesar de o Código de Defesa do Consumidor alcançar os bancos de dados bancários e considerar abusiva a entrega desses dados a terceiros pelos fornecedores de serviços, o CDC impõe que se compatibilizem a proteção ao consumidor e as necessidades de desenvolvimento econômico", destacou o ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso. 

Indenização

Acordo em cheque pós-datado não vincula terceiros que o sacaram antes do prazo. Dessa forma, o terceiro de boa-fé não está sujeito a indenizar o emitente por eventuais danos morais decorrentes da apresentação antes da data combinada. O entendimento foi aplicado pela Quarta Turma (REsp 884.346). 

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, era incontroverso no caso que o cheque circulou e que não constava como data de emissão aquela supostamente pactuada, mas a data em que foi efetivamente emitido. "O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios da literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé", afirmou. 

O ministro observou que, apesar de a Súmula 370 do próprio STJ orientar que há dano moral na apresentação antecipada do cheque pós-datado, essa regra se aplica aos pactuantes e não a terceiros. 

Em outro julgamento, a Terceira Turma condenou o Banco ABN Amro Real S/A ao pagamento de R$ 5 mil por danos morais a correntista que teve o seu nome incluído do Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo. O motivo foi a devolução de forma errada, por insuficiência de fundos, de um cheque que já estava prescrito (REsp 1.297.353). 

A Turma, seguindo o voto do ministro Sidnei Beneti, concluiu que o prazo estabelecido para apresentação do cheque serve, entre outras coisas, como limite temporal da obrigação que o emitente tem de manter provisão de fundos em conta bancária suficiente para a compensação do título. 

"A instituição financeira não pode devolver o cheque por insuficiência de fundos se a apresentação tiver ocorrido após o prazo que a lei assinalou para a prática desse ato", acrescentou. 

O STJ condenou outra instituição bancária a pagar indenização por ter devolvido cheques sustados ao devedor, e não ao credor. No caso, a Quarta Turma manteve a condenação do Banco do Brasil a indenizar por danos morais, no valor de R$ 10 mil, a Associação Comunitária de Laginha, na Paraíba, por sustação de dois cheques (REsp 896.867). 

A associação celebrou convênio com o estado da Paraíba, mediante o Projeto Cooperar, para a construção de rede de eletrificação rural. Sustentou que o Projeto Cooperar depositou dois cheques na sua conta corrente, no valor de R$ 22.271,57, que serviriam para pagar a empresa contratada por ela. 

Ocorre que os cheques foram sustados pela administração pública, sendo o valor estornado da conta corrente da associação. Porém, ao invés de a instituição bancária ter devolvido os títulos para o credor (associação), entregou-os ao devedor (Projeto Cooperar), conduta essa que impediu a associação de exercer seus direitos creditórios e pagar suas obrigações junto a fornecedores. 

Para o ministro Luis Felipe Salomão, relator, o governo do estado não tem atribuição para emitir normas relativas a procedimentos bancários, notadamente as concernentes a cheques. 

"Ainda que se reconhecesse alguma vinculação entre o governo estadual e a instituição bancária, o que não ocorre, notadamente quanto a procedimentos bancários, não cometeria ato ilícito a instituição que deixasse de cumprir determinação manifestamente ilegal", afirmou o ministro. 


 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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HABEAS CORPUS Nº 135.056 - MS (2009⁄0080247-9)

 

RELATOR

:

MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR

IMPETRANTE

:

HENOCH CABRITA DE SANTANA - DEFENSOR PÚBLICO

IMPETRADO

:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

PACIENTE 

:

JÚNIOR CESAR DOS SANTOS (PRESO)

ADVOGADO

:

ESDRAS DOS SANTOS CARVALHO - DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

EMENTA

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. ABUSO DE CONFIANÇA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CULPABILIDADE FUNDADA NAS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE PRATICADO O CRIME. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM EM RELAÇÃO À QUALIFICADORA DE ABUSO DE CONFIANÇA. MAUS ANTECEDENTES. CONDENAÇÃO POR FATO PRATICADOANTERIORMENTE AO ORA IMPUTADO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. VALORAÇÃO NEGATIVA DA PERSONALIDADE DO AGENTE. AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

1. O paciente, aproveitando-se da situação de ser amigo da vítima, pernoitou em sua residência para, durante a noite, subtrair folhas doseu talonário de cheques, circunstância que denota maior reprovabilidade da conduta delituosa e que, aliada à habitualidade delitiva, afasta a incidência do princípio da insignificância. Precedentes.

2. A valoração negativa da culpabilidade em razão da premeditação do crime e da malícia decorrente do intuito de ocultação da práticacriminosa em nada se confunde com o fato de ter o agente cometido o crime mediante abuso de confiança. Não configuração de bis inidem.

3. A pretensão de afastar a valoração negativa dos maus antecedentes em decorrência da existência de condenação transitada em julgado, no sentido de verificar se o referido antecedente se reporta a fato típico praticado anteriormente ao crime ora imputado, necessita de dilação probatória, incabível na estreita via processual do habeas corpus, sobretudo porque o impetrante não juntou aos autos documentos capazes de ilidir a fundamentação do acórdão ora impugnado.

4. Deve ser afastada a valoração negativa concernente à personalidade do agente, pois fundamentada na existência de ações penais em andamento e em condenação transitada em julgado já devidamente valorada como mau antecedente.

5. Ordem parcialmente concedida para fixar a pena do paciente em 2 anos e 11 meses, além do pagamento de 10 dias-multa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

Brasília, 13 de setembro de 2011 (data do julgamento).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ministro Sebastião Reis Júnior

Relator

 

 

 

HABEAS CORPUS Nº 135.056 - MS (2009⁄0080247-9)

 

 

RELATÓRIO

 

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Júnior Cesar dos Santos, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.

Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela prática do fato típico descrito no 155, § 4º, II, do Código Penal (fls. 11⁄13):

 

[...]

Consta que o denunciado e a vítima eram amigos, razão pela qual ele pernoitou na residência desta quando, abusando da confiança que a vítima lhe dispensava e aproveitando que esta dormia, extraiu dos talonários de cheques que estava dentro da carteira da vítima, asreferidas lâminas, tomando o cuidado de destaca-las de forma que a vítima não percebesse a sua falta.

[...]

 

O Juízo da 2ª Vara Criminal de Dourados⁄MS (processo n. 002.02.003137-0) condenou o paciente à pena de 3 anos e 4 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado - considerando as suas inúmeras condenações e a constatação de que se encontrava, naquelemomento, preso por força de outro processo -, e ao pagamento de 25 dias-multa, à razão de 1⁄30 do salário mínimo.

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação (n. 2008.014157-5), objetivando o reconhecimento da insignificância do valoreconômico das folhas de cheque furtadas do talonário da vítima e, subsidiariamente, a redução da pena-base fixada.

Negado provimento ao recurso, foi impetrado, então, o presente habeas corpus, em que se alega, em suma, que (fls. 5⁄9):

 

[...]

O ora paciente foi condenado porque subtraiu com abuso de confiança, quatro lâminas de cheque de propriedade da vítima, vendendo-os a terceiros pelo valor de R$ 20,00 (vinte reais).

Ocorre que, conforme entendimento dominante, a lâmina de cheque não ostenta relevância econômica para ser objeto material de furto ou receptação.

[...]

Por outro lado, ao fixar a pena-base, tiveram os ilustres julgadores sentenciantes, como desfavorável o grau de culpabilidade do paciente sob o argumento de que aguardou a vítima adormecer para facilitar a subtração, fator esse inerente à qualificadora do abuso de confiança (bis in idem), onde a hospitabilidade por si só não serve de fator para incidência, necessitando de certa facilidade diante da confiança da vítima [...]

Além de que os nobres julgadores infringiram as normas penais em vigor, vez que valoraram indevidamente, em antecedentes criminais,fatos acontecidos com o paciente posteriormente (fl. 76), pois todas as incidências ocorreram depois do fato que originou a presente ação penal, o que veio a refletir a exasperação da pena.

[...]

 

O pedido liminar foi indeferido (fl. 88).

A indigitada autoridade coatora prestou informações (fls. 95⁄102).

O Ministério Público opinou pela concessão da ordem em parecer assim sumariado (fl. 104):

 

AÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA (PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA) QUALIFICADORA (ABUSO DECONFIANÇA). EXCLUSÃO. BIS IN IDEM.

(CP - ART. 155, § 4º, II)

HC Cabível.

Subtração de cártulas de cheque em branco. Ausência de valor econômico. Furto. Crime impossível. Atipicidade da conduta.

Pela concessão do habeas corpus.

Atipicidade do fato, eis que cártula do cheque sem assinatura, por si só, não possui valor econômico, não constituindo objeto material do crime de furto.

Subtração de lâminas de cheques - que são vendidas pelo paciente e, posteriormente por terceiros preenchidas e descontadas.

 

É o relatório.

 

HABEAS CORPUS Nº 135.056 - MS (2009⁄0080247-9)

 

 

VOTO

 

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (RELATOR): Busca o impetrante a concessão da ordem para que seja reconhecida a atipicidade do crime de furto imputado ao paciente e, subsidiariamente, a diminuição da pena-base aplicada.

Primeiramente, sobre o princípio da insignificância, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal definiu alguns critérios para a sua aferição no caso concreto, aptos a demonstrar, conforme os princípios da fragmentariedade e da intervenção penal mínima, a necessidade da incidência do Direito Penal sobre o fato ilícito perpetrado, quais sejam: (a) mínima ofensividade, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) inexpressividade da lesividade jurídica ao bem tutelado e (d) reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agente.

Nesse passo, a aplicação do referido princípio possui o condão de afastar a própria tipicidade penal, especificamente na sua vertente material.

In casu, conforme consta da sentença condenatória, o paciente era amigo da vítima, tendo se aproveitado dessa situação para subtrair folhas de cheque do seu talonário, abusando, assim, da sua confiança (fl. 49):

 

[...] o furto somente se tornou possível em decorrência da amizade que o réu tinha com a vítima, tanto que pernoitou na residência desta,conseguindo, justamente por isso, e pelo afrouxamento da vigilância e cuidados que a situação lhe ensejava, ter contato direto com a res furtiva e, como corolário, facilmente subtraí-la. [...]

 

Ademais, quando da prática da conduta ilícita, o paciente tomou o cuidado de destacar os canhotos dos cheques, de modo a assim nãodespertar a atenção da vítima quanto à sua subtração (fl. 49):

 

[...] Naquela data, aguardou que a vítima adormecesse para que, então, pudesse concretizar com mais facilidade a subtração, tomandoinclusive o cuidado de destacar também os canhotos para que a retirada das lâminas não fosse detectada. [...]

 

Verifica-se, por outro lado, que o réu possui antecedentes na prática do crime de furto, demonstrando ser usual na prática de condutas delitivas (fl. 49):

 

[...] Demonstra personalidade voltada à deliquência, com forte propensão, conduta social reprovável e péssimos antecedentes (fl. 75). Éuseiro e vezeiro na prática de crimes, deixando claro que de longa data envereda por essa seara, em incessante escalada, realçando totaldesprezo ao cumprimento de regras básicas de convívio em sociedade. Já foi condenado várias vezes nesta comarca, inclusive por práticas de furtos, e ainda responde a outras ações penais, até mesmo por envolvimento em tráfico de entorpecentes, revelando deliquente contumaz (f. 127-129, 132-135, 138, 139 e 140). Está inclusive preso atualmente por força de outro processo. [...]

 

Quanto às consequências da conduta, um dos cheques foi compensado no valor de R$ 510,00 (quinhentos e dez reais) e outro foipreenchido no valor de R$ 1.750,00 (um mil, setecentos e cinquenta reais), demonstrando assim expressiva lesão ao bem jurídico tutelado, apesar de a instituição bancária ter ressarcido a vítima (fls. 84⁄85):

 

[...]

Com efeito, o valor da res furtiva não é irrisório ou inexpressivo, como alega a defesa, mas de considerável monta e relevância, pois as lâminas foram preenchidas em considerável montante (R$ 510,00 e R$ 1750,00), sendo grande o prejuízo ocasionado à vítima pela compensação do cheque em sua conta corrente, evidenciando-se que não é o caso de reconhecimento da alegada bagatela.

[...]

 

Do exame da moldura fática contida nos autos, tem-se que o abuso de confiança com que praticado o crime, o modus operandiempregado (mediante premeditação e com o intuito de ocultar a prática delituosa), bem como a existência de evidências acerca da habitualidade delitiva, denotam a maior reprovabilidade da conduta do paciente e a elevada periculosidade social da ação, que, aliadas à expressiva lesão ao bem jurídico tutelado, possuem o condão de afastar a aplicação do princípio da insignificância à espécie.

A propósito, destaco os seguintes precedentes jurisprudenciais, em que se entendeu pela inaplicabilidade do princípio da insignificância em relação a crime de furto praticado mediante abuso de confiança:

 

No caso concreto, muito embora o laudo tenha afirmado que o bem valia R$ 50,00, a conduta do paciente revela-se altamente reprovável,uma vez que aproveitou-se de relacionamento amoroso mantido com a vítima para subtraí-la, sendo certo que pensava que o artigo valiabastante dinheiro, por ter uma pequena parte em ouro.

(HC n. 162.309⁄DF, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 28⁄6⁄2011)

 

Assim, consideradas as características do caso em concreto, em vista do relevante grau de inadequação social da conduta da ré, revelada, inclusive, pelo abuso de confiança e pela circunstância do furto ter sido cometido em concurso material com o delito de lesão corporal, não há que se falar em ausência de ofensividade ou de lesividade de sua conduta.

(AgRg no REsp n. 1.198.695⁄DF, Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 4⁄4⁄2011)

 

Destaco, ainda, precedente em que se evidencia o afastamento da atipicidade penal em razão do modus operandi empregado na práticadelituosa:

 

Mesmo que se considere pequeno o valor da res furtiva, não é de se falar, no caso, em mínima ofensividade da conduta, revelando ocomportamento do paciente razoável periculosidade social e significativo grau de reprovabilidade, na medida em que se dirigiu a uma imobiliária e, passando-se por um possível locatário, conseguiu as chaves do imóvel, indo até a casa da vítima, pessoa física, para de lá retirar um fogão a lenha, avaliado em R$ 100,00, posteriormente devolvido pelo pai do agente, sendo certo que o próprio modus operandi da conduta, na hipótese, é suficiente para afastar a aplicação do princípio aludido.

(HC n. 193.775⁄RS, Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ⁄CE), Sexta Turma, DJe 28⁄6⁄2011)

 

Não se pode olvidar da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que tem mitigado a aplicação do princípio da insignificância com fundamento na reiteração delitiva do réu:

 

Na aplicação de tal princípio não é próprio considerar circunstâncias alheias às do delito em tela para negar-lhe vigência, ressalvada ahipótese de comprovada reiteração delituosa.

(Supremo Tribunal Federal, RHC n. 96545, Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 27⁄8⁄2009)

 

O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como tivesse praticadocondutas irrelevantes. 6. Habeas corpus denegado.

(Supremo Tribunal Federal, HC n. 107067, Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 26⁄5⁄2011)

 

Reconhecidas a reincidência e a habitualidade da prática delituosa, a reprovabilidade do comportamento do agente é significativamenteagravada, sendo suficiente para inviabilizar a incidência do princípio da insignificância. Precedentes. Ordem denegada.

(Supremo Tribunal Federal, HC n. 97007, Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 30⁄3⁄2011)

 

De fato, a lei seria inócua se fosse tolerada a reiteração do mesmo delito, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassemcerto valor tido por insignificante, mas o excedesse na soma. E mais: seria um verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal,mormente tendo em conta aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida.

(HC n. 201.148⁄MG, Ministra Laurita Vaz, Quinta Qurma, DJe 22⁄8⁄2011)

 

Passo seguinte, quanto à configuração de bis in idem em decorrência da valoração da qualificadora do abuso de confiançaconcomitantemente com a elevação da pena-base, bem como quanto à  valoração indevida dos maus antecedentes, é de se ter a letra da sentença condenatória (fl. 49):

 

[...]

Referido acusado atuou com expressivo grau de culpabilidade, face à premeditação e à malícia com que se norteou, assim como ao longo do iter que percorreu. Naquela data, aguardou que a vítima adormecesse para que, então, pudesse concretizar com mais facilidade a subtração, tomando inclusive o cuidado de destacar também os canhotos para que a retirada das lâminas não fosse detectada. Demonstra personalidade voltada à deliquência, com forte propensão, conduta social reprovável e péssimos antecedentes (fl. 76). É useiro e vezeiro na prática de crimes, deixando claro que de longa data envereda por essa seara, em incessante escalada, realçando total desprezo ao cumprimento de regras básicas de convívio em sociedade. Já foi condenado várias vezes nesta comarca, inclusive por práticas de furtos, e ainda responde a outras ações penais, até mesmo por envolvimento em tráfico de entorpecentes, revelando-se delinquente contumaz (fl. 127-129, 132-135, 138, 139 e 140). Está inclusive preso atualmente por força de outro processo. Por tais razões, fixo a pena-base em quatro (4) anos de reclusão e pagamento de trinta (30) dias-multa, à razão unitária de 1⁄30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato.

[...]

 

Ao que se tem, o Juízo sentenciante destacou a maior reprovabilidade da conduta praticada, fundada na premeditação do crime (o réu planejou dormir na residência da vítima para subtrair a res furtiva) e na malícia do paciente (que destacou os canhotos do talão de cheques de modo a ocultar a prática delituosa), o que justifica a majoração da reprimenda em razão da elevada culpabilidade da conduta, não caracterizando bis in idem em relação à qualificadora de abuso de confiança, que, por sua vez, está devidamente fundamentada pela relação de amizade que o paciente mantinha com a vítima, circunstância que permitiu o fácil acesso à sua residência.

Por outro lado, no tocante à circunstância relativa aos antecedentes, conforme explicitado pelo Tribunal a quo, "as incidências penais anteriores configuram maus antecedentes e, no caso sub exame, verifica-se que o recorrente já fora processado anteriormente ao fato aqui praticado (f. 31 - incidência 004)" (fl. 85), sendo que a pretensão em sentido contrário, no sentido de verificar se o referido antecedente se reporta a fato típico praticado anteriormente ao crime ora discutido, necessita de dilação probatória, incabível na estreita via processual do habeas corpus, mormente porque o impetrante não juntou aos autos documentos capazes de ilidir a fundamentação do acórdão ora impugnado.

A propósito:

 

Inviável afastar a conclusão de existência de maus antecedentes e de personalidade voltada à prática delitiva, quando a documentaçãocolacionada aos autos é insuficiente para elidir as afirmações feitas pelas instâncias ordinárias de que o paciente possui anteriores envolvimentos com a prática de roubos e formação de quadrilha, indicativos de que sua incursão no ilícito não é esporádico.

(HC n. 145.413⁄SP, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 6⁄12⁄2010)

 

Quanto aos maus antecedentes, o fato é que a impetração não traz qualquer adminículo de prova para ilidir a afirmação do acórdão estadual de que o paciente possui diversas condenações por crimes idênticos. Ainda que assim não fosse, as demais circunstâncias judiciais desfavoráveis (dolo excessivo e conseqüências do crime) são, por si sós, suficientes, para a manutenção da pena-base como fixada pelo acórdão ora impugnado (1⁄3 acima do mínimo legal).

(HC n. 86.285⁄DF, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 21⁄2⁄2008)

 

Entendo, contudo, que deve ser afastada a valoração negativa da circunstância judicial relativa à personalidade do agente, pois fundamentada na existência de ações penais em andamento e em condenação transitada em julgado, já devidamente considerada como mau antecedente.

Nesse sentido:

 

Observa-se que 'as incidências penais' apontadas em relação ao ora requerente foram utilizadas tanto na circunstância judicial concernente aos maus antecedentes quanto na personalidade e na conduta social, o que caracteriza bis in idem. Precedentes desta Corte.

(PExt no HC n. 49.485⁄DF, Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 30⁄5⁄2011)

 

A jurisprudência deste Tribunal orienta-se no sentido de que a existência de inquéritos e ações penais em andamento não pode seconstituir no fundamento da valoração negativa dos antecedentes, da conduta social ou da personalidade do agente, em respeito ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade.

(HC n. 104.408⁄MS, Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 2⁄8⁄2010)

 

Dessa forma, considerando a existência de maus antecedentes e da elevada culpabilidade do paciente, fixo a pena-base em 3 anos e 6 meses que, confrontada com a atenuante da confissão espontânea, fica estabelecida definitivamente em 2 anos e 11 meses de reclusão.

Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem para fixar a pena do paciente em 2 anos e 11 meses, além do pagamento de 10 dias-multa.

 

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

Número Registro: 2009⁄0080247-9


PROCESSO ELETRÔNICO

HC 135.056 ⁄ MS

 

Números Origem:  20080141575           2020031370

 

MATÉRIA CRIMINAL

 

EM MESA

JULGADO: 13⁄09⁄2011

 

 

Relator

Exmo. Sr. Ministro  SEBASTIÃO REIS JÚNIOR

 

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro OG FERNANDES

 

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. FRANKLIN RODRIGUES DA COSTA

 

Secretário

Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

 

AUTUAÇÃO

 

IMPETRANTE

:

HENOCH CABRITA DE SANTANA - DEFENSOR PÚBLICO

IMPETRADO

:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

PACIENTE

:

JÚNIOR CESAR DOS SANTOS (PRESO)

ADVOGADO

:

ESDRAS DOS SANTOS CARVALHO - DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

 

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Furto Qualificado

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Turma, por unanimidade, concedeu parcialmente a ordem, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

 

 

Documento: 1087905

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 28/09/2011

 


 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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HABEAS CORPUS Nº 124.908 - MS (2008⁄0285075-5)

 

RELATOR

:

MINISTRO OG FERNANDES

IMPETRANTE

:

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

ADVOGADO

:

SANDRA REGINA SANTOS DE VASCONCELOS - DEFENSORA PÚBLICA

IMPETRADO

:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

PACIENTE 

:

JÚNIOR CÉSAR DOS SANTOS

EMENTA

 

HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. ALEGAÇÃO DA FALTA DE REALIZAÇÃO DE EXAME DE CORPO DE DELITO. FIRMEZA DOCONJUNTO PROBATÓRIO. PLEITO DE  APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE.REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO DO AGENTE.

1. Embora os cheques não tenham sido apreendidos e submetidos a perícia grafotécnica para atestar a falsidade da assinatura lançadapelo réu, suas cópias (microfilmes) foram devidamente juntadas aos autos.

2. A materialidade do estelionato encontra-se suficientemente demonstrada por outros elementos de prova mencionados na sentença, tais como, boletim de ocorrência, microfilmagens dos cheques subtraídos e emitidos fraudulentamente pelo réu, comprovante de abertura de conta-corrente, termo de coleta de padrões gráficos do réu, além de sua confissão judicial e extrajudicial, e o depoimento da vítima.

3. Aplicação do art. 167 do CPP, segundo o qual "não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta".

4. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser preenchidos quatro requisitos, a saber: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d)inexpressividade da lesão jurídica provocada.

5. Na espécie, o modo como o estelionato foi praticado indica a reprovabilidade do comportamento do réu, que, de maneira ardilosa,valeu-se de dois cheques que subtraíra da vítima e, mediante a aposição de falsa assinatura, realizou compras no valor de R$ 43,00(quarenta e três reais) e de R$ 51,00 (cinquenta e um reais).

6. Tais fatos não podem ser ignorados, sob pena de se destoar por completo das hipóteses em que esta Corte vem aplicando o princípioda insignificância.

7. Ordem denegada.

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

 

Brasília, 27 de março de 2012 (data do julgamento).

  

MINISTRO OG FERNANDES 

Relator

 

 

 

HABEAS CORPUS Nº 124.908 - MS (2008⁄0285075-5)

 

 

RELATÓRIO

 

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Habeas corpus contra acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que manteve, em grau de apelação, a sentença que condenou Júnior César dos Santos a 2 (dois) anos de reclusão, no regime semiaberto, e 25 (vinte e cinco) dias-multa, por estelionato.

Consta dos autos que o paciente subtraiu um talonário de cheques, preencheu duas folhas – uma no valor de R$ 43,00 (quarenta e três reais) e outra de R$ 51,00 (cinquenta e um reais) – e falsificou a assinatura do titular, efetuando, em seguida, a compra de mercadorias em um estabelecimento comercial.

Sustenta, com o writ, a configuração de nulidade decorrente da falta de realização de exame de corpo de delito, em afronta ao preceito previsto no art. 158 do CPP.

Afirma, nessa linha, que "não há materialidade do delito, pois como se trata de uma suposta prática de crime de estelionato em que o apelante apoderou-se de um talão de cheques, preencheu lâminas de cheque e falsificou as assinaturas do titulares da respectiva conta bancária, não foi provada a existência de materialidade, que deve ser demonstrada pelo exame grafotécnico, feito pelo técnico competente".

Enfatiza que "quando o crime deixa vestígios, isto é, deixa sinais visíveis, físicos, sensíveis de sua efetiva ocorrência, o juiz não pode dispensar o exame sobre o corpo de delito, seja tal exame direto (quando se reúnem os elementos objetivos apreciados na realização do exame) ou indireto (quando, por qualquer outro meio, se demonstra a materialidade do fato, sem, contudo, apresentar os elementos sensíveis resultantes da conduta)".

Requer a absolvição ante a falta de comprovação da materialidade delitiva.

Em aditamento à inicial, pede, caso não acolhida a tese de ausência de materialidade, a aplicação do princípio da insignificância, visto que o prejuízo total causado à vítima teria sido de noventa e quatro reais, "o qual têm baixíssimo valor e certamente não afetam ao bem jurídico tutelado pela norma".

Indeferida a liminar e prestadas as informações, o Ministério Público Federal é pela denegação da ordem.

É o relatório.

  

 

HABEAS CORPUS Nº 124.908 - MS (2008⁄0285075-5)

 

VOTO

 

O SR. MINISTRO OG FERNANDES (RELATOR): O paciente foi condenado a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, no regime semiaberto, e 30 (trinta) dias-multa, por infração ao art. 171, caput, do Código Penal. Segundo consta dos autos, subtraiu um talão de cheques e falsificou a assinatura da vítima em duas folhas, realizando compras no valor de R$ 43,00 (quarenta e três reais) e R$ 51,00 (cinquenta e um reais) no comércio local.

Procura o impetrante desconstituir o julgado, sustentando a falta de comprovação da materialidade delitiva. Para tanto, aduz que não foi realizado exame grafotécnico nos cheques utilizados para a obtenção da vantagem indevida.

Tenho, entretanto, que a materialidade do delito encontra-se suficientemente demonstrada pelos elementos de prova produzidos no processo criminal aqui tratado e mencionados no título condenatório, a saber:

a) boletim de ocorrência registrado pela vítima (fl. 15), dando conta da subtração de dois cheques (nos 413746 e 413760) debitados de sua conta-corrente, nos valores de R$ 51,00 e R$ 43,00;

b) apreensão das microfilmagens dos referidos cheques,  devidamente juntadas aos autos, as quais revelam rigorosamente a emissão das cártulas nos valores mencionados, com a aposição de falsa assinatura (fls. 16⁄17);

c) auto de exibição e apreensão de cópia do comprovante de abertura de conta corrente em nome da vítima (fl. 30);

d) termo de coleta de padrões gráficos do réu, encaminhado pelo Instituto de Criminalística de Campo Grande⁄MS (fls. 33⁄35);

e) confissão do réu realizada na fase inquisitorial e em juízo, harmônica com as demais provas, notadamente as declarações da vítima. Apropósito, confira-se o que disse o paciente, transcrito na sentença:

 

Os fatos na denúncia são verdadeiros; a vítima morava em uma república e a conhecia; almoçou com a vítima e quando estava sepreparando para viajar, apanhou o talão de cheques; emitiu dois cheques de seu punho e os utilizou  no comércio de Dourados; não se recorda quais bens adquiriu com os cheques; (...) já foi preso por outro estelionato.

 

Leia-se, do acórdão:

 

Ab initio, verifica-se que a materialidade resta comprovada, ante as cópias dos cheques nos autos, bem como constata-se que aautoria resta clara, pois, em todas as oportunidades em que foi ouvido, tanto em fase policial, quanto em judicial (f. 10 e 105-106), o apelante confessou a prática do delito (...).

A vítima, da mesma forma, aponta  o apelante como autor do delito. (fl. 120).

Dessa forma, não há como ser acolhida a preliminar arguida pela Procuradoria-Geral da Justiça (de nulidade absoluta ante ainexistência de materialidade), uma vez que, independente da inexistência dos exames periciais, in casu, houve a confissão doapelante que, em todas as oportunidades, confessou o delito, reconheceu sua assinatura nos cheques, bem como confirma ter utilizado as cártulas no comércio de Dourados (f. 105-106).

 

Assim, penso, em consonância com o que concluíram as instâncias ordinárias, que existem elementos suficientes consubstanciadores da materialidade do estelionato.

Veja-se que, embora as cártulas originais não tenham sido apreendidas, as suas cópias foram devidamente juntadas aos autos.

Cumpre também salientar, ainda nesse ponto, que os cheques originais somente não aportaram aos autos porque não foram localizados pela Polícia, conquanto tenha imprimido esforços para esse fim junto à agência bancária. Dessa forma, não se poderia mesmo exigir a realização da perícia grafotécnica.

Diante desse quadro, não há falar em nulidade por falta de realização exame de corpo de delito, até porque, na hipótese, a emissão fraudulenta dos cheques redundou em fato incontroverso.

Remarque-se o disposto no art. 167 do CPP, segundo o qual "não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta".

Leiam-se os comentários de Guilherme de Souza Nucci ao art. 564, III, "b", do CPP, in "Código de Processo Penal Comentado", 9ª ed., p. 914:

 

Exame de corpo de delito: quando o crime deixa vestígios, é indispensável a realização do exame de corpo de delito, direto ouindireto, conforme preceitua o art. 158 deste Código. Assim, havendo um caso de homicídio, por exemplo, sem laudo necroscópico, nem outra forma válida de produzir a prova de existência da infração penal, deve ser decretada a nulidade do processo. Trata-se de nulidade absoluta. O inciso em comento, entretanto, ajustado ao disposto nos art.s 158 e 167 do Código de Processo Penal, estabelece a possibilidade de se formar o corpo de delito de modo indireto, ou seja, por meio de testemunhas. (com destaque)

 

Atente-se aos seguintes julgados desta Corte:

 

HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO E ESTELIONATO TENTADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE POTENCIALIDADE LESIVA DOS DOCUMENTOS. AFERIÇÃO. DESCABIMENTO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. DENÚNCIA QUE DESCREVE CONDUTAS TÍPICAS E NÃO APENAS ATOS PREPARATÓRIOS. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N.º 17 DO STJ. POTENCIALIDADE LESIVA DO DOCUMENTO FALSIFICADO QUE NÃO SE ESGOTOU NO ESTELIONATO. EXISTÊNCIA DE CONCURSO FORMAL. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. PREMEDITAÇÃO. POSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. Se as instâncias ordinárias, soberanas na análise da matéria fática, concluíram que a falsificação era apta a enganar o homemcomum, é descabido dizer ser ausente a justa causa para a propositura da ação penal, por falta de potencialidade lesiva, poishaveria necessidade de incursão ao campo probatório, inviável em habeas corpus.

2. Os fatos narrados na denúncia amoldam-se às condutas típicas dos delitos de uso de documento falso e de estelionato tentado, não sendo meros atos preparatórios.

3. Não procede a alegação de nulidade pela falta de realização de exame de corpo de delito pois, segundo mencionado no acórdão impetrado, este teria ocorrido de forma indireta, uma vez que três serventuários do Cartório do Registro de Imóveis responsável pela matrícula dos imóveis que foram objeto das certidões falsificadas, ao testemunharem em juízo, afirmaram a falsidade dosdocumentos apresentados pela Paciente.

4. Se a potencialidade lesiva dos documentos falsificados não se esgotou com a prática do estelionato, é descabida a aplicação daSúmula n.º 17 do Superior Tribunal de Justiça.

5. É razoável a majoração da pena-base em 3 (três) meses, em razão da natureza premeditada das práticas delituosas. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.

6. Ordem denegada.

(HC nº 114.758⁄RJ, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe 17⁄5⁄2011)

 

 

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO E OUTROS CRIMES. MATERIALIDADE. EXAME DE CORPO DE DELITO. AUSÊNCIA DE CADÁVER. PRESCINDIBILIDADE FRENTE A OUTRAS PROVAS.

O exame de corpo de delito, embora importante à comprovação nos delitos de resultado, não se mostra imprescindível, por si só, à comprovação da materialidade do crime.

No caso vertente, em que os supostos homicídios têm por característica a ocultação dos corpos, a existência de prova testemunhal e outras podem servir ao intuito de fundamentar a abertura da ação penal, desde que se mostrem razoáveis no plano do convencimento do julgador, que é o que consagrou a instância a quo.

Ordem denegada.

(HC nº 79.735⁄RJ, Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 3⁄12⁄2007)

 

 

CRIMINAL. HC. PECULATO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO CO-RÉU PELA PRESCRIÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO DERECURSO MINISTERIAL PARA ALTERAR O CRIME PELO QUAL O PACIENTE FOI CONDENADO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. EXAME DE CORPO DE DELITO. AUSÊNCIA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

I. Hipótese em que, havendo concurso de agentes, a impetração alega afronta ao princípio da isonomia em virtude da condenaçãodo paciente como incurso nas penas do art. 312 do Código Penal, quando um dos co-réus foi condenado pelo art. 171 do EstatutoRepressivo.

II. Evidenciado que o co-réu referido pela impetração foi beneficiado com a extinção da punibilidade pela prescrição antes da apelação do Parquet, cujo julgamento deu ensejo à desclassificação da conduta do paciente para o crime de peculato, não se verifica afronta ao princípio da isonomia.

III. A prova técnica não é exclusiva para poder atestar a materialidade das condutas.

IV. Havendo nos autos outros meios de provas capazes de levar ao convencimento do julgador, como a prova testemunhal referida pela sentença e a cópia do extrato emitido por instituição financeira dando conta do efetivo depósito de quantia indevidamente recebida em prejuízo do INSS na conta pessoal do paciente, não há falar em nulidade processual por ausência do exame de corpo de delito. Precedentes.

V. Ordem denegada.

(HC nº 37.945⁄RJ, Relator o Ministro Gilson Dipp, DJ de 23⁄5⁄2005)

 

 

PROCESSUAL PENAL - HOMICÍDIO CULPOSO - EXAME DE CORPO DE DELITO - AUSÊNCIA DE LAUDO - NULIDADE -INOCORRÊNCIA - INTIMAÇÃO - RÉU QUE TEVE DEFENSOR DATIVO NOMEADO - INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO.

- Consoante entendimento jurisprudencial, o exame de corpo de delito direto pode ser suprido, quando desaparecidos os vestígios sensíveis da infração penal, por outros elementos de caráter probatório existentes nos autos (confissão, provas testemunhais etc).

- Inexiste constrangimento ilegal quando o réu tem defensor dativo nomeado, tendo este exercido a ampla defesa e o contraditório.

- Ordem denegada.

(HC nº 24.461⁄MT, Relator o Ministro Jorge Scartezzini, DJ de 23⁄9⁄2003)

 

 

De outra parte, pede a defesa seja aplicado o princípio da insignificância, com a absolvição do paciente.

Contudo, para a aplicação do referido postulado, devem ser obedecidos quatro requisitos, a saber: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Na espécie, tenho que o modo como o estelionato foi praticado indica a reprovabilidade do comportamento do réu, que, de maneira ardilosa, valeu-se de dois cheques que subtraíra da vítima e, mediante a aposição de falsa assinatura, realizou compras no valor de R$ 43,00 (quarenta e três reais) e de R$ 51,00 (cinquenta e um reais).

Tais fatos não podem ser ignorados, sob pena de se destoar por completo das hipóteses em que esta Corte vem aplicando o princípio dainsignificância.

Vejam-se os seguintes precedentes:

 

HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. POLICIAL MILITAR QUE FAZ USO DE DOCUMENTO FALSO, OBJETIVANDO AUFERIR VANTAGEM ECONÔMICA.

1. Para a incidência do princípio da insignificância são necessários  "(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada" (STF, HC 84.412⁄SP, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 19⁄11⁄2004).

2. No caso, embora a vantagem patrimonial subtraída se circunscreva a R$ 48,00 (quarenta e oito reais), valor referente ao que custa o bilhete que o paciente deixou de adquirir, não há possibilidade de aplicação do referido princípio.

3. Do paciente, que é policial militar da reserva remunerada, espera-se comportamento bem diverso daquele procedido na espécie. De se ver que ele, buscando não comprar o bilhete, assim como fazem todos os cidadãos, falsificou documento como forma de parecer que ainda estava no serviço ativo.

4. Além disso, ao ser surpreendido pelos agentes do Estado, constatou-se que o paciente trazia em seu bolso a quantia de R$ 600,00 (seiscentos reais), montante quase quinze vezes superior à vantagem auferida. Quisesse ele, teria plenas condições de adquirir a passagem de ônibus.

5. Assim, verifica-se que a conduta do paciente não preenche os requisitos necessários para a concessão da benesse pretendida, já que não se afigura como um irrelevante penal, motivo pelo qual não há falar em constrangimento ilegal.

6. Ordem denegada, com a cassação da liminar deferida.

(HC nº 156.384⁄RS, de minha relatoria, DJe de 23⁄5⁄2011)

 

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.INAPLICABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

1. No caso, não obstante o pequeno valor da res furtiva - R$ 22,00 em moedas e várias bijuterias no valor de R$ 86,50 - não é de se falar em mínima ofensividade da conduta, revelando o comportamento da paciente razoável periculosidade social e significativo grau de reprovabilidade, na medida em que agiu em concurso com uma comparsa não identificada, perpetrando a subtração contra duas vítimas diferentes, arrebatando, de início, bijuterias de um estabelecimento comercial e, em seguida, retirando uma bolsinha de moedas da vítima Ana Cecília, contra a qual, inclusive, agiu com agressividade, empurrando-a e desferindo-lhe um tapa no rosto, muito embora responda apenas por furto qualificado.

2. Impõe-se notar, ademais, ser a ré reincidente, ostentando outras várias condenações transitadas em julgado, alcançando 25anotações criminais no total, que vão desde a década de 70 até os dias de hoje (fl. 26), sendo certo que o delito de que se cuida foi cometido enquanto gozava de livramento condicional, restando inaplicável o princípio da insignificância.

3. Habeas corpus denegado.

(HC nº 177.930⁄RJ, Relator o Desembargador convocado Haroldo Rodrigues, DJe de 16⁄11⁄2010)

 

 

HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES TENTADO DE UM CARTUCHO DE TINTA PARA IMPRESSORA AVALIADO EM R$ 25,70, PERTENCENTE À PENITENCIÁRIA ONDE O PACIENTE CUMPRIA PENA. RES FURTIVA QUE PODE SER CONSIDERADA ÍNFIMA. ALTA REPROVABILIDADE DA CONDUTA E DESVALOR SOCIAL DA AÇÃO. INADMISSIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, NO CASO CONCRETO. PRECEDENTES. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT.

ORDEM DENEGADA.

1.   O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estadoem matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo SupremoTribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado.

2.   Entretanto, é imprescindível que a aplicação do referido princípio se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual énecessária a presença de certos elementos, tais como (I) a mínima ofensividade da conduta do agente; (II) a ausência total de periculosidade social da ação; (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (IV) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412⁄SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.04).

3.   Na hipótese em apreço, embora o valor do objeto furtado (cartucho de tinta para impressora) possa ser considerado ínfimo, eis que avaliado em R$ 25,70, o fato de pertencer ao Centro de Progressão Penitenciária onde o paciente cumpre pena por delitoanterior denota o alto grau de reprovabilidade da conduta, afastando a possibilidade de incidência do referido princípio ao caso concreto. Precedentes do STJ.

4.   Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial.

(HC nº 163.435⁄DF, Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 8⁄11⁄2010)

 

Por derradeiro, o acórdão atacado destaca que o paciente ostenta vasta ficha de antecedentes criminais, motivo pelo qual tenho por razoável a aplicação do regime inicial semiaberto.

Diante do exposto, denego a ordem de habeas corpus.

É como voto.

   

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

Número Registro: 2008⁄0285075-5


PROCESSO ELETRÔNICO

HC 124.908 ⁄ MS

 

Números Origem:  20080111493           2051010242

 

MATÉRIA CRIMINAL

 

EM MESA

JULGADO: 27⁄03⁄2012

 

 

Relator

Exmo. Sr. Ministro  OG FERNANDES

 

Presidente da Sessão

Exma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

 

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

 

Secretário

Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

 

AUTUAÇÃO

 

IMPETRANTE

:

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

ADVOGADO

:

SANDRA REGINA SANTOS DE VASCONCELOS - DEFENSORA PÚBLICA

IMPETRADO

:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

PACIENTE

:

JÚNIOR CÉSAR DOS SANTOS

 

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Estelionato

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

"A Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."

Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

 

 

Documento: 1134614

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 11/04/2012

 


 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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RECURSO ESPECIAL Nº 875.161 - SC (2006⁄0174073-5)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

FLÁVIO RAMOS BALSINI

ADVOGADO

:

PAULO ROBERTO FIANI BACILA E OUTRO

RECORRIDO

:

JOSÉ MARINZECK

ADVOGADO

:

SEBASTIÃO GERALDO DE PÁDUA E OUTRO

 

EMENTA

 

DIREITO COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. CHEQUE.  ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA. CARACTERE ESSENCIAL DO TÍTULO. DATA DE EMISSÃO DIVERSA DA PACTUADA PARA APRESENTAÇÃO DA CÁRTULA. COSTUME CONTRA LEGEM.INADMISSÃO PELO DIREITO BRASILEIRO. CONSIDERA-SE A DATA DE EMISSÃO CONSTANTE NO CHEQUE.

1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios cambiários da cartularidade, literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé, por isso que a sua pós-datação não amplia o prazo de apresentação da cártula, cujo marco inicial é, efetivamente, a data da emissão.

2. "A alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado implicaria na dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil. Assentir com a tese exposta no especial, seria anuir com apossibilidade da modificação casuística do lapso prescricional, em razão de cada pacto realizado pelas partes". (AgRg no Ag1159272⁄DF, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS), TERCEIRA TURMA,julgado em 13⁄04⁄2010, DJe 27⁄04⁄2010)

3. Não se pode admitir que  a parte descumpra o  artigo 32 da Lei 7.357⁄85 e, ainda assim, pretenda seja conferida interpretaçãoantinômica ao disposto no artigo 59 do mesmo Diploma, para  admitir a execução do título prescrito. A concessão de efeitos à pactuação extracartular representaria desnaturação do cheque naquilo que a referida espécie de título de crédito tem de essencial, ser  ordem de pagamento à vista, além de violar os princípios da abstração e literalidade.

4. Recurso especial não provido.

 

 

ACÓRDÃO

 

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

 

Brasília (DF), 09 de agosto de 2011(Data do Julgamento)

 

 

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 875.161 - SC (2006⁄0174073-5)

 

RECORRENTE

:

FLÁVIO RAMOS BALSINI

ADVOGADO

:

PAULO ROBERTO FIANI BACILA E OUTRO

RECORRIDO

:

JOSÉ MARINZECK

ADVOGADO

:

SEBASTIÃO GERALDO DE PÁDUA E OUTRO

 

RELATÓRIO

 

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. José Marinzeck opôs embargos do devedor em face da execução promovida por Flávio Ramos Balsini. Narra que o exequente abandonou o feito por mais de 30 dias, deixando de promover ato que lhe competia.  Argumenta que as cártulas que embasam a execução estão prescritas para efeito de execução, pois os cheques foram emitidos em 20 de novembro de 2000, em praça diversa, todavia a execução foi ajuizada somente em 30 de outubro de 2001. Sustenta que a causa subjacente à emissão do cheque foi a compra e venda de produtos que apresentaram defeitos e não correspondem ao que foi pactuado.

O Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Criciúma - SC julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial dos embargos, não reconhecendo o abandono de causa e a prescrição, pelo fato de o cheque ser pós-datado.

Interpôs o embargante apelação e o embargado recurso adesivo para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que deu provimento ao recurso principal e julgou prejudicado o adesivo, por entender que a data de emissão do cheque é o termo inicial para a fluência do prazo prescricional executório, conforme disposto no artigo 33 da Lei 7.357⁄85.

O acórdão tem a seguinte ementa:

Cheques. Embargos desacolhidos. Apelo. Prescrição executiva. Ocorrência. Extinção. Agravo retido e recurso adesivo. Prejudicialidade.
1. Àquele a quem aproveita a prescrição de título de crédito é dado
 invocá-la a qualquer tempo e grau de jurisdição. E, independentemente da circunstância de ter sido emitido de forma pós datada, o cheque vê sua prescrição para fins executivos alcançada após o decurso do lapso de seis meses do prazo de sua apresentação ao sacado, prazo de apresentação esse que, à luz do diploma de regência, é de sessenta dias a contar da data da respectiva emissão, quando diversas as praças dessa emissão e do pagamento.
2. Extinta a execução deflagrada, em face da prescrição dos cheques
 que a fundamentaram, resultam inócuos o agravo retido pelo qualvisava o devedor a anulação do processo, bem como o recurso adesivo interposto pelo exequente, com o objetivo de ver aplicadas assanções referente à litigância de má-fé.

 

Inconformado com a decisão colegiada, interpôs o embargado recurso especial com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal sustentando divergência jurisprudencial  e violação dos artigos 33, 47 e 59 da Lei 7.357⁄85.

Afirma que o entendimento perfilhado pela Corte de origem impõe óbice à liberdade das partes de pactuar a data de apresentação do cheque.

Argumenta que os cheques deveriam ser apresentados no dia 31 de agosto de 2001, conforme estabelecido pelas partes, mas que, a pedido do recorrido, foi apresentado à câmara de compensação em 5 de outubro de 2001, ainda assim dentro dos 60 dias concedidos por lei à apresentação de cheque emitido em praça diversa.

Acena que a decisão põe fim à "praxe comercial do cheque pós-datado", devendo ser reconhecido que a pós-datação da cártula de cheque amplia o prazo de apresentação.

Alega que, se apresentasse os títulos antes da data avençada, ocasionaria danos morais ao emissor.

Não foram oferecidas contrarrazões.

O recurso especial foi admitido.

É o relatório.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 875.161 - SC (2006⁄0174073-5)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

FLÁVIO RAMOS BALSINI

ADVOGADO

:

PAULO ROBERTO FIANI BACILA E OUTRO

RECORRIDO

:

JOSÉ MARINZECK

ADVOGADO

:

SEBASTIÃO GERALDO DE PÁDUA E OUTRO

 

EMENTA

 

DIREITO COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. CHEQUE.  ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA. CARACTERE ESSENCIAL DO TÍTULO. DATA DE EMISSÃO DIVERSA DA PACTUADA PARA APRESENTAÇÃO DA CÁRTULA. COSTUME CONTRA LEGEM.INADMISSÃO PELO DIREITO BRASILEIRO. CONSIDERA-SE A DATA DE EMISSÃO CONSTANTE NO CHEQUE.

 

1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios cambiários da cartularidade, literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé, por isso que a sua pós-datação não amplia o prazo de apresentação da cártula, cujo marco inicial é, efetivamente, a data da emissão.

2. "A alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado implicaria na dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil. Assentir com a tese exposta no especial, seria anuir com apossibilidade da modificação casuística do lapso prescricional, em razão de cada pacto realizado pelas partes". (AgRg no Ag1159272⁄DF, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS), TERCEIRA TURMA,julgado em 13⁄04⁄2010, DJe 27⁄04⁄2010)

3. Não se pode admitir que  a parte descumpra o  artigo 32 da Lei 7.357⁄85 e, ainda assim, pretenda seja conferida interpretaçãoantinômica ao disposto no artigo 59 do mesmo Diploma, para  admitir a execução do título prescrito. A concessão de efeitos à pactuação extracartular representaria desnaturação do cheque naquilo que a referida espécie de título de crédito tem de essencial, ser  ordem de pagamento à vista, além de violar os princípios da abstração e literalidade.

4. Recurso especial não provido.

 

VOTO

 

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A questão controvertida é quanto à possibilidade de, em decorrência do costume da pós-datação do cheque, ser admitida a ampliação do prazo de apresentação da cártula.

O acórdão recorrido dispôs:

À luz das transcritas lições jurisprudenciais, dúvidas não restam de que o prazo para apresentação do cheque à casa de crédito sacada encontra-se plenamente vinculado à data em que foi emitido.

Melhor dizendo: a data de emissão do cheque é que será o marco inicial da contagem dos 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias para sua apresentação ao sacado, muito embora as partes tenham convencionado outra data para tanto.

Assim, em hipóteses como a dos autos, em que os títulos exeqüendos foram pós-datados, sendo a sua data de emissão diversa daquela ajustada entre os contendores para apresentação da cártula ao sacado, o prazo prescricional terá início no dia constante como sendo o de sua emissão.

E isto porque o ordenamento jurídico de regência - Lei nº 7.357⁄85 -, em seu art. 33 é por demais claro ao estabelecer que o prazo para apresentação do cheque ao sacado deve ser contado a partir da sua data de emissão, conforme visto anteriormente.

Nestes moldes, cai por terra todo e qualquer argumento no sentido de que referido prazo prescricional deve ter como marco inicial a data ajustada pelos litigantes para apresentação da cártula ao banco sacado e não o dia em que foi emitida.

A partir destas considerações, vislumbrando-se que os cheques exequendos já se encontravam contaminados pela prescrição no momento da provocação jurisdicional, outra não é a solução a ser adotada que não a extinção da ação de execução intentada. (Fls. 386 e 387)

 

 

3. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios cambiários da cartularidade, literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé, por isso, sua pós-datação não amplia o prazo de apresentação da cártula, cujo marco inicial é, efetivamente, a data da emissão.

3.1. Os artigos 32, 33, 47 e 59 da Lei 7.357⁄85 ("Lei do Cheque"), respectivamente, prescrevem:

Art . 32 O cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário.

Parágrafo único - O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação.

Art . 33 O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.

Parágrafo único - Quando o cheque é emitido entre lugares com calendários diferentes, considera-se como de

Art . 47 Pode o portador promover a execução do cheque:

I - contra o emitente e seu avalista;

II - contra os endossantes e seus avalistas, se o cheque apresentado em tempo hábil e a recusa de pagamento é comprovada pelo protesto ou por declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia de apresentação, ou, ainda, por declaração escrita e datada por câmara de compensação.

§ 1º Qualquer das declarações previstas neste artigo dispensa o protesto e produz os efeitos deste.

§ 2º Os signatários respondem pelos danos causados por declarações inexatas.

§ 3º O portador que não apresentar o cheque em tempo hábil, ou não comprovar a recusa de pagamento pela forma indicada neste artigo, perde o direito de execução contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável.

§ 4º A execução independe do protesto e das declarações previstas neste artigo, se a apresentação ou o pagamento do cheque são obstados pelo fato de o sacado ter sido submetido a intervenção, liquidação extrajudicial ou falência.

Art . 59 Prescrevem em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o art. 47 desta Lei assegura ao portador.

 

 

Portanto, o cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução do cheque após o prazo de apresentação, que é de 30 dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 dias, também contar da emissão, se sacado em praça diversa, isto é, município distinto daquele em que se situa a agência pagadora.

Nesse sentido a lição da doutrina:

O cheque é uma ordem de pagamento à vista, sacada contra um banco e com base em suficiente provisão de fundos depositados pelo sacador em mãos do sacado ou decorrente de contrato de abertura de crédito entre ambos. O elemento essencial do conceito de cheque é a sua natureza de ordem à vista, que não pode ser descaracterizada por acordo entre as partes. (COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 21 ed. : Saraiva, São Paulo, p. 272)

 

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O Cheque constitui uma ordem de pagamento à vista (lei brasileira, art. 32). Já o art. 1º da Lei nº 2.591, de 1912, declarava ter o cheque essa conceituação; o art. 28 da Lei Uniforme também expressamente disse que "o cheque é pagável à vista", o que é repetido pelo art. 32 da nova Lei do Cheque. Isso decorre da natureza do título, que não é instrumento de crédito, mas de exação. (MARTINS, Fran. O Cheque Segundo a Nova Lei. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 90)

 

3.2. Em recente julgamento, a colenda Terceira Turma apreciou a matéria em apreço, em precedente assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TÍTULO DE CRÉDITO. CHEQUE PÓS-DATADO. PRAZO PARA APRESENTAÇÃO COM REFLEXÃO NO PRAZO PRESCRICIONAL. DILAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO EXECUTIVA. PRESCRIÇÃO. INTERPRETAÇÃO. ARTS. 32, 33 E 59 DA LEI N. 7.357⁄85. RECURSO IMPROVIDO.

1. O cheque é ordem de pagamento à vista a ser emitida contra instituição financeira (sacado), para que, pague ao beneficiário determinado valor, conforme a suficiência de recursos em depósito, não sendo considerada escrita qualquer cláusula em contrário, conforme dispõe o art. 32 da Lei n. 7.357⁄85

2. Cheque pós-datado. Modalidade consagrada pela prática comercial.

Dilação do prazo de apresentação. Impossibilidade. A pós-datação da cártula não altera as suas características cambiariformes.  O ajuste celebrado não tem o condão de modificar preceito normativo específico de origem cambial, sob pena de descaracterizar o título de crédito.

3. Nos termos dos arts. 33 e 59 da  Lei n. 7.357⁄85, o prazo prescricional para propositura da ação executiva é de 6 (seis) meses, a partir do prazo de apresentação que, por sua vez, é de 30 (trinta) dias, a contar do dia da emissão, quando sacado na praça em que houver de ser pago.

4. A alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado, implicaria na dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil. Assentir com a tese exposta no especial, seria anuir com a possibilidade da modificação casuística do lapso prescricional, em razão de cada pacto realizado pelas partes.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag 1159272⁄DF, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 13⁄04⁄2010, DJe 27⁄04⁄2010)

 

No referido precedente, relatado pelo eminente Ministro Vasco Della Giustina, Sua Excelência dispôs:

Não obstante a referida natureza jurídica do cheque, consagrou a prática comercial a figura do cheque pós-datado, o qual se caracteriza pela inserção de data futura para a sua apresentação, ajuste que pode ser aposto na cártula ou fora dela (pacto extracartular).

Contudo, a existência da aludida prática convencional não tem o condão de alterar a natureza do título de crédito, mantendo íntegras a suas características cambiariformes, motivo pelo qual a sua apresentação, antes do dia aprazado, não retira a obrigação do sacado de efetuar o pagamento, embora tal ato possa gerar responsabilidade civil do beneficiário, conforme a Súmula n 370 do STJ.

Neste sentido, destacam-se os ensinamentos de Marlon Tomazette:

[...]

Como já mencionado, o cheque é sempre pagável a vista, considerando-se não escrita para o sacado qualquer menção em sentidocontrário (Lei n° 7.357⁄85 - art. 32). Em outras, palavras não importa o que consta do cheque ou de qualquer outro documento, o cheque será exigível no momento da sua apresentação ao sacado. Este pagará o cheque guando lhe for apresentado, independentemente da data que estiver nele consignada.

Apesar disso, é certo que a pactuação da pós-datação é lícita e vincula os pactuantes. Assim sendo, se o beneficiário descumprir sua obrigação e apresentar o cheque antes da data combinada, ele irá responder por perdas e danos nos termos do artigo 389 do Código Civil. Se ele assumiu uma obrigação contratual e a descumpriu, ele terá que responder pela perdas e danos que seu inadimplemento contratual causou, indenizando aquele que sofreu com o seu comportamento. Nesse sentido, o STJ já decidiu que "caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado" (Súmula 370). [...]. (TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito emrpesarial: Títulos de crédito. São Paulo: Altas, 2009, vol. 2, pág. 258 e 259)

[...]

Por outro lado, nos termos dos arts. 33 e 59 da  Lei n. 7357⁄85, o prazo prescricional para propositura da ação executiva é de 6 (seis) meses, a partir do prazo de apresentação que, por sua vez, é de 30 (trinta) dias, a contar do dia da emissão, quando sacado na praça em que houver de ser pago.

Destarte, a alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado, como requer o ora agravante, implicaria a dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil, que preceitua:

[...]

Assim, o ajuste sobre o prazo de apresentação acarretaria, de maneira casuística, a modificação do prazo prescricional da cártula, tendo em vista a possibilidade infinita de pactos a serem celebrados a respeito da data em que o cheque deve ser apresentado.

Não se olvide que a utilização de cheque pós-datado, embora disseminada socialmente, impõe ao tomador do título a assunção de riscos, como o eventual encurtamento do prazo prescricional, bem como a possibilidade de ser responsabilizado civilmente por apresentação da cártula à destempo.

 

No mesmo diapasão, confiram-se outros precedentes desta Corte:

AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO ESPECIAL - CHEQUE PÓS-DATADO - PRESCRIÇÃO - TERMO A QUO – CONTAGEM - DATA INSERIDA NA CÁRTULA - PRECEDENTES - RECURSO IMPROVIDO.

(AgRg no REsp 1135262⁄DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15⁄12⁄2009, DJe 03⁄02⁄2010)

 

 

 

DIREITO PRIVADO - CHEQUE PRÉ OU PÓS-DATADO - PRESCRIÇÃO - TERMO A QUO - CONTAGEM - DEFINIÇÃO PELA CORTE DE ORIGEM NO SENTIDO DE QUE PREVALECE A DATA INSERIDA NA CÁRTULA - PRETENDIDA REFORMA - ALEGAÇÃO DE QUE DEVE PREVALECER A DATA EM QUE DEVERIA SER APRESENTADO O CHEQUE E NÃO DA EMISSÃO - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

- O julgamento da Corte de origem se amolda à jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, no que concerne à prescrição de cheque pré ou pós datado, ao estabelecer que prevalece a data consignada no sobredito título de crédito, mesmo quando expressa data futura.

- Precedentes da Seção de Direito Privado: Resp nº 604.351-PR, Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 27⁄6⁄2005; REsps ns. 16.855⁄SP e162.969⁄PR, ambos relatados pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, respectivamente DJ de 07.06.1993 e 05.06.2000 e REsp n. 223.486⁄MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 27.03.2000.

- Recurso especial não conhecido.

(REsp 767.055⁄RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 17⁄05⁄2007, DJ 04⁄06⁄2007, p. 360)

 

 

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. CHEQUE. PRESCRIÇÃO. CONTAGEM A PARTIR DA DATA CONSIGNADA NA CAMBIAL. LEI N. 7.357⁄85, ARTS. 33, 47 E 59. EXEGESE. DISSÍDIO CONFIGURADO.

I. Prevalece, para fins de fluição do prazo prescricional do cheque, a data nele constante, ainda que assim consignada indicando época futura.

II. Precedentes do STJ.

III. Recurso especial conhecido e provido para afastar a prescrição, determinado o retorno dos autos ao Tribunal a quo, para o exame das demais questões suscitadas na apelação do recorrido.

(REsp 604351⁄PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 19⁄05⁄2005, DJ 27⁄06⁄2005, p. 405)

 

 

4. Não se desconhece a existência do costume relativo à emissão de cheque pós-datado, todavia é prática inadmitida pela Lei que cuida da matéria (artigo 32 da Lei 7.357⁄85). Por isso, a pactuação extracartular é ineficaz, não podendo operar os efeitos almejados pelo recorrente.

Esta é a lição do gênio de Pontes de Miranda:

1. Alcance da eficácia. A regra jurídica e com ela, o sistema jurídico determinam desde onde e até onde se opera a eficácia dos fatos jurídicos, qual a sua qualidade e qual a sua intensidade. A técnica legislativa, fundada em experiências e investigações lógicas, adota, para isso, conhecimentos preciosos. Não há, porém, princípio a priori de proporcionalidade, ou de equivalência entre fatos e efeitos: fatos distintos, às vezes assaz diferentes, podem ter os mesmos efeitos. Pense-se no efeito "propriedade dos móveis" e nos fatos que o sistema jurídico fez fatos jurídicos ("ocupação", "caça", "pesca", "achada" ou "invenção", "descobrimento do tesouro","especificação", "posse da coisa como sua durante x anos"). Pense-se na variedade de atos que são punidos com reclusão. O testamento tanto é testamento se feito por instrumento público, como se feito por instrumento privado.

A regra jurídica tem todo poder no tocante aos efeitos jurídicos. Quanto aos fatos, é menor, porque ou os deforma, o que não pode ir até excluí-los, ou torná-los  indiscerníveis dos outros, ou os toma como se apresentam, ou faz lhes corresponda fato-função (fato jurídico de que o outro é sinal). O silêncio dá-nos muitos casos de tal equivalência, sugerida por simples comodidade de técnica.

[...]

1. Invalidade e ineficácia. Existindo o ato jurídico, pode ser válido ou não-válido (= nulo ou anulável), eficaz ou ineficaz. Se o negócio jurídico não existe, não há pensar-se em conceito de validade ou de eficácia. Primeiro vem o ser que o valer e o ter efeitos. De modo que, ao dizer-se ser ineficaz o negócio jurídico, não se lhe nega a existência: implicitamente se afirmou que existe negócio jurídico; ao dizer-se que é nulo ou anulável, implícita está, na afirmação de nulidade ou de ineficácia, a de existência. O sem efeitos que não existe é sem efeitos porque não é: não é; e, pois, seria absurdo que tivesse efeitos. O sem-efeitos, de que se pode falar e só dele tem sentido falar-se, é o ser que é sem efeitos: é, mas faltam-lhe efeitos. O que não existe é nada; se se lhe chama "nulo" é em sentido que não se põe no plano de validade: é o não-ser, que equivocamente se chamou de nulo.

Todos aqueles que deixam de distinguir invalidade e ineficácia se expõem a erros graves. A distinção é imprescindível ao conhecimento dos sistemas jurídicos. Trata-se de dois conceitos fundamentais. O primeiro diz respeito à validade do negócio jurídico; o segundo só à projeção dos seus efeitos (Falando de projeção, excluímos que todo efeito, embora posterior ao negócio jurídico, tenha de ser no futuro). A falta de eficácia não é défice do negócio jurídico mesmo; é não-ser das suas conseqüências. Daí ainda ser incorreta a definição da nulidade como a inidoneidade a produzir os efeitos essenciais. Tanto assim, que há, excepcionalmente, nulo com efeito.(MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de Direito Privado. Campinas: Bookseller, 2000, tomo 5, ps. 35-103)

 

No mesmo sentido, são os magistérios de outros autores:

Qualquer cláusula inserida no cheque com o objetivo de alterar esta sua essencial característica é considerada não-escrita e, portanto, ineficaz (Lei n. 7.357, de 1985 - Lei do Cheque, art. 32). Desta forma, a emissão de cheque com data futura, a pós-datação, não produz nenhum efeito cambial, posto que, pelo contrário, importaria tratamento do cheque como um título de crédito a prazo. Um cheque pós-datado é pagável em sua apresentação, à vista, mesmo que esta se dê em data anterior àquela indicada como a de sua emissão (art. 32, parágrafo único).

Desta forma, a emissão de cheque com data futura, a pós-datação, não produz nenhum efeito cambial, posto que, pelo contrário, importaria tratamento do cheque como um título de crédito a prazo. Um cheque pós-datado é pagável em sua apresentação, á vista, mesmo que esta se dê em data anterior àquela indicada como a de sua emissão (art. 32, parágrafo único). (COELHO, Fábio Ulhoa.Manual de Direito Comercial. 21 ed. : Saraiva, São Paulo, p. 272)

 

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Sendo uma ordem de pagamento à vista, vence-se tal ordem no momento em que o cheque é apresentado ao sacado. Se, por acaso, do cheque constar qualquer menção em contrário, essa menção é considerada como não escrita, não perdendo, assim, o cheque a sua validade nem podendo o pagamento ser retardado, transformando-se em um título de pagamento a prazo. (MARTINS, Fran. O Cheque Segundo a Nova Lei. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 91)

 

 

4. Retome-se, por deveras relevante, o arguto fundamento alinhavado no citado AgRg no Ag 1159272⁄DF, da relatoria do Ministro Vasco Della Giustina, julgado pela colenda Terceira Turma: a admissão da alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado implica dilação do prazo prescricional do título, situação repelida pelo artigo 192 do Código Civil, já que, no caso, representaria a alteração do prazo prescricional por convenção das partes.

Não se pode admitir que  a parte não observe o  artigo 32 da Lei 7.357⁄85 e, ainda assim, pretenda seja conferida interpretação antinômica ao disposto no artigo 59 do mesmo Diploma, para admitir a execução do título prescrito.

Por outro lado, a admissão de efeitos à pactuação extracartular representaria a desnaturação do cheque naquilo que a referida espécie de título de crédito tem de essencial, ser ordem de pagamento à vista, além de violar os princípios da abstração e literalidade.

5. No que tange à tese de que se apresentasse os títulos antes da data avençada ocasionaria danos morais ao emissor, de fato, a remansosa jurisprudência desta Corte reconhece que ocasiona danos morais a apresentação antecipada de cheque (Súmula 370⁄STJ). Todavia, cabe ressaltar que é matéria estranha ao direito cambiário, não sendo relevante para a solução da causa.

Ademais, como bem observa Pontes de Miranda, a ineficácia da pactuação (negócio jurídico) para determinado efeito jurídico pretendido não significa que não possam advir consequências jurídicas dela decorrentes:

3. Ineficácia dos atos jurídicos e falta de conseqüências. (a) Quando se exclui todo efeito ao ato jurídico stricto sensu ou ao negócio jurídico, diz-se que é ele ineficaz. Pode também ser ineficaz para certa pessoa, ou tempo, ou lugar, ou no tocante a outro dado da realidade da vida. É a ineficácia relativa. A ineficácia pode não coexistir com a nulidade, posto que, de regra, os negócios jurídicos nulos sejam ineficazes. (b) A ineficácia dos negócios jurídicos tem de ser considerada tendo-se em vista a eficácia que se tinha por fim com eles, o que não é o mesmo que considerá-la tendo-se em vista o seu conteúdo, donde a diferença entre a definição de R. Leonhard (DerAllgemeine Teil, 420) e E. Zitelmann (Irrtum und Rechtsgeschäft, 101) e a de outros juristas, inspirados esses nos Motive (I, 216). (c) Aineficácia do negócio jurídico não se confunde com indiferença , ou falta de conseqüência. Negócio jurídico ineficaz pode dar ensejo a conseqüências, e.g., a perdas e danos.(MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de Direito Privado. Campinas: Bookseller, 2000, tomo 5, ps. 102-103)

 

6. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

 

 

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2006⁄0174073-5


PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 875.161 ⁄ SC

 

Números Origem:  20020260130           20040035187

 

 

 

PAUTA: 09⁄08⁄2011

JULGADO: 09⁄08⁄2011

 

 

Relator

Exmo. Sr. Ministro  LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. ANA MARIA GUERRERO GUIMARÃES

 

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE

:

FLÁVIO RAMOS BALSINI

ADVOGADO

:

PAULO ROBERTO FIANI BACILA E OUTRO

RECORRIDO

:

JOSÉ MARINZECK

ADVOGADO

:

SEBASTIÃO GERALDO DE PÁDUA E OUTRO

 

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Títulos de Crédito - Cheque

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

 

 

Documento: 1079602

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 22/08/2011

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 875.161 - SC (2006⁄0174073-5)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

EMBARGANTE

:

FLÁVIO RAMOS BALSINI

ADVOGADO

:

PAULO ROBERTO FIANI BACILA E OUTRO(S)

EMBARGADO

:

JOSÉ MARINZECK

ADVOGADO

:

SEBASTIÃO GERALDO DE PÁDUA E OUTRO

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL.INVIABILIDADE. PACTUAÇÃO ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL ATUAL. IRRETROATIVIDADE DE SEUS DISPOSITIVOS. DECISÃO EMBASADA EM PRECEDENTES E DIVERSOS OUTROS FUNDAMENTOS JURÍDICOS. MODIFICAÇÃO DA DECISÃO.DESCABIMENTO.

1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional, ainda que para viabilizar a interposição de recursoextraordinário.

2. A decisão recorrida não se funda apenas no artigo 192 do Código Civil, mas em diversos precedentes e fundamentos jurídicos relevantes suficientes à manutenção do decidido.

3. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos modificativos, apenas para afastar um dos fundamentos jurídicos  dodecisum, concernente à incidência do artigo 192 do Código Civil atual, haja vista que a pactuação extracartular é anterior à vigência daquele Diploma.

 

ACÓRDÃO

 

A Turma, por unanimidade, acolheu parcialmente os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 08 de novembro de 2011(Data do Julgamento)

 

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO 

Relator

 

 

EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 875.161 - SC (2006⁄0174073-5)

 

EMBARGANTE

:

FLÁVIO RAMOS BALSINI

ADVOGADO

:

PAULO ROBERTO FIANI BACILA E OUTRO(S)

EMBARGADO

:

JOSÉ MARINZECK

ADVOGADO

:

SEBASTIÃO GERALDO DE PÁDUA E OUTRO

 

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Cuida-se de embargos de declaração, opostos por Flávio Ramos Balsini, em face do acórdão de fls. 528-541, que negou provimento ao recurso especial, em decisão assim ementada:

DIREITO COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. CHEQUE.  ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA. CARACTERE ESSENCIAL DO TÍTULO. DATA DE EMISSÃO DIVERSA DA PACTUADA PARA APRESENTAÇÃO DA CÁRTULA. COSTUME CONTRA LEGEM.INADMISSÃO PELO DIREITO BRASILEIRO. CONSIDERA-SE A DATA DE EMISSÃO CONSTANTE NO CHEQUE.

1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios cambiários da cartularidade, literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé, por isso que a sua pós-datação não amplia o prazo de apresentação da cártula, cujo marco inicial é, efetivamente, a data da emissão.

2. "A alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado implicaria na dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil. Assentir com a tese exposta no especial, seria anuir com a possibilidade da modificação casuística do lapso prescricional, em razão de cada pacto realizado pelas partes". (AgRg no Ag 1159272⁄DF, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 13⁄04⁄2010, DJe27⁄04⁄2010)

3. Não se pode admitir que  a parte descumpra o  artigo 32 da Lei 7.357⁄85 e, ainda assim, pretenda seja conferida interpretação antinômica ao disposto no artigo 59 do mesmo Diploma, para  admitir a execução do título prescrito. A concessão de efeitos à pactuação extracartular representaria desnaturação do cheque naquilo que a referida espécie de título de crédito tem de essencial, ser  ordem de pagamento à vista, além de violar os princípios da abstração e literalidade.

4. Recurso especial não provido.

 

Nas razões recursais, aduz o recorrente que a pactuação da pós-datação dos cheques é anterior à vigência do Código Civil atual e que a decisão, "fundamentada no artigo 192, do Código Civil de 2002, fere o princípio da irretroatividade das leis, consagrado no artigo 5º" da Constituição Federal.

Afirma que, quando da realização do negócio, a jurisprudência do STJ reconhecia a "ampliação do prazo prescricional, ou seja, dava total validade à negociação realizada pelas partes".

É o relatório.

 

 

EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 875.161 - SC (2006⁄0174073-5)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

EMBARGANTE

:

FLÁVIO RAMOS BALSINI

ADVOGADO

:

PAULO ROBERTO FIANI BACILA E OUTRO(S)

EMBARGADO

:

JOSÉ MARINZECK

ADVOGADO

:

SEBASTIÃO GERALDO DE PÁDUA E OUTRO

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL.INVIABILIDADE. PACTUAÇÃO ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL ATUAL. IRRETROATIVIDADE DE SEUS DISPOSITIVOS. DECISÃO EMBASADA EM PRECEDENTES E DIVERSOS OUTROS FUNDAMENTOS JURÍDICOS. MODIFICAÇÃO DA DECISÃO.DESCABIMENTO.

1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional, ainda que para viabilizar a interposição de recursoextraordinário.

2. A decisão recorrida não se funda apenas no artigo 192 do Código Civil, mas em diversos precedentes e fundamentos jurídicos relevantes suficientes à manutenção do decidido.

3. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos modificativos, apenas para afastar um dos fundamentos jurídicos  dodecisum, concernente à incidência do artigo 192 do Código Civil atual, haja vista que a pactuação extracartular é anterior à vigência daquele Diploma.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. Preliminarmente, cumpre observar que, embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional, ainda que para viabilizar a interposição de recurso extraordinário.

Observe-se:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 557 DO CPC. RECURSO EM CONFRONTO COM SÚMULA E JURISPRUDÊNCIA DO STJ. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA DE MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO PARA FINS DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO.INVIABILIDADE. ACOLHIMENTO PARCIAL.

1. As causas autorizadoras do julgamento monocrático de recursos estão previstas no art. 557 do Código de Processo Civil. No caso, foi negado monocraticamente seguimento ao recurso, tendo em vista estar em confronto com súmulas e com a jurisprudência dominante do STJ.

2. Os Embargos Declaratórios não constituem instrumento adequado para a rediscussão da matéria de mérito.

3. Sob pena de invasão da competência do STF, descabe analisar questão constitucional em Recurso Especial, ainda que para viabilizar a interposição de Recurso Extraordinário.

4. Embargos de Declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes.

(EDcl no AgRg no REsp 886.061⁄RS, Rel. Ministro  HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20⁄08⁄2009, DJe 27⁄08⁄2009)

 

3. A decisão ora recorrida não se funda apenas no artigo 192 do Código Civil, mas em diversos precedentes e fundamentos jurídicos relevantes suficientes à manutenção do decidido.

Confira-se:

Não se pode admitir que  a parte não observe o  artigo 32 da Lei 7.357⁄85 e, ainda assim, pretenda seja conferida interpretação antinômica ao disposto no artigo 59 do mesmo Diploma, para admitir a execução do título prescrito.

Por outro lado, a admissão de efeitos à pactuação extracartular representaria a desnaturação do cheque naquilo que a referida espécie de título de crédito tem de essencial, ser ordem de pagamento à vista, além de violar os princípios da abstração e literalidade.

 

4. Igualmente, o acórdão está embasado em inúmeros precedentes do STJ, não procedendo a assertiva de ter havido alteração no entendimento jurisprudencial que, mesmo que tivesse ocorrido, não conduziria ao acolhimento do recurso.

Nessa toada, confira-se os precedentes citados na decisão ora recorrida:

AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO ESPECIAL - CHEQUE PÓS-DATADO - PRESCRIÇÃO - TERMO A QUO – CONTAGEM - DATA INSERIDA NA CÁRTULA - PRECEDENTES - RECURSO IMPROVIDO.

(AgRg no REsp 1135262⁄DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15⁄12⁄2009, DJe 03⁄02⁄2010)

 

 

 

DIREITO PRIVADO - CHEQUE PRÉ OU PÓS-DATADO - PRESCRIÇÃO - TERMO A QUO - CONTAGEM - DEFINIÇÃO PELA CORTE DE ORIGEM NO SENTIDO DE QUE PREVALECE A DATA INSERIDA NA CÁRTULA - PRETENDIDA REFORMA - ALEGAÇÃO DE QUE DEVE PREVALECER A DATA EM QUE DEVERIA SER APRESENTADO O CHEQUE E NÃO DA EMISSÃO - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

- O julgamento da Corte de origem se amolda à jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, no que concerne à prescrição de cheque pré ou pós datado, ao estabelecer que prevalece a data consignada no sobredito título de crédito, mesmo quando expressa data futura.

- Precedentes da Seção de Direito Privado: Resp nº 604.351-PR, Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 27⁄6⁄2005; REsps ns. 16.855⁄SP e162.969⁄PR, ambos relatados pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, respectivamente DJ de 07.06.1993 e 05.06.2000 e REsp n. 223.486⁄MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 27.03.2000.

- Recurso especial não conhecido.

(REsp 767.055⁄RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 17⁄05⁄2007, DJ 04⁄06⁄2007, p. 360)

 

 

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. CHEQUE. PRESCRIÇÃO. CONTAGEM A PARTIR DA DATA CONSIGNADA NA CAMBIAL. LEI N. 7.357⁄85, ARTS. 33, 47 E 59. EXEGESE. DISSÍDIO CONFIGURADO.

I. Prevalece, para fins de fluição do prazo prescricional do cheque, a data nele constante, ainda que assim consignada indicando época futura.

II. Precedentes do STJ.

III. Recurso especial conhecido e provido para afastar a prescrição, determinado o retorno dos autos ao Tribunal a quo, para o exame das demais questões suscitadas na apelação do recorrido.

(REsp 604351⁄PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 19⁄05⁄2005, DJ 27⁄06⁄2005, p. 405)

 

5. Diante do exposto, acolho parcialmente os embargos de declaração, sem efeitos modificativos, apenas para afastar um dos fundamentos jurídicos  do decisum, concernente a incidência do artigo 192 do Código Civil atual, haja vista que a pactuação é anterior á vigência daquele Diploma.

É como voto.

 

 

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

EDcl   no

Número Registro: 2006⁄0174073-5


PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 875.161 ⁄ SC

 

Números Origem:  20020260130           20040035187

 

 

 

EM MESA

JULGADO: 08⁄11⁄2011

 

 

Relator

Exmo. Sr. Ministro  LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES

 

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE

:

FLÁVIO RAMOS BALSINI

ADVOGADO

:

PAULO ROBERTO FIANI BACILA E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

JOSÉ MARINZECK

ADVOGADO

:

SEBASTIÃO GERALDO DE PÁDUA E OUTRO

 

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Títulos de Crédito - Cheque

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

 

EMBARGANTE

:

FLÁVIO RAMOS BALSINI

ADVOGADO

:

PAULO ROBERTO FIANI BACILA E OUTRO(S)

EMBARGADO

:

JOSÉ MARINZECK

ADVOGADO

:

SEBASTIÃO GERALDO DE PÁDUA E OUTRO

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Turma, por unanimidade, acolheu parcialmente os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

 

 

Documento: 1102738

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 16/11/2011

 


 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.068.513 - DF (2008⁄0140138-8)

 

RELATORA

:

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE

:

INSTITUTO EURO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA

ADVOGADO

:

LUIZ ANTÔNIO MUNIZ MACHADO E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

NIVALDO PEREIRA DE MATOS

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

EMENTA

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. TÍTULO DE CRÉDITO. CHEQUE PÓS-DATADO. OMISSÃO.FUNDAMENTAÇÃO. AUSENTE. DEFICIENTE. SÚMULA 284⁄STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJOANALÍTICO. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO EXECUTIVA. DATA CONSIGNADA NACÁRTULA.

1. A ausência de fundamentação ou a sua deficiência implica o não conhecimento do recurso quanto ao tema.

2. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas

3. Ainda que a emissão de cheques pós-datados seja prática costumeira, não encontra previsão legal. Admitir-se que do acordo extracartular decorra a dilação do prazo prescricional, importaria na alteração da natureza do cheque como ordem de pagamento à vista e na infringência do art. 192 do CC, além de violação dos princípios da literalidade e abstração. Precedentes.

4. O termo inicial de contagem do prazo prescricional da ação de execução do cheque pelo beneficiário é de 6 (seis) meses, prevalecendo, para fins de contagem do prazo prescricional de cheque pós-datado, a data nele regularmente consignada, ou seja, aquela oposta no espaço reservado para a data de emissão.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte não provido.

 

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi votaram com a Sra. Ministra Relatora. Sustentou oralmente, o Dr. LUIZ ANTÔNIO MUNIZ MACHADO, pelo RECORRENTE: INSTITUTO EURO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA.

 

Brasília (DF), 14 de setembro de 2011(Data do Julgamento).

 

 

MINISTRO SIDNEI BENETI

Presidente

 

 

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.068.513 - DF (2008⁄0140138-8) (f)

 

RECORRENTE

:

INSTITUTO EURO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA

ADVOGADO

:

LUIZ ANTÔNIO MUNIZ MACHADO E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

NIVALDO PEREIRA DE MATOS

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

RELATÓRIO

 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

 

Cuida-se de recurso especial interposto por INSTITUTO EURO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ⁄DFT.

Ação (fls. 03⁄07): de execução de título extrajudicial, ajuizada pelo recorrente, em face de NIVALDO PEREIRA DE MATOS, consubstanciada em cheque pós-datado, na qual requer que haja o pagamento da dívida ou, na impossibilidade, que haja a garantia da execução.

Sentença (fls. 40⁄42): extinguiu o processo, sem resolução do mérito, nos termos do arts. 267, I e IV, 295, V e 598, do CPC, em virtude de o cheque que embasa o presente pedido de execução estar prescrito.

Acórdão (fls. 66⁄71): inconformado, o INSTITUTO EURO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA interpôs recurso de apelação, ao qual o TJ⁄DFT negou provimento, nos termos do acórdão assim ementado: 

APELAÇÃO CÍVEL. COMERCIAL. EXECUÇÃO. CHEQUE PÓS-DATADO. TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZOPRESCRICIONAL. DATA APOSTA NA CÁRTULA.

- O cheque, ainda que pós-datado, possui como termo inicial para aferição do seu prazo prescricional a data regularmente consignada na cártula.

- Recurso improvido. Unânime.

 

Embargos de declaração (fls. 75⁄78): interposto pelo recorrente, foi rejeitado às fls. 81⁄85.

Recurso especial (fls. 87⁄103): interposto com base nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional aponta ofensa aos arts. 535, II, do CPC, 192, do CC⁄02 e 59 da Lei 7.357⁄85, bem como dissídio jurisprudencial. Sustenta que o prazo prescricional, em se tratando de cheque pós-datado, deve fluir a partir da data acordada para apresentação da cártula e não da data de emissão do título.

Prévio juízo de admissibilidade (fls. 161⁄163): o recurso especial não foi admitido na origem. Dei, no entanto, provimento ao agravo de instrumento para melhor análise da questão e determinei a subida dos autos ao STJ (fl. 187).

É o relatório.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.068.513 - DF (2008⁄0140138-8) (f)

 

RELATORA

:

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE

:

INSTITUTO EURO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA

ADVOGADO

:

LUIZ ANTÔNIO MUNIZ MACHADO E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

NIVALDO PEREIRA DE MATOS

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

VOTO

 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

 

Cinge-se a controvérsia a determinar (i) se houve negativa de prestação jurisdicional e (ii) se com a pós-datação do cheque altera-se o termo inicial de contagem do prazo prescricional da ação de execução.

 

I – Da negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535, II, do CPC. Fundamentação deficiente (Súmula 284⁄STF)

Segundo alega o recorrente, ao rejeitar os embargos de declaração, o TJ⁄DFT teria deixado de sanar omissão existente no acórdão que julgou a apelação. Deixa, contudo, de demonstrar de forma clara, precisa e objetiva, como seria de rigor, em que consistiria alegado vício.

A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso especial. Aplica-se, neste caso, a Súmula 284⁄STF.

 

II – Da violação do art. 192 do CC⁄02. Da fundamentação deficiente.

Embora mencione suposta violação do art. 192 do CC⁄02, o recorrente não demonstrou, em relação a referido dispositivo legal, no que consistiria a ofensa à legislação federal.

A simples menção a artigo de lei, sem a exposição lógica, clara e objetiva das razões recursais, não abre o caminho do recurso especial (AgRg no Ag 663.548⁄MS, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 10.04.2006).

Incide, por isso, a Súmula 284⁄STF.

 

III – Do termo inicial de contagem do prazo prescricional do cheque pós-datado. Alegação de divergência jurisprudencial e ofensa ao art. 59 da Lei 7.357⁄85.

O recorrente alega que "computar o prazo prescricional à data de emissão do cheque é ferir o artigo 59 da Lei do Cheque, pois a prescrição começaria a fluir antes de expirado o prazo de apresentação" (fl. 93). Afirma que é entendimento consolidado nesta Corte que a pós-datação do cheque amplia seu prazo de apresentação e, por conseguinte, adia o termo a quo do lapso prescricional. Sustenta que, combinada a apresentação do cheque para o dia 01⁄12⁄2006, pouco importa se sua emissão se deu em 31⁄07⁄2006, pois o lapso prescricional deve ser contado tão somente a partir do dia 01⁄12⁄2006.

O recorrente aponta ainda divergência jurisprudencial quanto ao tema, trazendo como paradigma o REsp 620.218⁄GO (4ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 27⁄06⁄2005) e o REsp 612.423⁄DF (4ª Turma, minha relatoria, DJe de 26⁄06⁄2006).

No tocante ao segundo precedente mencionado, que, vale frisar, traz em seu bojo discussão diversa da posta nos autos – qual seja, se, dada a autonomia e a independência do cheque consagrada no art. 13 da Lei 7.357⁄85, o emitente desse título pode opor a uma sociedade de factoring as exceções pessoais de que disporia contra o portador anterior –, verifica-se que não há o necessário cotejo analítico nem a comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à demonstração da divergência.

Contudo, quanto ao primeiro precedente mencionado (REsp 620.218⁄GO), o dissídio está bem demonstrado, pois o recurso preocupou-se em aproximar as hipóteses fáticas, fazendo o cotejo entre referidas decisões. Assim, nesse ponto, o recurso especial reúne os requisitos de admissibilidade, sendo admitido, portanto, com base na alegação de divergência jurisprudencial e de ofensa art. 59 da Lei 7.357⁄85.

O TJ⁄DFT, por sua vez, mantendo o entendimento esposado pelo Juízo de primeiro grau de jurisdição, entendeu que "o cheque pós-datado não perde a sua força executiva nem sofre qualquer alteração na contagem do seu prazo prescricional" (fl. 69), de modo que esse tem início após o prazo de apresentação, que, por sua vez, tem por termo inicial a data da emissão regularmente inserta na cártula. 

Como é cediço, o cheque é uma ordem de pagamento à vista, tanto que

considera-se não-escrita qualquer menção em contrário" (art. 32 da Lei 7.357⁄85). Contudo, mesmo sem suporte legal – ao contrário do que ocorre em outros ordenamentos jurídicos, como a Argentina e o Uruguai –, disseminou-se socialmente a utilização do cheque pós-datado, conceituado como cártula com data posterior à data em que foi efetivamente emitida, o que, conforme ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho "não produz nenhum efeito cambial, posto que, pelo contrário, importaria tratamento do cheque como um título de crédito a prazo (Manual de Direito Comercial. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 272).

 

Com efeito, numa das primeiras oportunidades que esta Corte teve de enfrentar a discussão acerca do cheque pós-datado, entendeu que ele "não se desnatura como título cambiariforme, tampouco como título executivo extrajudicial" e que na prática apenas tem um maior prazo de apresentação, porquanto o prazo final será contado a partir da data aposta no título, mas, não sendo exigido do portador que aguarde o prazo consignado para apresentação da cártula e havendo fundos, não lhe será negado pagamento anterior à data consignada, uma vez que cheque é ordem de pagamento à vista (REsp 16.855⁄SP, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 11⁄05⁄1993).

No mencionado precedente, todavia, da mesma forma como em outros julgados que posteriormente compartilharam desse entendimento (REsp 67.206⁄RS, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 23⁄10⁄1995; REsp 195.748⁄RS, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 15⁄06⁄1999 e REsp 223.486⁄MG, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 27⁄03⁄2000), não foi examinado odies a quo do prazo prescricional relativo à execução do cheque.

Posteriormente, a 3ª Turma do STJ, tendo defendido a "ampliação do prazo de apresentação" como a exigência de "que o portador do cheque pré-datado aguarde, no mínimo, o prazo consignado no cheque como de apresentação", razão pela qual entendeu ser "curial que o prazo prescricional só terá contagem iniciada após findo o lapso de trinta dias não da data da emissão, mas daquela avençada para a apresentação", inaugurou, no âmbito desta Corte, o entendimento de que o cheque emitido com data futura, popularmente conhecido como cheque "pré-datado", não se sujeita à prescrição com base na data de emissão, mas a partir de trinta dias da data nele consignada como sendo a da cobrança, se não houve apresentação anterior (REsp 620.218⁄GO, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 27⁄06⁄2005). E é justamente esse precedente que o recurso especial em análise traz como paradigma.

Diferentemente ao entendimento esposado no julgado acima mencionado, a 4ª Turma do STJ, na primeira oportunidade que teve de enfrentar a questão do dies a quo do prazo prescricional do cheque pós-datado, adotou o entendimento de que "prevalece, para fins de fluição do prazo prescricional do cheque a data nele constante, ainda que assim consignada indicando época futura" (REsp 604.351⁄PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 19⁄05⁄2005 - sem destaques no original). Tal entendimento foi posteriormente adotado também no REsp 767.055⁄RS, de relatoria do Min. Hélio Quaglia Barbosa (4ª Turma, DJ de 04⁄06⁄2007).

Da análise dos precedentes citados, representativos das duas vertentes, constata-se que se atentou para o fato de que a pós-datação pode se dar de duas formas distintas:  (i) pela aposição de uma data futura no espaço reservado para a data real de emissão do cheque ou (ii) pelo preenchimento correto do campo reservado à data de emissão, mas com o lançamento da data futura convencionada para a apresentação no canto inferior direito do texto ou em lembrete anexado, normalmente acompanhado da expressão "bom para".

Em ambos os casos, contudo, a jurisprudência desta Corte admitiu a modificação do prazo prescricional em decorrência da avença. No precedente de relatoria do Min. Castro Filho (REsp 620.218⁄GO, DJ de 27⁄06⁄2005) entendeu-se que para fins de contagem do prazo prescricional deve-se considerar a data futura convencionada (aposta na cártula ou fora dela), exceto se o cheque for apresentado antes.No julgado de relatoria do Min. Aldir Passarinho Junior (REsp 604.351⁄PR, DJ de 19⁄05⁄2005), por sua vez, admitiu-se que, mesmo tendo o beneficiário reconhecido nos autos que a emissão da cártula ocorreu em data anterior à aposta no campo "data de emissão", foi essa última considerada para fins de contagem do prazo prescricional do cheque.

Contrariamente aos entendimentos representados por esses precedentes, a C. 3ª Turma em julgado recente de relatoria do i. Min. Vasco Della Giustina (AgRg no Ag 1.159.272⁄DF, DJe de 27⁄04⁄2010), no qual o recorrente coincidentemente é o mesmo da hipótese dos autos, manteve o entendimento exarado pelo Tribunal de origem no sentido de que o prazo prescricional do cheque inicia-se após o prazo de apresentação do título e este lapso tem por dies a quo a data da emissão da cártula e não data futura inserta no título. Sustentou o i. Relator que "a alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado, implicaria a dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil. Assentir com a tese exposta no especial, seria anuir com a possibilidade da modificação casuística do lapso prescricional, em razão de cada pacto realizado pelas partes".

No mesmo sentido, a C. 4ª Turma, em julgamento ainda mais recente (REsp 875.161⁄SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 22⁄08⁄2011), examinou a matéria em análise, nos termos de acórdão assim ementado:

 

DIREITO COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. CHEQUE.  ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA. CARACTERE ESSENCIAL DO TÍTULO. DATA DE EMISSÃO DIVERSA DA PACTUADA PARA APRESENTAÇÃO DA CÁRTULA. COSTUME CONTRA LEGEM.INADMISSÃO PELO DIREITO BRASILEIRO. CONSIDERA-SE A DATA DE EMISSÃO CONSTANTE NO CHEQUE.

1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios cambiários da cartularidade, literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé, por isso que a sua pós-datação não amplia o prazo de apresentação da cártula, cujo marco inicial é, efetivamente, a data da emissão.

2. "A alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado implicaria na dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil. Assentir com a tese exposta no especial, seria anuir com a possibilidade da modificação casuística do lapso prescricional, em razão de cada pacto realizado pelas partes". (AgRg no Ag 1159272⁄DF, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 13⁄04⁄2010, DJe 27⁄04⁄2010)

3. Não se pode admitir que  a parte descumpra o  artigo 32 da Lei 7.357⁄85 e, ainda assim, pretenda seja conferida interpretação antinômica ao disposto no artigo 59 do mesmo Diploma, para  admitir a execução do título prescrito. A concessão de efeitos à pactuação extracartular representaria desnaturação do cheque naquilo que a referida espécie de título de crédito tem de essencial, ser  ordem de pagamento à vista, além de violar os princípios da abstração e literalidade.

4. Recurso especial não provido.

 

O entendimento adotado pelos dois últimos precedentes citados, do qual compartilho, denota a atenção desta Corte à sua missão de zelar pela observância da lei, que prevê que o prazo prescricional da ação de execução do cheque é de 6 (seis) meses, contados a partir da expiração do prazo de apresentação (art. 59 da Lei do Cheque), que, por sua vez, é de 30 dias, a contar da data da emissão, quando emitido onde houver de ser pago, e 60 dias, quanto emitido em outro lugar do País ou do exterior (art. 33). Nesse sentido, veja-se ainda o seguinte precedente: AgRg no REsp 1.135.262⁄DF, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 03⁄02⁄2010.

E ainda que, na sociedade hodierna, a emissão de cheques pós-datados seja prática costumeira, não encontra previsão legal. Admitir-se que do acordo extracartular decorram os efeitos almejados pela parte recorrente, importaria na alteração da natureza do cheque como ordem de pagamento à vista, além de violação dos princípios da literalidade e abstração. Nesse sentido, confira-se a elucidativa doutrina de Fábio Ulhoa Coelho (Manual de direito comercial. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 268):

O cheque é uma ordem de pagamento à vista, sacada contra um banco e com base em suficiente provisão de fundos depositados pelo sacador em mãos do sacado ou decorrente de contrato de abertura de crédito entre ambos. O elemento essencial do conceito de cheque é a sua natureza de ordem à vista, que não pode ser descaracterizada por acordo entre as partes. Qualquer cláusula inserida no cheque com o objetivo de alterar esta sua essencial característica é considerada não-escrita e, portanto, ineficaz (Lei n. 7.357, de 1985 – Lei do Cheque, art. 32). Desta forma, a emissão de cheque com data futura, a pós-datação, não produz nenhum efeito cambial, posto que, pelocontrário, importaria tratamento do cheque como um título de crédito a prazo. Um cheque pós-datado é pagável em sua apresentação, à vista, mesmo que esta se dê em data anterior àquela indicada como a de sua emissão (art. 32, parágrafo único).

 

Por fim, há de se ressaltar que no precedente de relatoria do Min. Vasco Della Giustina vislumbra-se a preocupação de se afastar a falsa compreensão trazida pelo termo "dilação do prazo de apresentação" – tantas vezes utilizado nesta Corte, de que existe a exigência obrigatória de ser observado, por parte do portador da cártula pós-datada, o prazo avençado. Naquela oportunidade restou consignado que o que se espera do credor, em observância ao princípio da boa-fé, é que ele aguarde até o prazo avençado para apresentar o cheque. Nada obsta, contudo, que o portador, assumindo o risco de ser responsabilizado civilmente (Súmula 370⁄STJ), apresente o cheque antes do dia aprazado, o que, vale frisar, não desobriga o sacado de efetuar o pagamento.

Na prática, o respeito do credor à data avençada, quando aposta no campo "data da emissão", acaba beneficiando-o, haja vista que o juízo da ação de execução fundada em cheque, cuja data de emissão seja futura, somente terá conhecimento de que a cártula é pós-datada se for apresentada antes do prazo legal. Do contrário, o conhecimento de que tal cheque é pós-datado ficará restrito às partes integrantes dessa relação cambial.  O que não se pode admitir, contudo, sob pena de desnaturação do cheque e ofensa aos princípios da abstração e da literalidade é que, tendo o juízo conhecimento dessa situação, a legitime. Embora não seja essa a hipótese dos autos, háde se consignar que para casos como esse deve ser aplicado o entendimento de que "a prescrição passa a correr da data da primeira apresentação" (REsp 45.512⁄MG, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo Costa Leite, DJ de 09⁄05⁄1994).

Feitas essa ponderações e considerando-se que a atual lei do cheque determina que o prazo prescricional da ação de execução do cheque pelo beneficiário é de 6 (seis) meses, contados a partir da expiração do prazo de apresentação (art. 59 da Lei 7.357⁄85) e que o prazo de apresentação do cheque, por sua vez, é de 30 dias, a contar do dia da emissão, quando emitido onde houver de ser pago e 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do país ou do exterior (art. 33 da Lei 7.357⁄85) e atentando-se ao fato de que na hipótese dos autos, embora combinada a apresentação do cheque para o dia 01⁄12⁄2006, foi aposta no campo "data de emissão" a data de 31⁄07⁄2006, não merece reparo o acórdão recorrido.

Há de se consignar ainda que, no tocante à alegação de que a matéria posta nos autos teria sido pacificada no STJ por ocasião do julgamento do EREsp 620.218⁄GO (2ª Seção, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 11⁄10⁄2007), não assiste razão ao recorrente, porquanto nesse precedente a discussão limitou-se à questão da interrupção da prescrição, em decorrência do protocolização da petição inicial, independentemente da demora da citação, situação inimputável ao autor.

Por fim, tendo em vista que a matéria impugnada pelo recorrente com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional é a mesma tratada na alínea "a", a análise do mérito da impugnação torna desnecessária a reapreciação da questão. A solução da causa, quanto à divergência, necessariamente convergirá para o que se decidiu quanto à violação.

 

Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial e, nessa parte, NEGO-LHE PROVIMENTO.

É como voto.

 

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.068.513 - DF (2008⁄0140138-8) (f)

 

RELATORA

:

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE

:

INSTITUTO EURO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA

ADVOGADO

:

LUIZ ANTÔNIO MUNIZ MACHADO E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

NIVALDO PEREIRA DE MATOS

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

 

VOTO-VOGAL

 

EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:

Sr. Presidente, eminente Ministra Relatora, eminentes Ministros e Ministras, também eminente advogado que aqui sustentou com muita propriedade, essa questão foi trazida à afetação para Seção, porque a discussão originou-se em um julgamento recente na Terceira Turma. Recordo-me perfeitamente que a Sra. Ministra Nancy Andrighi, diante dos debates que estavam se travando lá, ponderou se nãoseria o caso efetivamente de trazermos à Seção para colocarmos um posicionamento definitivo.

A preocupação que o eminente advogado expôs muito bem da tribuna, esse instituto do cheque pós-datado, que S. Exa. diz que não conhece e que existem outras legislações ou outros países, poder-se-ia dizer que seria uma coisa brasileira à moda - como dizem - da jabuticaba, que é uma fruta brasileira.

Na verdade, naquela ocasião, lembro-me perfeitamente, eu lhes dizia que esse uso e costume da dinâmica da sociedade impunha a aceitação desse costume do cheque pré-datado, pós-datado quase que transformando mesmo o cheque, que é uma ordem de pagamento à vista, numa outra modalidade de título de crédito, que seria sucedâneo de uma nota promissória.

É que - como também lembrou bem da tribuna -, há muito tempo, havia uma discussão quanto à caracterização da natureza penal da emissão do cheque sem fundo, se era um delito formal, mediante a mera posição da assinatura no cheque, e o emitente, sabendo que não tinha fundo, mesmo que não pusesse à circulação, as opiniões mais radicais sustentavam que isso já configurava um crime.

 

Ministro MASSAMI UYEDA

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.068.513 - DF (2008⁄0140138-8) (f)

 

RELATORA

:

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE

:

INSTITUTO EURO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA

ADVOGADO

:

LUIZ ANTÔNIO MUNIZ MACHADO E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

NIVALDO PEREIRA DE MATOS

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

VOTO

 

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: Sr. Presidente, quero cumprimentar também o Dr. Luiz Antônio Muniz Machado e agradecer a sua sustentação. Cumprimento a eminente Ministra Relatora pelo voto percuciente, como de costume.

A Quarta Turma, recentemente, em acórdão no Recurso Especial nº  875.161, publicado em 19⁄08⁄2011, com sua composição plena, à exceção do Sr. Ministro Marco Aurélio Buzzi, afirmou essa tese num acórdão de minha relatoria por decisão unânime.

 

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.068.513 - DF (2008⁄0140138-8) (f)

 

 

VOTO-VOGAL

 

 

EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO: Sr. Presidente, acompanho a eminente Ministra Relatora pelas razões constantes do seu voto, cumprimentando o ilustre patrono da parte pela sustentação.

 

 

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.068.513 - DF (2008⁄0140138-8) (f)

 

RELATORA

:

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE

:

INSTITUTO EURO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA

ADVOGADO

:

LUIZ ANTÔNIO MUNIZ MACHADO E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

NIVALDO PEREIRA DE MATOS

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

VOTO

 

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presidente, também cumprimentando o Dr. Luiz Antônio Muniz Machado pelos esclarecimentos prestados da tribuna e à eminente Ministra NANCY ANDRIGHI pela forma, como sempre, bemfundamentada e didática com que apresentou o voto. Acompanho S. Exa.

 

 

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEGUNDA SEÇÃO

Número Registro: 2008⁄0140138-8

 

REsp 1.068.513 ⁄ DF

 

Números Origem:  19990110779586        20010020048405        20070110537663        200800651130          20080070026281

 

 

 

PAUTA: 14⁄09⁄2011

JULGADO: 14⁄09⁄2011

 

 

Relatora

Exma. Sra. Ministra  NANCY ANDRIGHI

 

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI

 

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. WASHINGTON BOLIVAR DE BRITO JUNIOR

 

Secretário

Bel. RICARDO MAFFEIS MARTINS

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE

:

INSTITUTO EURO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA

ADVOGADO

:

LUIZ ANTÔNIO MUNIZ MACHADO E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

NIVALDO PEREIRA DE MATOS

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Títulos de Crédito - Cheque

 

SUSTENTAÇÃO ORAL

 

Sustentou oralmente, o Dr. LUIZ ANTÔNIO MUNIZ MACHADO, pelo RECORRENTE: INSTITUTO EURO-AMERICANO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA.

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Seção, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso e, nesta parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi votaram com a Sra. Ministra Relatora.

 

 

 

Brasília, 14  de setembro  de 2011

 

 

 

RICARDO MAFFEIS MARTINS

Secretário

 

Documento: 1088742

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 17/05/201

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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RECURSO ESPECIAL Nº 926.312 - SP (2007⁄0035619-0)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

SOCIEDADE UNIFICADA PAULISTA DE ENSINO RENOVADO OBJETIVO - SUPERO

ADVOGADO

:

CENISE GABRIEL F SALOMÃO

RECORRIDO

:

RODRIGO ANTÔNIO JODAS SEGURA

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

EMENTA

 

DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA EMBASADA EM CHEQUEPRESCRITO. VIABILIDADE. MENÇÃO AO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. DESNECESSIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À MONITÓRIA DISCUTINDO O NEGÓCIO QUE ENSEJOU A EMISSÃO DO CHEQUE. POSSIBILIDADE. 

1. O cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora.

2. Se ocorreu a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos a contar daprescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança fundada na relação causal.

3. No entanto, caso o portador do cheque opte pela ação monitória, como no caso em julgamento, o prazo prescricional será quinquenal, conforme disposto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil e não haverá necessidade de descrição da causa debendi

4. Registre-se que, nesta hipótese, nada impede que o requerido oponha embargos à monitória, discutindo o negócio jurídicosubjacente, inclusive a sua eventual prescrição, pois o cheque, em decorrência do lapso temporal, já não mais ostenta os caracteres cambiários inerentes ao título de crédito.

5. Recurso especial provido.

 

 

 

 

ACÓRDÃO

 

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

 

Brasília (DF), 20 de setembro de 2011(Data do Julgamento)

 

 

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 926.312 - SP (2007⁄0035619-0)

 

RECORRENTE

:

SOCIEDADE UNIFICADA PAULISTA DE ENSINO RENOVADO OBJETIVO - SUPERO

ADVOGADO

:

CENISE GABRIEL F SALOMÃO

RECORRIDO

:

RODRIGO ANTÔNIO JODAS SEGURA

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Sociedade Unificada Paulista de Ensino Renovado - SUPERO, ajuizou ação monitória em face de Rodrigo Antonio Jodas Segura. Narra que é credor do requerido, tendo em vista o cheque prescrito, no valor de R$ 1.094,75 (mil e noventa e quatro reais e setenta e cinco centavos), que instrui a petição inicial.

O Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Bauru julgou parcialmente procedente o pedido, por entender que o réu, não obstante tenha sido citado pessoalmente, deixou de cumprir o mandado monitório e também não opôs embargos. Aplicou a correção monetária a partir do ajuizamento da ação e os juros a contar da citação.

Quanto a esses dois pontos, interpôs a autora apelação para o Tribunal de Justiça de São Paulo.

Contudo, de ofício, o Tribunal indeferiu a petição inicial e extingüiu o processo, por entender que a ação foi ajuizada em 15 de maio de 2003 e o cheque que embasa a inicial foi emitido em 28 de agosto de 2000, tendo transcorrido o prazo legal de 2 anos, tornando necessária a menção ao negócio jurídico subjacente.

O acórdão tem a seguinte ementa:

Cheque. Vencimento há mais de 2 anos da data da propositura da ação. Não apresentação do negócio subjacente: necessidade. Extinção do processo, sem resolução do mérito. Inteligência dos artigos 128, 267, incisos I e IV, e 295, inciso I e parágrafo único, inciso I, todos do CPC. Recurso provido.

 

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

Inconformada com a decisão colegiada, a autora interpôs recurso especial, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, sustentando divergência jurisprudencial e violação aos artigos 460, 512, 1.102-A e 102-B do Código de Processo Civil e 13 da Lei 7.357⁄85.

Alega a recorrente que ajuizou ação monitória pleiteando o recebimento de valores devidos, pois não conseguiu compensar o cheque emitido pelo recorrido.

Sustenta que, ao negar provimento ao recurso de apelação, por entender que há a necessidade de menção ao negócio jurídico subjacente à emissão do cheque, a Corte local perfilhou entendimento divergente da jurisprudência deste Tribunal (Súmula 299⁄STJ).

Afirma que as obrigações contraídas no cheque são autônomas e que o réu não nega a sua emissão, em razão da prestação de serviço educacional.

Não houve oferecimento de contrarrazões.

O recurso especial foi admitido.

É o relatório.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 926.312 - SP (2007⁄0035619-0)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

SOCIEDADE UNIFICADA PAULISTA DE ENSINO RENOVADO OBJETIVO - SUPERO

ADVOGADO

:

CENISE GABRIEL F SALOMÃO

RECORRIDO

:

RODRIGO ANTÔNIO JODAS SEGURA

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

EMENTA

 

DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA EMBASADA EM CHEQUEPRESCRITO. VIABILIDADE. MENÇÃO AO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. DESNECESSIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À MONITÓRIA DISCUTINDO O NEGÓCIO QUE ENSEJOU A EMISSÃO DO CHEQUE. POSSIBILIDADE. 

1. O cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação,que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta notítulo como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora.

2. Se ocorreu a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança fundada na relação causal.

3. No entanto, caso o portador do cheque opte pela ação monitória, como no caso em julgamento, o prazo prescricional será quinquenal,conforme disposto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil e não haverá necessidade de descrição da causa debendi

4. Registre-se que, nesta hipótese, nada impede que o requerido oponha embargos à monitória, discutindo o negócio jurídicosubjacente, inclusive a sua eventual prescrição, pois o cheque, em decorrência do lapso temporal, já não mais ostenta os caracterescambiários inerentes ao título de crédito.

5. Recurso especial provido.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 926.312 - SP (2007⁄0035619-0)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

SOCIEDADE UNIFICADA PAULISTA DE ENSINO RENOVADO OBJETIVO - SUPERO

ADVOGADO

:

CENISE GABRIEL F SALOMÃO

RECORRIDO

:

RODRIGO ANTÔNIO JODAS SEGURA

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. A questão controvertida é quanto à possibilidade de ser admitido ajuizamento de ação monitória embasada em cheque prescrito há mais de 2 (dois) anos, sem menção à causa subjacente .

2.1. A sentença dispôs:

De se registrar desde logo que "a ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sen eficácia de título executivo, pagamento em de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel". É o que reza o artigo 1.102a do Código de Processo Civil, sendo exato ainda que, de conformidade com o artigo 1.102b do mesmo Estatuto, "estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá de plano a expedição de mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de quinze dias".

Também segundo a letra expressa da lei (CPC, artigo 1.102c, "caput"), no prazo previsto no artigo anterior, poderá o réu oferecer embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV".

[...]

Na espécie, como o réu, não obstante citado pessoalmente (fls. 15, vº), deixou de cumprir o mandado monitório inicial de pagamento expedido e também não opôs embargos, conforme atesta a certidão de fls. 16, constitui-se de pleno direito, o título executivo judicial. (fls. 32 e 33)

 

Por seu turno, o acórdão recorrido consignou:

Igualmente, com base no art. 128 do Código de Processo Civil conheço, de ofício, matéria de ordem pública não suscitada nas razões recursais, consistente na ausência de pressuposto processual e geradora do indeferimento da petição inicial face à ausência da causa de pedir.

Isso porque a ação monitória foi ajuizada em 15 de maio de 2003 (fl. 2) e o cheque que embasa a inicial emitido em 28 de agosto de 2000, e vencido em 31 de setembro de 2000 (fl. 8). Como transcorreu o prazo legal de 2 anos, o cheque perdeu sua natureza de título de crédito, tornando-se indispensável que seja declinada a relação causal que o gerou. Como isso não aconteceu neste caso, só resta mesmo decidir que a petição inicial está inepta por ausência da causa de pedir e reconhecer a ausência de um dos pressupostos processuais. (fl. 70)

 

 

3. O cheque, salvo pactuação em contrário, só extingue a dívida, isto é, a obrigação a que ele visa satisfazer, com o seu efetivo pagamento:

O cheque, como reiteradamente dissemos, é uma ordem de pagamento à vista. Sua função principal, portanto, é efetuar a extinção de uma obrigação, desde que efetuado o pagamento. Mas em sua essência é um título pro soluto e não pro solvendo. A dívida que ele visou pagar só se extingue se ele for efetivamente pago, a não ser que o portador tenha convencionado que ele extingue a obrigação fundamental. (REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 27 ed. Saraiva: São Paulo, v. 2,  p. 570)

 

3.1. O cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora.

Se ocorre a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente.

Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação fundada na relação causal.

Confira-se o disposto nos mencionados artigos:

Art . 61 A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois) anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59 e seu parágrafo desta Lei.

 

Art . 62 Salvo prova de novação, a emissão ou a transferência do cheque não exclui a ação fundada na relação causal, feita a prova do não-pagamento.

 

 

3.2. A jurisprudência desta Corte admite também o ajuizamento de ação monitória (Súmula 299⁄STJ), reconhecendo que a cártula satisfaz a exigência da "prova escrita sem eficácia de título executivo" a que alude o artigo 1.102-A, do Código de Processo Civil.

AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUE PRESCRITO ATÉ PARA AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO - CAUSA DEBENDI - DESNECESSIDADE.

- O cheque prescrito serve como instrumento de ação monitória, mesmo vencido o prazo de dois anos para a ação de enriquecimento (Lei do Cheque, Art. 61), pois o Art. 1.102a, do CPC exige apenas "prova escrita sem eficácia de título executivo". Desnecessária a demonstração da causa debendi.

(AgRg no REsp 873.879⁄SC, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 03⁄12⁄2007, DJ 12⁄12⁄2007, p. 418)

 

Esse também é o escólio de Paulo Sérgio Restiffe e Paulo Restiffe Neto:

A ação monitória é processo de cognição sumária destinado a conferir executividade a um título que a não tenha, como, especificamente, cheque prescrito, que consubstancia prova idônea à admissibilidade da instauração da instância, com viabilidade extrema de deferimento de plano da inicial e expedição do mandado de pagamento (art. 1.102, letras b e c, do CPC). (RESTIFFE, Paulo Sérgio; RESTIFFE NETO, Paulo. Lei do Cheque. 4 ed.

Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 360)

 

Desse modo, caso o portador do cheque opte pela ação monitória, o prazo prescricional será quinquenal, conforme disposto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil e não haverá necessidade de descrição da causa debendi:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CHEQUE PRESCRITO. AÇÃO MONITÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL.

A ação monitória fundada em cheque prescrito está subordinada ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil.

Recurso Especial improvido.

(REsp 1038104⁄SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09⁄06⁄2009, DJe 18⁄06⁄2009)

 

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM CHEQUE PRESCRITO. PRAZOPRESCRICIONAL. DESCRIÇÃO DA CAUSA DEBENDI. DESNECESSIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGAPROVIMENTO.

1. A ação monitória fundada em cheque prescrito está subordinada ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil.

2. O Acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que é desnecessário que o credor comprove a causa debendi do cheque prescrito que instrui a ação monitória.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag 1401202⁄DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09⁄08⁄2011, DJe 16⁄08⁄2011)

 

 

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. DESCRIÇÃO DA CAUSA DEBENDI. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES.

1. Em ação monitória para cobrança de cheque prescrito, desnecessário que o credor comprove a "causa debendi" que originou o documento.

2. Agravo regimental provido.

(AgRg no Ag 965.195⁄SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 10⁄06⁄2008, DJe 23⁄06⁄2008)

 

AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUES PRESCRITOS - PRODUÇÃO DE PROVA - CERCEAMENTO DE DEFESA - REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 7⁄STJ - CAUSA DEBENDI - PROVA - DESNECESSIDADE - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO.

I - Sendo o magistrado o destinatário da prova, e a ele cabe decidir sobre o necessário à formação do próprio convencimento. Desse modo, a apuração da suficiência dos elementos probatórios que justificaram o indeferimento do pedido de produção de provas demanda reexame do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula 7⁄STJ.

II - O Acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que é desnecessário que o credor comprove a causa debendi do cheque prescrito que instrui a ação monitória.

III - O Agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.

Agravo Regimental improvido.

(AgRg no Ag 1376537⁄SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17⁄03⁄2011, DJe 30⁄03⁄2011)

 

 

4. Registre-se que, neste caso, nada impede que o requerido oponha embargos à monitória, discutindo o negócio jurídico subjacente, inclusive a sua eventual prescrição, pois o cheque, em decorrência do lapso temporal, já não mais ostenta os caracteres cambiários inerentes ao título de crédito:

Após o decurso do prazo prescricional do cheque, será admissível ação com base no locupletamento sem causa, no prazo de 2 anos (art. 61). Embora se cuide de ação de conhecimento, é ainda de fundamento cambial. Qualquer coobrigado cambial que se locupletou indevidamente em função da prescrição do cheque pode ser responsabilizado.

Prescrita a ação de enriquecimento ilícito, nenhuma outra ação será possível com base no título de crédito. Poderá, no entanto, o credor por obrigação que, embora representada por um cheque, seja de origem extracambiária promover a ação correspondente a seu título, que prescreverá no prazo que a lei específica estabelecer ou nos termos do art. 205 do CC. A própria Lei do Cheque possibilita esse entendimento ao dispor, no seu art. 62, que, salvo prova de novação, a emissão ou transferência do cheque não exclui a ação fundada na relação causal, feita a prova do não-pagamento. (COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 17 ed.: Saraiva, São Paulo, p.283)

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As alternativas são de livre escolha da conveniência do credor, direito este que está na base da disposição expressa no art. 62; o qual, por sua vez,  tem como suposto a natureza jurídica do cheque como meio de pagamento, que, por isso, não tem força liberatória da moeda, enquanto não disponível o numerário. O cheque não libera da obrigação causal, pendente de pagamento, que não tenha sido extinta por novação.

Em resumo, não é porque houve emissão ou transmissão do cheque para solver uma obrigação, que a força executiva a ele inerente excluiria a ação fundada na relação jurídica subjacente, prevalecendo o brocardo de quem pode o mais, pode o menos. Esse foi cuidado que preocupou o legislador na redação detalhada do art. 62, para evitar equívocos de interpretação; e também, para não excluir do obrigado chéquico o direito de discutir o motivo da emissão, por ação fundada na relação causal.

2.  cheque não tem força liberatória da obrigação causal

Além do que já se viu acima, reafirma-se que o art. 62 não regula a prescrição da ação causal; antes, estabelece o direito de exercício dessa ação, pelo credor, com a explicitação complementar de que a emissão do cheque ou sua transferência em razão de um negócio, não exclui o direito de agir com fundamento na relação jurídica causal; e sem excluir igual direito ao devedor, assegurado por outros diplomas legais. (RESTIFFE, Paulo Sérgio; RESTIFFE NETO, Paulo. Lei do Cheque. 4 ed.: Revista dos Tribunais, São Paulo, ps. 353-362)

 

Nesse sentido são os precedentes deste colegiado:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL. CHEQUE PRESCRITO. EMBARGOS À AÇÃO MONITÓRIA. CAUSA DEBENDI. DISCUSSÃO. POSSIBILIDADE. SÚMULA N.º 7⁄STJ. CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

1- Embora esteja o autor da ação monitória dispensado de comprovar o fato que deu origem à dívida fundada em cheque prescrito, nada impede pretenda o réu, opostos regularmente os embargos, discuti-lo, incumbindo-se do ônus de sua demonstração. Precedentes do STJ.

2- Fixada pelas instâncias ordinárias a necessidade de dilação probatória, com a especificação das provas postuladas, tem-se por inviável, nos termos da Súmula n.° 7⁄STJ, o reexame dos fundamentos invocados no acórdão recorrido.

3- Mesmo que para viabilizar a interposição de recurso extraordinário, é incabível a análise de questão constitucional deduzida em recurso especial. Precedente do STJ.

4- Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no AgRg no Ag 893.383⁄MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18⁄11⁄2010, DJe 17⁄12⁄2010)

 

 

CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO MONITÓRIA. MENSALIDADES ESCOLARES.  CHEQUE PRESCRITO. PRAZO PRESCRICIONAL. VINCULAÇÃO AO PRAZO PRESCRICIONAL DO DIREITO BASE. SÚMULA N. 83⁄STJ.

1. Prescritos os cheques ensejadores da execução, o prazo prescricional da monitória neles embasada vincula-se ao negócio jurídico subjacente, no presente caso, a cobranças de mensalidades escolares.

2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no Ag 1153022⁄SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 19⁄05⁄2011, DJe 25⁄05⁄2011)

 

 

PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO IDENTIFICADA. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. DOCUMENTO HÁBIL À INSTRUÇÃO DO PEDIDO. EMBARGOS. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. CONVENIÊNCIA. REVISÃO IMPOSSÍVEL NO ÂMBITO DO STJ. SÚMULA N. 7.

I. Inexiste nulidade se a decisão impugnada se encontra suficientemente fundamentada, apenas que guardando conclusão contrária ao interesse da parte.

II. A jurisprudência do STJ é assente em admitir como prova hábil à comprovação do crédito vindicado em ação monitória cheque emitido pelo réu, cuja prescrição tornou-se impeditiva da sua cobrança pela via executiva.

III. Caso, todavia, em que afastada até mesmo a possibilidade monitória pela Corte a quo ante a situação fática peculiar encontrada nos autos, cuja revisão é vedada pela Súmula n. 7 do STJ.

IV. Recurso especial não conhecido.

(REsp 555.308⁄MG, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 18⁄09⁄2007, DJ 19⁄11⁄2007, p. 230)

 

 

5. No caso, a presente ação monitória foi ajuizada em 15 de maio de 2003, instruída com cheque emitido em 28 de agosto de 2000, de modo que o provimento do recurso é medida que se impõe, pois não há necessidade de menção ao negócio jurídico subjacente.

6. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença.

É como voto.

 

 

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2007⁄0035619-0


PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 926.312 ⁄ SP

 

Números Origem:  11332003              126874                12851364              1285136401            200300001133

 

 

 

PAUTA: 20⁄09⁄2011

JULGADO: 20⁄09⁄2011

 

 

Relator

Exmo. Sr. Ministro  LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. MARIA CELIA MENDONÇA

 

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE

:

SOCIEDADE UNIFICADA PAULISTA DE ENSINO RENOVADO OBJETIVO - SUPERO

ADVOGADO

:

CENISE GABRIEL F SALOMÃO

RECORRIDO

:

RODRIGO ANTÔNIO JODAS SEGURA

ADVOGADO

:

SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

 

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Títulos de Crédito - Cheque

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

 

 

Documento: 1091270

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 17/10/2011

 

 


 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.315.080 - GO (2011⁄0158672-3)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

PAULO FERNANDO PINHEIRO RABELO - ESPÓLIO

REPR. POR

:

IVAN RABELO

ADVOGADOS

:

SÉRGIO REIS CRISPIM E OUTRO(S)

 

 

JOSÉ CARLOS ISSY E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

BENJAMIM BEZE JÚNIOR

ADVOGADO

:

EDUARDO URANY DE CASTRO E OUTRO(S)

 

EMENTA

 

PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. SUSPENSÃO DO PROCESSO POR MORTE DA PARTE. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DEPREJUÍZO. CHEQUE. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO AO BANCO SACADO. COMPROVAÇÃO DE SUSTAÇÃO PELOEMITENTE. SÚMULA 7 DO STJ.

1. A não observância do artigo 265, I, do CPC, que determina a suspensão do processo a partir da morte da parte, enseja apenasnulidade relativa, sendo válidos os atos praticados, desde que não haja prejuízo aos interessados, sendo certo que tal norma visa preservar o interesse particular do espólio e dos herdeiros do falecido. Nessa linha, somente a nulidade que sacrifica os fins de justiça do processo deve ser declarada, o que não ocorreu no caso sob exame, consoante consignado pelo Tribunal de origem. Precedentes.

2. O cheque tem como característica intrínseca e inafastável a relação fundamental entre o sacador e a instituição bancária ou financeira que lhe seja equiparada, com a qual o emitente mantém contrato que a autorize a dispor de fundos existentes em conta-corrente.

3. Ainda que constando cláusula que dispensa o protesto, tal concessão ao portador não o dispensa de proceder à apresentação docheque ao banco sacado para pagamento (§ 1º, do art. 50 da Lei 7.357⁄1985),  mesmo porque a verificação da existência de fundosdisponíveis, e, pois, também da ausência ou insuficiência de provisão, para todos os efeitos jurídicos, confina-se ao ato-momento daapresentação do cheque ao banco sacado para pagamento (art. 4º, § 1º) ou à câmara de compensação (art. 34).

4. O beneficiário de cheque que não apresenta o título para pagamento, via de regra, vê-se impossibilitado de promover a execução, haja vista a ausência de requisito essencial aos títulos executivos - a  exigibilidade -, que somente exsurge com a comprovação da falta de pagamento imotivada, a qual pode ocorrer pelo protesto, por declaração do banco sacado ou da câmara de compensação.

5. Não obstante, no caso concreto, a instância ordinária consignou a existência de provas irrefutáveis acerca da sustação do cheque - entre as quais a declaração de funcionário do banco sacado -, o que impeliu o tomador a ajuizar a execução em virtude da inocuidade da  prévia apresentação do título. Incidência da Súmula 7 do STJ.

6. Recurso especial não provido.

 

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir,   por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os  Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). SÉRGIO REIS CRISPIM, pela parte RECORRENTE: PAULO FERNANDO PINHEIRO RABELO

 

Brasília (DF), 07 de março de 2013(Data do Julgamento)

 

 

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.315.080 - GO (2011⁄0158672-3)

 

RECORRENTE

:

PAULO FERNANDO PINHEIRO RABELO - ESPÓLIO

REPR. POR

:

IVAN RABELO

ADVOGADO

:

JOSÉ CARLOS ISSY E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

BENJAMIM BEZE JÚNIOR

ADVOGADO

:

EDUARDO URANY DE CASTRO E OUTRO(S)

 

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

1. Paulo Fernando Pinheiro Rabelo ajuizou embargos à execução movida por Benjamim Beze Júnior, ao argumento de que o título que instrui a execução não seria idôneo, em virtude da não apresentação do cheque ao banco sacado, razão pela qual careceria de força executiva, sustentando também que a cártula seria advinda da prática de agiotagem (fls. 6-16).

Sobreveio sentença de improcedência do pedido (fls. 255-263).

Interposto recurso de apelação, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás negou provimento ao recurso:

EMENTA. COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CHEQUE.

SUSPENSÃO DO FEITO. FALECIMENTO DA PARTE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADO. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL – ART. 401, CPC. AGIOTAGEM. APRESENTAÇÃO DO TÍTULO AO BANCO SACADO. SÚMULA 600, STF.

1 - Em que pese a previsão legal de suspensão do processo quando ocorrer o falecimento do embargante não ter sido observada, não deve ser declarada a nulidade dos atos posteriores poque não basta a existência de irregularidade processual, é necessário que se verifique prejuízo (pas de nullité sans grief - não há nulidade sem prejuízo.

2 - As provas carreadas aos autos mostram-se suficientes para a correta apreciação da lide, resultando inútil e até contrário ao princípio da economia processual a produção de outras provas. De mais, é lícito ao juiz dispensar a prova impertinente ou desnecessária ao enfrentamento da questão discutida nos autos.

3 - Não logrando o apelante provar de outra forma a existência de relação contratual com o apelado, a prova exclusivamente testemunhal é inadmitida pela lei processual civil, vez que o valor da demanda ultrapassa ao décuplo do maior salário mínimo vigente no país, bem como em virtude da ausência de começo de prova escrita (art. 401, CPC).

4 – A inversão do ônus da prova preconizada na Medida Provisória 1820 e suas reedições, como a MP 2089-25, de 22.02.2001, somente se opera se as alegações estão corroboradas por indícios de verossimilhança. A prevalecer a tese defendida pelo recorrente, todo e qualquer título em cobrança passaria a ter como pressuposto a prova da ausência de excessos, o que resultaria em verdadeira subversão às regras processuais já consagradas.

5 - Eventual ausência de apresentação do cheque junto ao Banco sacado não retira da cártula a sua força executiva, matéria que já se encontra, inclusive, cristalizada na Súmula n.º 600 do Supremo Tribunal Federal.

6 – Apelo conhecido e improvido.

 

Opostos embargos de declaração (fls. 387-392), o Tribunal deu-lhes efeitos infringentes, reformando o julgado, nos termos da seguinte ementa (fls. 402-419):

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO CÍVEL. EFEITO INFRINGENTE. POSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO.

1 - Devem ser acolhidos embargos de declaração com efeito infringente sempre que a sua procedência alterar o sentido do que restou decidido.

2 - Para que o feito executivo tenha seu trâmite regular e válido necessário que estejam presentes os requisitos legais da exigibilidade do título executivo, liquidez e certeza. Ausente quaisquer desses requisitos deve ser declarada nula a execução.

3 - É imprescindível para o deslinde da ação executiva baseada em cheque, a sua apresentação ao banco sacado, ainda que fora do prazo legal, sob pena de faltar o requisito da exigibilidade.

4 - Embargos acolhidos. apelação conhecida e provida. sucumbência invertida.

 

Novos embargos aclaratórios (fls. 422-428) e novo posicionamento da Turma daquele Tribunal que, por maioria de votos, deu novos efeitos infringentes ao recurso, agora para negar procedência aos embargos à execução, nos seguintes termos (fls. 461-492):

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÃO E OMISSÃO CONFIGURADAS. EFEITO INFRINGENTE.

I - Embora reconhecida no julgamento do recurso de apelação que houve contraordem quanto ao pagamento do cheque exequendo, todavia, no julgado recorrido sequer foi mencionada a questão, hipótese que além da contradição já detectada, a meu ver, representa, também, omissão, uma vez que se tivesse sido considerada, certamente, que o julgamento teria sido outro, pois tornaria hábil o cheque para respaldar execução, de acordo com as exigências delimitadas.

II - Configurada a contradição e a omissão apontadas, deve ser empregado efeito infringente aos presentes Embargos de Declaração a fim de saná-las, restabelecendo, consequentemente, o julgamento do recurso de apelação, para manter inalterada a sentença de primeiro grau em todos os seus termos, ante a manifesta improcedência dos embargos à execução interpostos pelo executado⁄embargado.

EMBARGOS ACOLHIDOS.

 

O espólio de Paulo Fernando Pinheiro Rabelo interpôs recurso especial, fundado no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c" da Constituição Federal, alegando vulneração aos arts. 32, 33, 34, 47 e 50 da Lei n° 7.357⁄85, e arts. 3°, 125, 265, 333, 586, 614, I e 618, I, do CPC (fls. 502-516).

Sustentou, em síntese, que a pretensão executória tem lastro em cheque ao portador não apresentado ao sacado para compensação, o que lhe retiraria a legitimidade e o interesse para a propositura da execução, bem como que  "a lei não faculta ao portador do cheque deixar de apresentá-lo ao banco sacado, trata-se de imposição legal para que a cártula se revista de força executiva, até mesmo porquesomente no momento da sua apresentação que o título se torna exigível". 

Ademais, a lei do cheque não confere a possibilidade de outro órgão ou documento ser capaz de afastar a necessidade de apresentação do título ao banco sacado. Suscitou dissídio jurisprudencial.

Insurgiu-se, ainda, contra a falta de decretação de nulidade de todos os atos processuais realizados após o falecimento do embargante.

Foram apresentadas contrarrazões ao recurso (fls. 565-599), que não foi admitido na instância ordinária (fls. 601-602), tendo subido a esta Corte por força do provimento do agravo de instrumento.

 

É o relatório.

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.315.080 - GO (2011⁄0158672-3)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

PAULO FERNANDO PINHEIRO RABELO - ESPÓLIO

REPR. POR

:

IVAN RABELO

ADVOGADO

:

JOSÉ CARLOS ISSY E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

BENJAMIM BEZE JÚNIOR

ADVOGADO

:

EDUARDO URANY DE CASTRO E OUTRO(S)

 

EMENTA

 

PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. SUSPENSÃO DO PROCESSO POR MORTE DA PARTE. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DEPREJUÍZO. CHEQUE. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO AO BANCO SACADO. COMPROVAÇÃO DE SUSTAÇÃO PELOEMITENTE. SÚMULA 7 DO STJ.

1. A não observância do artigo 265, I, do CPC, que determina a suspensão do processo a partir da morte da parte, enseja apenasnulidade relativa, sendo válidos os atos praticados, desde que não haja prejuízo aos interessados, sendo certo que tal norma visa preservar o interesse particular do espólio e dos herdeiros do falecido. Nessa linha, somente a nulidade que sacrifica os fins de justiça do processo deve ser declarada, o que não ocorreu no caso sob exame, consoante consignado pelo Tribunal de origem. Precedentes.

2. O cheque tem como característica intrínseca e inafastável a relação fundamental entre o sacador e a instituição bancária ou financeira que lhe seja equiparada, com a qual o emitente mantém contrato que a autorize a dispor de fundos existentes em conta-corrente.

3. Ainda que constando cláusula que dispensa o protesto, tal concessão ao portador não o dispensa de proceder à apresentação docheque ao banco sacado para pagamento (§ 1º, do art. 50 da Lei 7.357⁄1985),  mesmo porque a verificação da existência de fundosdisponíveis, e, pois, também da ausência ou insuficiência de provisão, para todos os efeitos jurídicos, confina-se ao ato-momento daapresentação do cheque ao banco sacado para pagamento (art. 4º, § 1º) ou à câmara de compensação (art. 34).

4. O beneficiário de cheque que não apresenta o título para pagamento, via de regra, vê-se impossibilitado de promover a execução, haja vista a ausência de requisito essencial aos títulos executivos - a  exigibilidade -, que somente exsurge com a comprovação da falta de pagamento imotivada, a qual pode ocorrer pelo protesto, por declaração do banco sacado ou da câmara de compensação.

5. Não obstante, no caso concreto, a instância ordinária consignou a existência de provas irrefutáveis acerca da sustação do cheque - entre as quais a declaração de funcionário do banco sacado -, o que impeliu o tomador a ajuizar a execução em virtude da inocuidade da  prévia apresentação do título. Incidência da Súmula 7 do STJ.

6. Recurso especial não provido.

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. Quanto à violação do art. 265 do CPC, não assiste razão ao recorrente, uma vez que o Tribunal a quo afirmou a inexistência de prejuízo com a ausência de declaração integral de nulidade dos atos processuais praticados após a morte do embargante - uma vez já ultrapassada a instrução do feito -, bem como que o advogado constituído pelo espólio é o originalmente contratado pelo de cujus.

Confira-se o excerto do voto condutor (fls. 367-368):

Ponderadas essas primeiras linhas, no sub examine verifica-se que o julgador de origem somente teve conhecimento do falecimento doembargante em 09 de maio de 2007, quando já proferida a sentença.

Tal conclusão, em princípio, segundo entendimento consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça,poderia conduzir a nulidade dos atos praticados após o evento morte (17.03.2007) em face do efeito ex tunc decorrente do ato.

[...]

Todavia, referida conclusão, no caso especial dos autos, deve ser mitigada, e, portanto, sem a anulação integral dos atos comopretendido pelo espólio do apelante, máxime porque  instruído o feito (art. 265, § 1º, CPC).

Logo, tendo sido depois noticiado o falecimento do embargante, e por conseqüência extintos os poderes outorgados aos procuradores constituídos enquanto vivo, a partir da publicação da sentença é que devem ser declarados nulos os atos praticados, e não todos aqueles desde o evento morte como pretendido pelo espólio agravante, uma vez que os atos estavam abarcados pela proteção da regra processual civil antes mencionada.

De se destacar no caso em comento, também, a efeito de afastar a inivalidade integral dos atos processuais como requerido, a estranheza da demora do espólio em noticiar o falecimento tão tardiamente em face da época do ocorrido. Cumpria aos herdeiros integrantes do espólio dar ciência desde logo ao juízo de origem.

Entretanto preferiram o silêncio vindo ao depois requerer a nulidade dos atos quando lhes foi desfavorável a sentença prolatada. E a estranheza causa maior relevância, ainda, sobremaneira porque o advogado constituído pelo espólio é o mesmo daquele inicialmente constituído pelo falecido e  que tinha plena ciência da ação em curso, tanto assim que chegou a peticionar no processo.

Desse modo, descabe a declaração de nulidade na extensão em que perquirida para o que deu causa o espólio, segundo a regra do art. 243 do CPC, principalmente quando não apontado prejuízo.

 

Com efeito, a inobservância do disposto no artigo 265, I, do CPC, que determina a suspensão do processo a partir da morte da parte, enseja apenas nulidade relativa, sendo válidos os atos praticados, desde que não haja prejuízo aos interessados, sendo certo que tal norma visa a preservar o interesse particular do espólio e dos herdeiros do falecido e, não lhes tendo sido causado nenhum dano, razão não há para invalidar os atos processuais praticados.

É o que preconiza a regra geral dessa matéria, segundo a qual as nulidades alegáveis demandam análise do Juízo sobre se a atipicidade do ato perpetrado gerou prejuízo para os fins de justiça do processo.

Deveras, no processo civil, como se sabe, a regra é o aproveitamento do ato, ainda que praticado fora do modelo legal, contanto que tenha sido alcançada a sua finalidade.

De toda sorte, ainda que não atingido o seu fim, a lei processual, considerando o processo como um todo, utiliza-se de estratégias conducentes à salvação da relação processual, sendo a inutilização medida de caráter excepcional, em face do influxo dos princípios processuais da instrumentalidade das formas e do prejuízo.

Nessa linha, informado que é o sistema processual pelo princípio do prejuízo consubstanciado na máxima pas des nullité sans grief,somente a nulidade que sacrifica os fins de justiça do processo deve ser declarada.

Corroborando esse entendimento, especificamente em relação ao tema jurídico controvertido nos autos, confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. MORTE DE QUALQUER DAS PARTES. SUSPENSÃO DO PROCESSO. ART. 265, I, DO CPC. NÃO OBSERVÂNCIA. NULIDADE RELATIVA.

1. A falta de observância da suspensão do processo em razão de morte de qualquer das partes, na forma do art. 265, I, do CPC, enseja nulidade relativa, não se configurando caso não haja prejuízo aos interessados. Hipótese em que a prolação de decisão denegatória de provimento do recurso especial após o óbito não gerou prejuízo para a parte recorrente, dada a tempestiva interposição de agravo regimental pelo advogado constituído pelos sucessores, o mesmo que representava a falecida.

2. Agravo regimental provido. (AgRg no REsp 660.397⁄RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 16⁄02⁄2012, DJe 28⁄02⁄2012)

 

É bem verdade que a morte da parte implica a automática e imediata suspensão do processo, produzindo a declaração do juiz efeitos ex tunc (art. 265 do CPC).

Todavia, como bem assentado pelo Juízo a quo, à ocasião do falecimento do embargante, o feito já havia sido instruído, razão pela qual o processo somente é suspenso após a publicação da sentença ou do acórdão (art. 265, § 1º), sendo certo que, no caso dos autos, o procurador que atuava originalmente teve seu mandato ratificado, como também afirmado pelo Tribunal de origem.

3. Cinge-se a controvérsia à definição acerca da necessidade ou não de apresentação do cheque ao sacado como condição para o ajuizamento da ação executiva.

Segundo a Lei 7.357⁄1985, é requisito essencial do cheque a identificação do banco ou da instituição financeira que deve pagar a quantia determinada pelo sacado (art. 1º, II e III), sob pena de completa desfiguração do instituto (art. 2º), o que é reiterado pelo mandamento insculpido no art. 3º, segundo o qual "o cheque é emitido contra banco, ou instituição financeira que lhe seja equiparada, sob pena de não valer como cheque".

Dessa forma, verifica-se que o cheque tem como característica intrínseca e inafastável a relação entre o sacador e "a instituição bancária ou financeira que lhe seja equiparada, com a qual o emitente mantém contrato que a autorize a dispor de fundos existentes em conta-corrente". (NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, Vol. 2, p. 115)

Sob esse enfoque, desponta uma diferença básica entre o cheque e a letra de câmbio à vista - que também é adimplida com a sua apresentação ao sacado -, qual seja, a de que o pagamento desta consubstancia ato unilateral do sacado, uma vez que inexiste a referida relação fundamental entre este e o sacador, a qual, consoante expendido, é requisito essencial do cheque.

Nesse sentido, o escólio de Fran Martins:

E a possível aproximação que se pudesse fazer do cheque com a letra de câmbio à vista, que também é pagável no ato de apresentação ao sacado, é destruída pelo fato de dever o cheque ser sacado contra banco que tem fundos disponíveis do emitente, havendo um acordo prévio para o pagamento desses fundos a ser feito através de cheques, enquanto que na letra de câmbio à vista o sacado não dispõe obrigatoriamente de provisão do sacador. Daí, na letra de câmbio, o sacado não ter o dever de pagar [...]

No cheque, essa relação fundamental (provisão do sacador em poder do sacado, com a convenção de ser devolvida tal provisão através do pagamento por cheques) é necessária para a configuração do instituto. Não houvesse provisão, estaria o sacado fazendo um empréstimo ao sacador, funcionando o cheque como verdadeiro título de crédito. Em virtude de haver a provisão, o fator crédito não funciona em relação ao emitente. [...] Em essência, entretanto, o cheque é simplesmente um instrumento de pagamento, por meio do qual o sacado devolve ao sacador as importâncias que detém desse, como depositário, convencionado que a retirada de tais importâncias seria feita através de cheques, em favor do próprio sacador ou de terceiros. (Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2010, p. 347)

 

Nessa ordem de ideias, é forçoso concluir que, por materializar uma ordem a terceiro para pagamento à vista, o seu momento natural de realização é a apresentação (art. 32), quando então a instituição financeira verifica a existência de disponibilidade de  fundos (art. 4º, § 1º), razão pela qual a apresentação é necessária, quer diretamente ao sacado quer por intermédio do serviço de compensação de cheques (art. 34).

Confira-se o magistério de Paulo Restiffe Neto em obra específica sobre o tema:

E, por se tratar de título de apresentação a terceiro para pagamento, que se caracteriza como ordem a ser cumprida exclusivamente por banco (banco sacado), conclui-se que o ato culminante sine qua non da realização normal do cheque é sua apresentação. E tanto isso é certo que, mesmo constando do cheque cláusula que dispensa do protesto (art. 50), tal concessão ao portador não o dispensa de proceder à apresentação do cheque ao banco sacado, para pagamento (§ 1º do art. 50 da Lei 7.357⁄1985). Mesmo porque a verificação da existência de fundos disponíveis, e, pois, também da ausência ou insuficiência de provisão, para todos os efeitos jurídicos, confina-se ao ato-momento da apresentação do cheque ao banco sacado para pagamento (art. 4º, § 1º, da Lei 7.357). (Lei do Cheque e novas medidas bancárias de proteção aos usuários. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 76)

 

Quanto à necessidade de apresentação do cheque ao sacado, expõe Wille Duarte Costa:

O cheque é pagável à vista, isto é, contra sua apresentação ao Banco sacado, sendo que seu pagamento depende da existência de fundos disponíveis. Como o cheque é documento necessário para o exercício do direito nele mencionado, sua apresentação ao Banco sacado é imprescindível, uma vez que, sem ela, o cheque não poderá ser pago.

Portanto, o cheque só será pago havendo fundos disponíveis e se for apresentado ao Banco sacado. Além disso, a apresentação há de ser feita com o original, pelo que não vale qualquer cópia, por mais perfeita que seja, mesmo  autenticada. Não importa o valor do cheque. Pequeno ou grande terá que ser apresentado ao sacado. (Títulos de Crédito. Belo Horizonte: Editora del Rey, 2008, p. 350-351)

 

A apresentação é, assim:

[...] ato culminante, formal e obrigatório, específico e apropriado, exercitável pelo titular (tradens) que se concretiza pela exibição do cheque, destinado à realização normal da ordem incondicional, que traz implícita a solicitação de pagamento à vista, conforme a natureza desse título quesível, a ser efetuado pelo sacado, da quantia em dinheiro indicada pelo emitente no próprio documento. O art. 33 não deixa dúvida ao complementar que "o cheque deve ser apresentado para pagamento, (...)" (grifamos). A apresentação assegura, como espécie de publicidade, na ordem, a priorodade de pagamento (art. 40 da Lei Interna) pelo banco sacado. (RESTIFFE NETO, Paulo. Op. Cit. p. 235)

 

4. De fato, a apresentação do cheque ao banco sacado é medida que se impõe ao seu pagamento pela instituição sacada ou mediante compensação, obedecendo ao prazo de 30 ou de 60 dias a depender do local de emissão (art. 33), sendo certo que tal prazo tem a função precípua de assegurar o direito de execução contra os codevedores do título, nos termos do art. 47 da Lei do Cheque:

Art . 47 Pode o portador promover a execução do cheque:

I - contra o emitente e seu avalista;

II - contra os endossantes e seus avalistas, se o cheque apresentado em tempo hábil e a recusa de pagamento é comprovada pelo protesto ou por declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia de apresentação, ou, ainda, por declaração escrita e datada por câmara de compensação.

 

Em seu parágrafo terceiro, esse mesmo dispositivo legal preconiza uma hipótese excepcional de perda do direito de execução contra o emitente quando este comprova que, na fluência do prazo de apresentação, havia numerário suficiente à quitação do débito, e só deixou de tê-lo por motivos a ele não atribuíveis, como sói ocorrer nos casos de liquidação extrajudicial ou falência do banco sacado depositário dos fundos:

§ 3º O portador que não apresentar o cheque em tempo hábil, ou não comprovar a recusa de pagamento pela forma indicada neste artigo, perde o direito de execução contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável.

 

Em suma, o transcurso in albis do prazo de apresentação gera para o beneficiário tão somente o efeito de impossibilitar a execução dos codevedores, conservando-se o seu direito de executar o emitente até que se consume o prazo prescricional, quando então o banco sacado não mais poderá receber nem processar o título, impelindo-o a se socorrer das vias ordinária ou monitória.

Em outras palavras, "a execução é possível desde que o cheque tenha sido apresentado dentro do prazo de prescrição - até seis meses depois do decurso do prazo de apresentação e o emitente não tinha fundos suficientes no prazo de apresentação, conforme § 3º do art. 47". (NEGRÃO, Ricardo, op. cit., p. 149)

É nesse sentido a norma contida na Súmula 600 do STF: "cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária".

Examinando os precedentes que deram origem ao mencionado verbete, verifica-se que eles versam sobre cheque que foi apresentado ao sacado para pagamento - mas posteriormente ao prazo legal -, e devolvido por insuficiência de fundos.

Cita-se à guisa de exemplo, entre muitos, o seguinte julgado:

CHEQUES. AÇÃO DE EXECUÇÃO. JUROS DITOS EXCESSIVOS. CERCEAMENTO DE DEFESA: INOCORRÊNCIA. NÃO HÁ DE SERACOLHIDO O ARGUMENTO DE CERCEAMENTO DE DEFESA SE AS PROVAS PRETENDIDAS PELO EXECUTADO, ORA RECORRENTE, ERAM PARA EXAME DAS DECLARAÇÕES DE BENS DO EXEQUENTE E PARA LEVANTAMENTO, EM BANCOS, DE SEU MOVIMENTO BANCÁRIO, QUANDO, ENTÃO, DEVERIA O EXECUTADO PROCURAR, PRIMEIRO, QUE HOUVESSE EXAME DE SUAS PRÓPRIAS DECLARAÇÕES E DO SEU PRÓPRIO MOVIMENTO BANCÁRIO, PARA DEMONSTRAR O QUEALEGARA. NÃO FOI NEGADO, NO ACÓRDÃO RECORRIDO, QUE PUDESSE A LIQUIDEZ E CERTEZA DO DÉBITO SER INFIRMADA, MAS SIM QUE AS PROVAS, TAL COMO PRETENDIA PRODUZI-LAS O RECORRENTE E QUE NÃO ERA CABÍVEL. POSSÍVEL A AÇÃO DE EXECUÇÃO CONTRA O EMITENTE DO CHEQUE E SUAS AVALISTAS, AINDA QUE NÃO APRESENTADO O CHEQUE, NO PRAZO LEGAL, DESDE QUE NÃO PRESCRITA A AÇÃO CAMBIÁRIA. É O QUE DIZ A SÚMULA 600-STF, APLICÁVEL AO CASO. (RE 101345, Relator(a):  Min. ALDIR PASSARINHO, Segunda Turma, julgado em 28⁄11⁄1986, DJ 13-02-1987)

 

Afasta-se, portanto, a incidência da referida súmula, porquanto não reflete a situação fática dos autos, que diz respeito à execução de cheque não apresentado ao sacado.

5. Com efeito, o beneficiário de cheque que não apresenta o título para adimplemento, via de regra, vê-se impossibilitado de promover a execução, haja vista que tal título não ostenta o requisito essencial da exigibilidade, que somente se dá com a comprovação da falta de pagamento, a qual pode ocorrer pelo protesto, por declaração do banco sacado ou da câmara de compensação.

Mais uma vez, traz-se à colação a lição de Paulo Restiffe Neto:

 exigibilidade é o pré-requisito de qualquer ação cambiária com fulcro em cheque. E, como título de apresentação a ser pago por terceiro, configura-se a exigibilidade com a formal recusa imotivada e sua devolução sem pagamento pelo sacado - o que, por sua vez, pressupõe tenha havido regular apresentação. Isso em razão da principal característica do cheque - repita-se -, de ordem incondicionada de pagamento à vista em dinheiro para ser executada por terceiro, o banco sacado, por conta do emitente (o emitente promete fato de terceiro), evidentemente sob responsabilidade funcional própria do adjectus. De modo que somente se e após frustrada aquela ordem a obrigação chéquica se torna exigível dos responsáveis cambiários, nos termos das disposições aplicáveis.

Seria absurdo que o portador de um cheque não apresentado a pagamento o levasse a protesto por falta de fundos ou o cobrasse executivamente dos obrigados sem que o sacado tenha, antes, recusado o pagamento e nem certificado esse fato, que pressupõe aapresentação bancária, que é manifestação típica, primária e inata a que se obriga de modo implícito o beneficiário ou o portador final (tradens) que, dando acolhida ao título, pretenda a realização de satisfação normal pelo banco sacado.

[...]

Só constituirá título executivo apto a instrumentalizar pretensão em ação cambiária de garantia o cheque que tenha transitado pelo rito formal prescrito na lei, isto é, tenha sido inarredavelmente apresentado ao banco sacado, e ter este aposto declaração do motivo do não atendimento à ordem de pagamento devolvida ao apresentante. (Op. Cit. p. 237)

 

6.  No caso concreto, não obstante seja incontroversa a absoluta falta de apresentação do cheque ao sacado, o Juízo singular consignou que (fl. 258):

[...] a preliminar de carência de ação, arguida pelo embargante, face à ausência de depósito do cheque junto ao banco não pode ser acolhida, já que na propositura da ação executiva foi juntado o comprovante de consulta do título junto a uma empresa especializada neste serviço (fls. 13), além disso, constam as declarações prestadas pelo próprio embargante de que solicitou a sustação do mesmo junto ao Banco Bradesco S⁄A, corroborada pelas declarações da funcionária daquela instituição financeira, como se vê às fls. 37⁄38.

Assim, tenho que despicienda tal formalidade, já que exaustivamente provado que o embargado, caso levasse o título a depósito junto ao banco, certamente teria o documento devolvido por sustação.

 

O acórdão prolatado em sede de apelação também registrou a existência de contra-ordem por parte do recorrente (fl. 379):

Como afirmado em linhas volvidas, o fato de não ter sido o cheque apresentado [...], máxime porque contra-ordenado seu pagamentoconsoante se lê do documento acostado à f. 08. Ou seja, o apelante emitiu cheque pós-datado e, logo em seguida à data marcada paraapresentação, contra-ordenou o seu pagamento, resultando inútil ao apelado qualquer tentativa de recebimento junto ao Banco sacado.

 

Ocorre que a sustação do cheque consubstancia fato impeditivo do seu pagamento pelo sacado, consoante se dessume do disposto nos arts. 35 e 36 da Lei do Cheque:

Art . 35 O emitente do cheque pagável no Brasil pode revogá-lo, mercê de contra-ordem dada por aviso epistolar, ou por via judicial ou extrajudicial, com as razões motivadoras do ato.

Parágrafo único - A revogação ou contra-ordem só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação e, não sendo promovida, pode o sacado pagar o cheque até que decorra o prazo de prescrição, nos termos do art. 59 desta Lei.

 

Art . 36 Mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em relevante razão de direito.

 

Dessarte, tendo a instância ordinária, que dispõe de ampla cognição fático-probatória, asseverado que o recorrente procedeu à sustação do cheque - o que ficou comprovado pela juntada aos autos de declaração da funcionária do banco sacado (fl. 258) -, ressoa inequívoca a inutilidade de prévia apresentação do título ao sacado, razão pela qual, ainda que por fundamento diverso, deve prevalecer a conclusão albergada pelo Tribunal a quo.

7. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2011⁄0158672-3


PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 1.315.080 ⁄ GO

 

Números Origem:  1639903520098090000  200400533609  200502166970  200901639901  4222004

 

 

 

PAUTA: 07⁄03⁄2013

JULGADO: 07⁄03⁄2013

 

 

Relator

Exmo. Sr. Ministro  LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES

 

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE

:

PAULO FERNANDO PINHEIRO RABELO - ESPÓLIO

REPR. POR

:

IVAN RABELO

ADVOGADOS

:

SÉRGIO REIS CRISPIM E OUTRO(S)

 

 

JOSÉ CARLOS ISSY E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

BENJAMIM BEZE JÚNIOR

ADVOGADO

:

EDUARDO URANY DE CASTRO E OUTRO(S)

 

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Títulos de Crédito - Cheque

 

SUSTENTAÇÃO ORAL

 

Dr(a). SÉRGIO REIS CRISPIM, pela parte RECORRENTE: PAULO FERNANDO PINHEIRO RABELO

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

 

 

Documento: 1214874

Inteiro Teor do Acórdão

 


 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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RECURSO ESPECIAL Nº 820.672 - DF (2006⁄0033681-3)

 

RELATOR

:

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

RECORRENTE

:

PROVER FOMENTO MERCANTIL LTDA

ADVOGADO

:

FLÁVIO EDUARDO WANDERLEY BRITTO E OUTRO

RECORRIDO

:

MARCO TÚLIO DE OLIVEIRA - MICROEMPRESA

ADVOGADO

:

VITOR HUGO PEREIRA DE OLIVEIRA E OUTRO

E M E N T A

 

CHEQUE - ENDOSSO - FACTORING - RESPONSABILIDADE DA ENDOSSANTE-FATURIZADA PELO PAGAMENTO.

- Salvo estipulação em contrário expressa na cártula, a endossante-faturizada garante o pagamento do cheque a endossatária-faturizadora (Lei do Cheque, Art. 21).

 

 

 

 

 

 

ACÓRDÃO

 

                Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade,  conhecer do recurso especial e  dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Ari Pargendler e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 06 de março de 2008 (Data do Julgamento).

 

 

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

Relator

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 820.672 - DF (2006⁄0033681-3)

RELATÓRIO

 

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Prover Fomento Mercantil Ltda. promoveu execução de cheques contra Genilza Alves de Oliveira e Marco Túlio de Oliveira - ME (fls. 39⁄46).

A segunda executada opôs exceção de pré-executividade (fls. 58⁄61).

Após impugnação da exequente, o MM. Juiz de Direito da Décima Sexta Vara Cível de Brasília acolheu a exceção e excluiu a excipiente da execução por ilegitimidade passiva (fls. 120⁄122).

Veio agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo.

A e. Relatora, Desembargadora Vera Andrighi, indeferiu o efeito ativo ao recurso (fls. 130⁄132).

A Quarta Turma Cível do TJDFT negou provimento ao agravo. Eis a ementa do acórdão:

 

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. FACTORING. LEGITIMIDADE PASSIVA. GARANTIA.

I – O faturizado é ilegítimo para ocupar o pólo passivo da ação de execução ajuizada pela empresa de factoring, a qual responde pelos riscos inerentes à atividade que pratica.

II – A assinatura do faturizado no verso do título significa cessão de crédito, onerosa e desvinculada do negócio jurídico originário, por isso não é garantia de pagamento do débito.

III – Agravo conhecido, preliminar rejeitada e improvido." (fl. 151).

 

Os embargos declaratórios opostos foram rejeitados.

Daí o recurso especial. A recorrente reclama de violação aos Arts. 17, 18, 21 e 51, da Lei do Cheque e ao Art. 914, § 1º, do CC⁄02. Também aponta divergência jurisprudencial com julgados do Tribunal da Alçada do Paraná e do Tribunal de Justiça de São Paulo. Em suma, alega que:

- o acórdão recorrido "viola o princípio da literalidade dos títulos de crédito quando impede que o conteúdo do texto lançado nos cheques seja cumprido." (fl. 206).

- a própria Lei do Cheque prevê a responsabilidade do endossante;

- "(...) se a Lei do Cheque e demais leis reguladoras prevêem a responsabilidade do Endossante, não pode ser diferente quando a endossatária for uma empresa de Factoring, caso contrário, o julgador estaria incorrendo em verdadeira discriminação em relação à atividade exercida por essas empresas." (fl. 210).

Após contra-razões (fls. 232⁄235), o recurso foi admitido (fls. 237⁄238).

RECURSO ESPECIAL Nº 820.672 - DF (2006⁄0033681-3)

CHEQUE - ENDOSSO - FACTORING - RESPONSABILIDADE DA ENDOSSANTE-FATURIZADA PELO PAGAMENTO.

- Salvo estipulação em contrário expressa na cártula, a endossante-faturizada garante o pagamento do cheque a endossatária-faturizadora (Lei do Cheque, Art. 21).

 

VOTO

 

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): O voto condutor do acórdão recorrido concluiu:

 

"Assim, a assinatura do faturizado no verso do título significa cessão de crédito, onerosa e desvinculada do negócio originário, por isso não é garantia de pagamento do débito." (fl. 159).

 

Tanto o Tribunal de Justiça, quanto o Juiz de primeira instância, louvaram-se na natureza do contrato de factoring. O fundamento principal é que se trata dum contrato de risco e, por isso, o faturizador não tem direito de regresso contra o faturizado.

O cheque é regido por lei especial (Lei 7.357⁄85), o que afasta as disposições sobre títulos de crédito contidas no Código Civil de 2002 (CC⁄02, Art. 903). Quanto à garantia representada pelo endosso, o Art. 21 da Lei do Cheque é claro:

 

"Art. 21. Salvo estipulação em contrário, o endossante garante o pagamento."

 

A Lei é mais que explícita: quem endossa garante o pagamento do cheque. Seja o endossatário quem for! A Lei não fez exclusões! Portanto, não cabe criar exceções à margem da Lei! Pouco importa se o endossatário do título for uma sociedade de fomento mercantil ou um banco ou uma pessoa física. Isso não diminuirá a garantia gerada pelo endosso. Data vênia, basta a simples leitura da Lei para resolver a questão.

O endossatário somente se exime da garantia do pagamento do cheque se expressamente o fizer na cártula. Aliás, nem se diga que os princípios da cartularidade, literalidade, abstração e autonomia são antigos e ultrapassados, pois foram expressamente incorporados ao nosso Código Civil de 2002 como prova de que continuam presentes no sistema cambiário nacional. Portanto, vale dizer: salvoestipulação em contrário expressa na cártula, a endossante-faturizada garante o pagamento do cheque a endossatária-faturizadora.

Além disso, também cabe menção ao argumento de que o fomento mercantil é baseado num contrato de risco e, por isso, o faturizador não pode ter garantias do recebimento dos títulos comprados. Data vênia, a meu ver, esse argumento não vinga, porque, primeiramente, não há Lei que impute esse risco ao faturizador. Ao contrário, risco muito maior assume quem endossa um cheque, pois a Lei expressamente o coloca na condição de garante do pagamento do valor estampado na cártula. Quem compra título endossado coloca-se em situação até confortável, pois tem opções de cobrança. Corre risco quem endossa cheque, porque passa a figurar na condição de co-devedor.

Convém relembrar que, apesar de já existirem alguns projetos de lei em andamento no Congresso Nacional, o fomento mercantil não tem regulação jurídica própria em nosso País. Assim, sob o ponto de vista legal, as sociedades empresárias de fomento mercantil estão sujeitas aos mesmos direitos e obrigações que qualquer outra sociedade que explore outra atividade empresarial. Não há razão paradistinção. Em suma: a exclusão da garantia do endosso às sociedades de fomento mercantil é incompatível com os princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa e da legalidade.

Em que pesem as respeitáveis opiniões doutrinárias, em nosso sistema jurídico doutrina não revoga Lei. O secular e internacional instituto do endosso não pode ser abolido ou mitigado por construção doutrinária sem respaldo legal.

Tenho percebido que a jurisprudência tem feito restrições cambiais à atividade de fomento mercantil. Com todo respeito, não entendo o porquê das limitações feitas a tal atividade empresarial, pois a Lei não as faz. Trata-se de negócio lícito, mesmo porque não é proibido. Tal atividade, inclusive, possibilita a sobrevivência de muitas micro e pequenas empresas mediante a negociação imediata de créditos que demorariam certo tempo para ingressarem no caixa das faturizadas-clientes caso não fosse a atividade empresarial das faturizadoras. É verdade que o faturizador compra o título de crédito com abatimento pelo valor de face, mas esse é justamente lucro perseguido nessa empresa (atividade), que não pode ser discriminada pelos Tribunais. Não se pode perder de vista que a livre iniciativa é fundamento da República Federativa do Brasil (CF, Art. 1º, IV).

Também é importante atentarmos para possíveis fraudes que podem ser realizadas contra os faturizadores em decorrência desse raciocínio adotado pelo TJDFT. Ao se negar ao faturizador o direito de regresso decorrente do endosso é possível que se esteja a chancelar uma fraude (vulgo calote) decorrente de possível conluio entre emitente do título e faturizado. Perceba-se que alguém pode sacar títulos frios em benefício do faturizado já com prévia intenção de frustar-lhes o cumprimento (p. ex.: por contra-ordem ao banco sacado, no caso do cheque). Daí o faturizador, que pagou pelo título garantido pela segurança do endosso, fica frustrado por umentendimento jurisprudencial louvado em opiniões doutrinárias sem qualquer aparo legal.

No julgamento do REsp 612.423⁄DF fiquei vencido mas, data vênia, não fui convencido. Peço vênia para fazer citar trecho daquele voto-vista, que tem alguma relação com o caso em exame:

 

"O fato do cheque ter sido objeto de operação de factoring não desnatura o valor cambial do título ou lhe diminui a autonomia e abstração. Lembre-se que o factoring não possui regime jurídico próprio no direito pátrio. Não há delimitação jurídica dos efeitos de tal operação, que, na verdade, é feita à base de institutos jurídicos próprios. Assim, não podemos desconsiderar a eficácia duma relação cambial pelo simples fato de se ter ocorrido uma operação de factoring, que não possui qualquer efeito jurídico legal capaz de elidir a relação cambial.

Na prática, em linhas muito simples, o fomento mercantil, na faceta abordada nesse caso, consiste na compra de títulos de crédito com um deságio sobre o valor de face da cártula. Essa compra acaba se perfazendo com uso de institutos jurídicos conhecidos, que possuem efeitos próprios.

Vejamos algumas situações práticas:

(...)

(2) O faturizador recebe um título de crédito nominativo por endosso. Nessa situação, temos um instituto jurídico com efeitos cambiais próprios, que não podem ser afastados pela operação de factoring. Vale dizer: a eficácia da relação cambial decorrente do endosso não se abala pela operação de fomento mercantil, porque a realização de contrato entre faturizado e faturizador não afeta a eficácia do endosso passado no título de crédito. Aqui, por força da circulação do título por endosso, com maior razão só será viável a oposição de exceções pessoais que o sacador tenha contra o faturizador e não contra o beneficiário originário. Note-se que, inclusive, o faturizadopode, a depender do tipo de endosso (com ou sem garantia), excluir sua responsabilidade (LUG, Art. 15)."

 

No caso, a faturizada, ora recorrida, endossou em preto cheques à faturizadora, ora recorrente. Inclusive, o endosso é expresso a assumirresponsabilidade por regresso. Consta expressamente no dorso da cártula:

 

"Endosso plenamente, com os efeitos jurídicos de regresso cambial, o presente título de crédito extrajudicial à Prover Fomento Mercantil Ltda." (fl. 51).

 

Ora, além de tudo, no caso, a atitude da faturizada, ora recorrida, beira à má-fé, porque endossou - garantindo expressamente o pagamento - e depois buscou excluir judicialmente sua responsabilidade contra a literal disposição do Art. 21 da Lei do Cheque. No mínimo, não houve apreço ao princípio da boa-fé objetiva.

Obviamente a garantia do regresso decorrente do endosso reflete nos valores de compra do título de crédito. Tem maior valor o título de crédito garantido pelo endosso, porque representa maior segurança de recebimento para a faturizadora. Em resenha: o interesse e o valor de compra do título de crédito estão diretamente ligados à garantia do pagamento. Isso também não pode ser desprezado na análise dequestões sobre factoring.

Em conclusão, o entendimento adotado pelo Juiz e pelo Tribunal não possui, data vênia, qualquer apoio legal. Apesar das diversas citações doutrinárias, não houve menção a qualquer dispositivo de Lei que lastreasse a posição adotada pelo Tribunal a quo. Na verdade, a Lei tem solução contrária à posição assumida.

A meu ver, reiterada vênia, o acórdão recorrido violou a própria literalidade da Lei, porque louvou-se apenas em opiniões doutrinárias e ignorou solenemente o texto da Lei do Cheque que trata explicitamente da questão em foco.

Por fim, quero apenas deixar um alerta: devemos mais atenção às Leis, porque elas são a fonte primária do Direito. A doutrina - não se nega - tem relevante papel, porém, data vênia, até a mais respeitável opinião acadêmica não pode sobrepor à Lei.

Dou provimento ao recurso especial para determinar a reinclusão da recorrida no pólo passivo da execução.

 

 

ERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2006⁄0033681-3

REsp 820672 ⁄ DF

 

 

 

Números Origem:  20030110064243  20040020096267

 

PAUTA: 15⁄05⁄2007

JULGADO: 06⁄03⁄2008

 

 

Relator

Exmo. Sr. Ministro  HUMBERTO GOMES DE BARROS

 

Ministra Impedida

Exma. Sra. Ministra  : 

NANCY ANDRIGHI

 

 

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI

 

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO

 

Secretária

Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE

:

PROVER FOMENTO MERCANTIL LTDA

ADVOGADO

:

FLÁVIO EDUARDO WANDERLEY BRITTO E OUTRO

RECORRIDO

:

MARCO TÚLIO DE OLIVEIRA - MICROEMPRESA

ADVOGADO

:

VITOR HUGO PEREIRA DE OLIVEIRA E OUTRO

 

ASSUNTO: Comercial - Títulos de Crédito - Cheque

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Ari Pargendler e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

 

 

Brasília, 06  de março  de 2008

 

 

 

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

Secretária

 

Documento: 759980

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 01/04/200

 


 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.087 - MG (2009⁄0191534-6)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

BANCO SANTANDER BRASIL S⁄A

ADVOGADO

:

MELISSA ZORZI LIMA VIANNA E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

KAIUSS CALHEIROS VALENTE DE BARROS

ADVOGADO

:

LUIZ ROBERTO DE C. VALENE DE BARROS

 

EMENTA

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO DE CHEQUE SEM FUNDOS. PRÉVIO REQUERIMENTOADMINISTRATIVO DO ENDEREÇO DO EMITENTE. DESCABIMENTO. AÇÃO DE EXIBIÇÃO EM FACE DO BANCO PARA QUE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EXIBA O DOCUMENTO DE CADASTRO DO EMITENTE DO CHEQUE. POSSIBILIDADE. MULTA COMINATÓRIA. INVIABILIDADE.

1. A atividade bancária, dada sua relevância econômico-social, sofre intervenção direta e indireta do Estado, consoante manifesto interesse público que a envolve, submetendo-se à Lei 4.595⁄64 e a normatização do Conselho Monetário Nacional e Banco Central.

2. O acórdão recorrido consignou que a cártula de cheque foi devolvida pelo denominado "motivo 11", o que, nos termos do artigo 4º daCircular 2.989⁄2000, da Diretoria colegiada do Banco Central, vigente à época dos fatos, impunha à instituição financeira que prestasseinformação acerca do endereço do emitente.

3. Tendo em vista que os artigos 339 a 341 do Código de Processo Civil impõem a terceiros o dever de colaboração com o Judiciário, ofornecimento de informações de natureza cadastral aos credores da obrigação cambiária é feito em benefício do direito fundamental deação, da função social do contrato, do sistema de crédito e da economia, da adequada utilização do cheque, que contribui para oaperfeiçoamento do sistema financeiro, da proteção do credor de boa-fé e da solução rápida dos conflitos, não podendo o Bancoacobertar o devedor.

4. Como é cediço, a sentença proferida na ação de exibição, proposta em face de terceiro, tem caráter mandamental, não cabendo aimposição de astreintes, mas pode ser fixado prazo para que o requerido exiba o documento vindicado, sob pena de ser determinada a expedição de mandado de busca e apreensão.  É bem por isso que orienta a Súmula 372⁄STJ que, na ação de exibição de documentos,não cabe a aplicação de multa cominatória.

 

5. Recurso especial parcialmente provido para afastar a multa cominatória.

 

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir,  A Quarta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

 

Brasília (DF), 17 de abril de 2012(Data do Julgamento)

 

 

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.087 - MG (2009⁄0191534-6)

 

RECORRENTE

:

BANCO SANTANDER BRASIL S⁄A

ADVOGADO

:

MELISSA ZORZI LIMA VIANNA E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

KAIUSS CALHEIROS VALENTE DE BARROS

ADVOGADO

:

LUIZ ROBERTO DE C. VALENE DE BARROS

 

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Kaiuss Calheiros Valente de Barros ajuizou ação de exibição de documentos em face do Banco Santander Brasil S⁄A. Narra que, prestando serviços de despachante, recebeu cheque, por meio de endosso, em pagamento, que foi devolvido pelo réu, por falta de de fundos. Afirma que o Banco se recusa a lhe fornecer o endereço do emitente do cheque, alegando sigilo bancário. Sustenta que a Circular do Banco Central 2.989, de 28 de junho de 2000, impõe aos bancos que forneçam as informações necessárias à preservação dos direitos creditórios dos beneficiários de cheque. Requer seja determinado ao réu que forneça o endereço residencial e comercial de seu cliente.

O Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora - MG julgou procedentes os pedidos formulados na inicial.

O autor e o réu interpuseram apelações para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que  deu provimento apenas ao recurso do demandante, para majorar os honorários sucumbenciais.

A decisão tem a seguinte ementa:

AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - DEVOLUÇÃO DE CHEQUE - INFORMAÇÃO SOBRE O ENDEREÇO DO CORRENTISTA - MULTA COMINATÓRIA - POSSIBILIDADE - LIMITAÇÃO TEMPORAL - INTEGRAÇÃO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS - VALOR ÍNFIMO - MAJORAÇÃO.

O beneficiário ou portador de cheque devolvido possui interesse de agir para ajuizar ação de exibição de documentos contra o banco sacado, visando obter informação acerca do endereço do correntista, de molde a exercer seu direito creditício, conforme Circular 2.989 do Banco Central do Brasil. Em virtude de fixar a decisão proferida obrigação de fazer, é possível a cominação de multa diária por descumprimento, consoante o disposto no art. 461, §4º, do CPC, como forma de garantir a efetividade do provimento jurisdicional proferido. A multa diária deve, contudo, ser limitada, de modo a evitar que seja devida indefinidamente, o que se mostra incompatível com o princípio que veda o enriquecimento sem causa. Se os honorários advocatícios sucumbenciais forem arbitrados em valor ínfimo deve a verba ser majorada para que os advogados tenham remuneração e valorização pelo trabalho realizado.

 

Inconformado com a decisão colegiada, o réu interpôs recurso especial, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal sustentando violação aos artigos 355, 359, 363, 381, 382, 845 do Código de Processo Civil e 188 do Código Civil.

Afirma que o recorrido não demonstrou ter feito solicitação formal dos documentos vindicados e que não estão presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Alega que o acórdão recorrido está embasado na Circular do Banco Central de número 2.989, todavia ela só impõe o fornecimento do endereço, em caso de sustação do cheque, por oposição ao pagamento, que é indicado como "motivo 21".

Sustenta que, no caso, houve devolução por insuficiência de fundos, que corresponde ao "motivo 12" e que, por isso, não há dever de fornecimento das informações solicitadas.

Argumenta que não há previsão para imposição de multa, em decisões que determinam a exibição de documentos.

Não houve oferecimento de contrarrazões.

O recurso especial foi admitido.

É o relatório.

 

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.087 - MG (2009⁄0191534-6)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

BANCO SANTANDER BRASIL S⁄A

ADVOGADO

:

MELISSA ZORZI LIMA VIANNA E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

KAIUSS CALHEIROS VALENTE DE BARROS

ADVOGADO

:

LUIZ ROBERTO DE C. VALENE DE BARROS

 

EMENTA

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO DE CHEQUE SEM FUNDOS. PRÉVIO REQUERIMENTOADMINISTRATIVO DO ENDEREÇO DO EMITENTE. DESCABIMENTO. AÇÃO DE EXIBIÇÃO EM FACE DO BANCO PARA QUE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EXIBA O DOCUMENTO DE CADASTRO DO EMITENTE DO CHEQUE. POSSIBILIDADE. MULTA COMINATÓRIA. INVIABILIDADE.

1. A atividade bancária, dada sua relevância econômico-social, sofre intervenção direta e indireta do Estado, consoante manifesto interesse público que a envolve, submetendo-se à Lei 4.595⁄64 e a normatização do Conselho Monetário Nacional e Banco Central.

2. O acórdão recorrido consignou que a cártula de cheque foi devolvida pelo denominado "motivo 11", o que, nos termos do artigo 4º daCircular 2.989⁄2000, da Diretoria colegiada do Banco Central, vigente à época dos fatos, impunha à instituição financeira que prestasseinformação acerca do endereço do emitente.

3. Tendo em vista que os artigos 339 a 341 do Código de Processo Civil impõem a terceiros o dever de colaboração com o Judiciário, ofornecimento de informações de natureza cadastral aos credores da obrigação cambiária é feito em benefício do direito fundamental deação, da função social do contrato, do sistema de crédito e da economia, da adequada utilização do cheque, que contribui para oaperfeiçoamento do sistema financeiro, da proteção do credor de boa-fé e da solução rápida dos conflitos, não podendo o Bancoacobertar o devedor.

4. Como é cediço, a sentença proferida na ação de exibição, proposta em face de terceiro, tem caráter mandamental, não cabendo aimposição de astreintes, mas pode ser fixado prazo para que o requerido exiba o documento vindicado, sob pena de ser determinada a expedição de mandado de busca e apreensão.  É bem por isso que orienta a Súmula 372⁄STJ que, na ação de exibição de documentos,não cabe a aplicação de multa cominatória.

 

5. Recurso especial parcialmente provido para afastar a multa cominatória.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. A primeira questão controvertida consiste em saber se é necessária a solicitação administrativa ao Banco do endereço do emitente de cheque sem fundos, para caracterizar o interesse de agir visando ajuizamento da ação de exibição.

A sentença consignou:

As partes são legítimas, há interesse de agir, já que a medida é útil na medida em que trará benefício ao autor, necessária, já que sem aintervenção judicial não poderia ser alcançado o que se pede, e o pedido, por sua vez, é juridicamente possível, tratando-se de medida cautelar de exibição de documentos. O "fumus boni iuris" está presente, uma vez que o autor é credor, e sendo  o cheque um título de crédito circular. O "periculum in mora" resta caracterizado, uma vez que o devedor se furtou do pagamento até o momento, e permanecendo a situação, maiores prejuízos serão acarretados ao credor, dando assim, causa a presente ação.

Diante disso, verifico que o fim da ação não fere o princípio constitucional, pelo simples fato de que os documentos pleiteados se referem a dados identificadores da pessoa. Conforme a Circular nº 2.989 do BACEN a instituição financeira deverá fornecer o endereço residencial e comercial do emitente do título.

Isto posto, JULGO PROCEDENTE A AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS, e condeno o Banco réu a apresentar a documentação que comprove o endereço do emitente do cheque, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa diária de R$100,00 (cem reais). (fls. 57-58)

 

 

O acórdão recorrido dispôs:

Trata a espécie em questão de uma medida cautelar que compreende a pretensão do autor, ora primeiro apelante, de exigir a exibição dedocumentos, buscando seja o Banco réu compelido à apresentação de dados referentes ao endereço da correntista desta instituição, que emitiu cheque, sem provisão de fundos.

Inicialmente, cumpre ressaltar não haver necessidade de prova nos autos de que a solicitação teria sido feita formalmente. Tenho que tal fato também não retira do autor seu interesse de agir, pois, para a exibitória, exigível é a recusa, que, se não manifestada por escrito, configura prova negativa, praticamente impossível de ser feita.

Ademais, tal exigência já vem, desde muito, sendo mitigada pela jurisprudência, pois a própria instituição é beneficiada por não promover a recusa por escrito.

Além disso, o Código de Processo Civil exige somente que o requerente individualize bem o documento a ser apresentado, a finalidade da prova e as circunstâncias em que se funda para afirmar que o documento se encontra em poder da parte contrária.

[...]

Conforme o inciso II do artigo 844 do Código de Processo Civil, não é todo e qualquer documento que se pode pretender a exibição. O documento há de ser próprio, isto é, pertencente ao autor, ou comum, ligado a uma relação jurídica de que participe o autor. Documento comum não é apenas o que pertence indistintamente a ambas as partes, mas também o que se refere a uma situação jurídica que envolva ambas as partes, ou uma das partes e terceiro.

[...]

Ressalte-se, ainda, que o colendo SUPERIOR TRIBUNAL JUSTIÇA tem entendido que mesmo que o documento não seja próprio ou comum, o terceiro tem o dever de exibi-lo, eis que a enumeração do inciso II do art. 844, do Código de Processo Civil, é meramente exemplificativa:

 

"PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO EM PODER DE TERCEIRO. ART. 844, II, DO CPC.PRECEDENTES. (...) 2. O art. 844, II, do CPC estatui que "tem lugar, como procedimento preparatório, a exibição judicial de documento próprio ou comum, em poder de co-interessado, sócio, condômino, credor ou devedor; ou em poder de terceiro que o tenha em sua guarda, como inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios". 3. "Em tema de terceiro e exibição, cumpre lembrar a parte final do inciso II, do art. 844, ora em exame. Mesmo que o documento não seja próprio ou comum, o terceiro tem o dever de exibi-lo se sob sua custódia ou guarda. A enumeração da lei a esse respeito (com menção a inventariante, testamenteiro, depositário ou administrador de bens alheios) exibe, não há dúvida, natureza meramente exemplificativa" (REsp 827326⁄MG, Rel. Ministro José Delgado, J. 18⁄05⁄06, DJ 08⁄06⁄06 p. 152).

 

In casu, verifica que os dados da emitente do cheque, são necessários à defesa dos direitos do devedor, ora autor, e que estão na posse do banco, ora réu, são comuns às partes, enquadrando-se no conceito de documento comum do inciso I, do art. 844, II, do Código de Processo Civil.

A necessidade do autor de ter acesso ao endereço da emitente do cheque é inconteste, na medida em que somente de posse de tal dado poderá ajuizar a competente ação de cobrança.

Por sua vez, também não há dúvida de que o banco réu possui tal informação, pois, com certeza, constam no cadastro informatizado quando da abertura da conta corrente.

Assim, entendo ser dever do réu exibir o endereço da emitente do cheque, aos casos em que há devolução de cheque sem fundos, em que os beneficiários ou portadores do título têm o direito de obter, junto ao banco sacado, informações sobre o emitente, de molde a lhes assegurar os direitos creditícios.

Além disso, tal pretensão encontra respaldo no art. 4º, da Circular do Banco Central do Brasil 2.989⁄00, que determina que a instituição bancária deve prestar as informações solicitadas pelo beneficiário ou portador do cheque, que tem como objetivo obter o endereço do emitente do cheque sem fundo para propor futura ação para recebimento de seu crédito, in verbis:

"Art. 4º Para efeito do disposto no art. 25 do Regulamento anexo à Resolução 1.631, de 1989, com a redação dada pela Resolução 1.682, de 1990, as instituições financeiras depositárias de recursos em contas de depósitos à vista devem prestar as seguintes informações, no caso de cheque devolvido pelos motivos 11 a 14, 21, 22 e 31, mediante solicitação formal do interessado e observadas as demais condições previstas neste artigo:

I - nome completo e endereços residencial e comercial do emitente, conforme constarem da ficha-proposta; (...) Parágrafo 1º As informações referidas neste artigo somente podem ser prestadas: I - ao beneficiário, caso esteja identificado no cheque, ou a mandatário legalmente constituído;

II - ao portador, em se tratando de cheque para o qual a legislação em vigor não exija identificação do beneficiário e que não contenha referida identificação".

 

Assim, considerando que o cheque de f. 07, do qual o primeiro apelante é credor, foi devolvido pelo banco réu pelo motivo 11, possui o banco segundo apelante a obrigação legal de exibir o endereço da emitente do cheque, constando esta informação no contrato de abertura de crédito de conta-corrente e respectivo comprovante de endereço, pois, como sabido por experiência comum, entre os documentos exigidos para a abertura de conta corrente está o comprovante de endereço.

Ademais, nem se argumente que a exibição do endereço da correntista implicaria em violação ao seu sigilo bancário, na medida em que éperfeitamente possível ao réu fornecer apenas o respectivo endereço, sem qualquer informação acerca da situação financeira da emitente, seja por meio de impressão apenas desse dado constante do cadastro informatizado, como pela apresentação do contrato de conta corrente com uma venda nos demais dados.

[...]

Já no que tange a aplicação de multa diária, cumpre salientar que apesar de ter ciência acerca da existência de alguma divergência sobre sua aplicação para o caso de descumprimento da exibição de documentos determinada, alinho-me àqueles que entendem possível sua fixação para casos de descumprimento de sentença cautelar em que se determina a exibição de documentos, não configurando a aplicação de multa diária em reformatio in pejus, mas tão-somente determinação para que a decisão seja cumprida, pois, caso contrário, seria inócua.

Isto porque não há como negar a natureza mandamental da sentença proferida em tal ação, que fixa obrigação de fazer ao réu condenado, qual seja, a exibição dos documentos pretendidos, motivo pelo qual perfeitamente cabível a cominação de multa diária com a finalidade de garantir a eficácia da decisão proferida, conforme art. 461, §4º, CPC.

[...]

No que se refere ao arbitramento do valor da multa cominatória, deve o juiz levar em consideração as contingências factuais da lide, pois tal fixação não pode causar o enriquecimento sem causa e não assume outro caráter senão o de constranger o banco, ora recorrente, a cumprir a obrigação estabelecida pelo douto magistrado.

Dessa forma, a multa cominatória deve ser mantida, posto que revestida de caráter coercitivo, presta-se a obrigar a parte a cumprir a tutela específica concedida, não podendo desconsiderar que foi determinada em face de uma grande instituição bancária que opera com ganhos vultuosos e descomunais e não se faz justiça e nem se cumpre com a finalidade impor uma multa irrisória que em nada diminui o seu patrimônio, configurando apenas uma sanção simbólica.

Com efeito, como o parágrafo 4º do artigo 460 do CPC faculta ao juiz que a estipule em "prazo razoável para o cumprimento do preceito", tem-se que o tempo para seu cumprimento está adstrito ao poder discricionário do juiz, que o assinará com prudência e cautela, considerando as características do caso concreto submetido à sua apreciação, para fins de cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor.

Quanto ao prazo fixado pela r. sentença recorrida, para atendimento da determinação judicial, tenho ser suficiente e apto a propiciar ao banco réu todas as providências necessárias ao cumprimento da medida, não se justificando dilação para a exibição, conforme pleiteado, por se mostrar bastante razoável.

Contudo, baseando-se nas circunstâncias do caso, verifico que deve ser imposta limitação temporal para a penalidade de multa, não sendo possível que ela perdure até que a ordem judicial seja cumprida, sob pena de propiciar o enriquecimento sem causa do beneficiário.

Nestes termos, nego provimento ao segundo recurso, a fim de manter a condenação do banco réu à exibição do documento pleiteado na inicial, no prazo judicial fixado, a contar de sua intimação pessoal, no primeiro grau, após o trânsito em julgado deste acórdão, para manter a r. sentença recorrida, mas integro de ofício seu dispositivo para, em complemento dele constar: sob pena de multa diária, que fixo em cem reais ao dia, limitada a sessenta dias-multa, a partir da extrapolação do prazo fixado em primeira instância, sem cumprimento do preceito. (fls. 92-102)

 

Em que pese a moldura fática não esclarecer com segurança se houve a prévia solicitação administrativa do endereço ao Banco, isso é irrelevante para o deslinde da causa, pois, conforme precedentes do STJ, as informações de clientes em poder do banco, mesmo que não digam respeito à movimentação bancária, só podem ser obtidas por intermédio do Poder Judiciário:

PENAL. PROCESSUAL. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES BANCARIAS PELO MINISTERIO PUBLICO. SIGILO BANCARIO. "HABEAS CORPUS". RECURSO.

1. QUALQUER INFORMAÇÃO EM PODER DE ESTABELECIMENTOS BANCARIOS, MESMO QUE NÃO DESCREVA MOVIMENTAÇÃO BANCARIA, DEVE SER OBTIDA ATRAVES DO PODER JUDICIARIO.

2. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO FACE AO ABUSO DE PODER DA AUTORIDADE COATORA.

3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO; ORDEM CONCEDIDA PARA QUE SE EXPEÇA O DEVIDO SALVO-CONDUTO.

(RHC 5065⁄MG, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, julgado em 19⁄03⁄1996, DJ 29⁄09⁄1997, p. 48228)

 

Nesse mesmo diapasão, é oportuna a menção aos Embargos de Declaração no RMS 25.375-PA:

 

PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL. DADOS CADASTRAIS OBTIDOS JUNTO AO BANCO DE DADOS DO SERPRO. INEXISTÊNCIA DE SIGILO FISCAL OU BANCÁRIO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I - São cabíveis embargos declaratórios quando houver na decisão embargada qualquer contradição, omissão ou obscuridade a ser sanada.

Podem também ser admitidos para a correção de eventual erro material, consoante entendimento preconizado pela doutrina e jurisprudência, sendo possível, excepcionalmente, a alteração ou modificação do decisum embargado.

II - Inviável, entretanto, a concessão do excepcional efeito modificativo quando, inexistindo qualquer alegação de ocorrência de contradição, omissão ou obscuridade na decisão embargada, é nítida a pretensão de discutir matéria já apreciada.

III - Não estão abarcados pelo sigilo fiscal ou bancário os dados cadastrais (endereço, n.º telefônico e qualificação dos investigados) obtidos junto ao banco de dados do Serpro.

Embargos parcialmente acolhidos, com efeitos infringentes, para dar parcial provimento ao recurso.

(EDcl no RMS 25.375⁄PA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18⁄11⁄2008, DJe 02⁄02⁄2009)

 

No mencionado  precedente, relatado pelo eminente Ministro Felix Fischer, Sua Excelência dispôs:

De fato, as informações referentes a endereço, n.º de telefone e qualificação jurídica dos representados - ou seja, seus dados cadastrais -, constantes em banco de dados administrados pelo Serpro, não possuem sigilo fiscal e bancário.

É importante ressaltar que a presente situação não é idêntica àquela em que se busca a obtenção de dados cadastrais de titular de conta bancária através de instituições bancárias. Nesta hipótese, os dados cadastrais estão protegidos por sigilo bancário, porque estão vinculados a conta bancaria (RMS 15599⁄SP, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, DJU de 18⁄04⁄2005; RHC 5065⁄MG, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU de 29⁄09⁄1997), e portanto sua obtenção deve ser precedida de autorização judicial. O mesmo ocorre na situação em que são solicitados dados cadastrais de clientes à empresas privadas. Isso porque os dados são fornecidos à empresa pelo cliente por razões contratuais, de forma reservada, e, portanto, estão protegidos por sigilo (RHC 8493, 6ª Turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 02⁄08⁄1999).

No presente caso, contudo, tratam-se de dados cadastrais obtidos pelo Ministério Público junto ao Serpro sem a existência de vínculo entre as informações dos representados com seus dados bancários ou relações contratuais privadas. Não vislumbro, portanto, a ilegalidade na obtenção direta destas informações pelo Ministério Público, motivo pelo qual, neste ponto, a decisão atacada merece reparo.

 

 

3. A par disso, cabe ser apreciado se é possível imposição ao Banco para  que forneça o endereço constante no cadastro da cliente, que emitiu cheque sem fundos.

A atividade bancária, dada sua relevância econômico-social, sofre intervenção direta e indireta do Estado, sobretudo diante do manifesto interesse público que a envolve, submetendo-se à Lei 4.595⁄64 e à normatização do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central:

A atividade financeira e bancária no Brasil é regida pela Lei de Reforma Bancária - Lei nº 4.595⁄1964 e normatizada pelas resoluções do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional.

No entanto, analisando a legislação brasileira que reformulou o sistema bancário, disse Arnoldo Wald: "O banco participa de um verdadeiro serviço público de distribuição de crédito que tem sido defendido pela jurisprudência e pela doutrina no exterior, mas se justifica no Brasil pelo texto expresso da Lei de Reforma Bancária, que define o Sistema Financeiro Nacional, nele integrando, além do Conselho Monetário Nacional e dos bancos oficiais, as demais instituições financeiras públicas e privadas (Lei nº 4.595, de 31.12.1964). Essa idéia se consolidou e se desenvolveu com a legislação posterior sobre intervenção e liquidação das instituições financeiras (Lei nº6.024, de 13.03.1974) e sobre utilização do Imposto de Operações Financeiras (Decreto-lei nº 1.342, de 18.08.1974).

[...]

O mestre Modesto Carvalhosa assinalou a submissão do Direito Bancário às normas do Direito Privado e também do Direito Público, representado pelo Direito Econômico, ou seja, "o conjunto de normas que, com um conteúdo de economicidade, vincula-se as entidades econômicas, privadas e públicas, aos fins constitucionais cometidos à ordem econômica, conciliando, ademais, os conflitos de interesse entre esses fins e os objetivos próprios e naturais das entidades econômicas privadas na condução das suas disponibilidades dedispêndio, investimentos e empreendimentos; objetivos estes assegurados pelo princípio constitucional da livre iniciativa".

[...]

A atividade bancária constitui, com efeito, um setor básico da economia, condicionante de outros setores de atividade. Não é, pois, de admirar que o Estado por ele se interesse e nele atue, quer como poder regulador, quer como agente econômico.

O Estado intervém na atividade econômica por vias indireta e direta: prossegue o interesse público por regulação, enquadramento, incentivo e fiscalização das atividades dos agentes econômicos ou assume ele próprio o desempenho da atividade bancária. E é nesta permanente intervenção do Estado na via econômica que o Direito Bancário é frequentemente permeado de atos e de normas de natureza administrativa. A cada passo o Direito Bancário fica sujeito a normas de Direito Administrativo como é, por exemplo, o caso das normas de autorização para constituição das instituições bancárias, de regulamentação e supervisão.

Além da sujeição do Direito Bancário às normas de Direito Administrativo (normas e resoluções do BCB e CMN) e Constitucional e aos subsídios jurídicos do Direito civil, bem como com amparo na normatização que rege o Código de Defesa do Consumidor, principalmente no que concerne à proibição de práticas lesivas...  (OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Manual de Direito Bancário. São Paulo: IOB Thomson, 2006, ps. 44-54)

 

 

Na prática bancária, o aspecto técnico-econômico não raro se sobrepõe ao aspecto jurídico. A própria palavra operação pertence à economia, não ao direito.

Como observa Garrigues, "a razão desta perspectiva contábil da operação bancária reside, de uma parte, na existência de grande número de clientes; de outra, na multiplicidade da relação do Banco com cada um dos clientes e destes entre si através do Banco; e de outra, na interconexão das operações bancárias de diferente destino aos efeitos do funcionamento da empresa bancária".

Todavia, o aspecto jurídico dessas operações é inegável, pois que elas se baseiam sempre em um consentimento, ou acordo das partes para regular seu objeto, dando, assim, origem a vínculo jurídico de que emanam direitos e obrigações, vale dizer, dão origem a umcontrato.

[...]

No direito pátrio, as operações bancárias não mereceram ainda uma regulação específica, sendo disciplinadas por resoluções e circulares do Banco Central. (COVELLO, Sergio Caldas. Contratos Bancários. 4 ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2001, ps. 36-42)

 

 

3. No caso, o Banco recorrente reconhece que se submete à Circular do Banco Central e que por isso tem o dever de fornecer o endereço de clientes emitentes de cheques sustados, mas não daqueles, que emitem cheques sem que existam fundos na conta bancária.

Todavia, como consignado no acórdão recorrido, a cártula de cheque foi devolvida pelo denominado "motivo 11", que, nos termos do artigo 4º da Circular 2.989⁄2000, da Diretoria colegiada do Banco Central, vigente à época dos fatos, atualmente revogado pela Circular 3.334⁄2011, dispunha ser cabível a solicitação ao Banco do endereço do emitente da cártula:

Art. 4. Para efeito do disposto no art. 25 do Regulamento anexo a Resolução n. 1.631, de 1989, com a redação dada pela Resolução n. 1.682, de 1990, as instituições financeiras depositárias de recursos em contas de depósitos a vista devem prestar as seguintes informações, no caso de cheque devolvido pelos motivos 11 a 14, 21, 22 e 31, mediante solicitação formal do interessado e observadas as demais condições previstas neste artigo:

I - nome completo e endereços residencial e comercial do emitente, conforme constarem da ficha-proposta;

II - o motivo alegado para a sustarão ou revogação, no caso de cheque devolvido pelo motivo 21.

Parágrafo 1º. As informações referidas neste artigo somente podem ser prestadas:

I - ao beneficiário, caso esteja identificado no cheque, ou a mandatário legalmente constituído;

II - ao portador, em se tratando de cheque para o qual a legislação em vigor não exija identificação do beneficiário e que não contenha referida identificação.

 

Nessa toada, vale consignar que, no Mandado de Segurança 21.729-4-DF, julgado pelo Plenário do egrégio STF, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, consignou em seu Voto:

 

O sigilo bancário só existe no Direito brasileiro por força de lei ordinária.

Não entendo que se cuide de garantia com status constitucional. Não se trata da "intimidade" protegida no inciso x do art. 5º da Constituição Federal. Da minha leitura, no inciso XII da Lei Fundamental , o que se protege, e de modo absoluto, até em relação ao Poder Judiciário, é a comunicação de dados e não os "dados", o que tornaria impossível qualquer investigação administrativa , fosse qual fosse. Reporto-me , no caso, brevitatis causae, a um primoroso estudo a respeito do professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior. 

 

A Promotora de Justiça Márcia Haydée Porto de Carvalho, em sua tese de doutoramento no âmbito da PUC-SP, apresenta profícuo estudo a respeito do sigilo bancário consignando que "não justifica seu exercício de forma abusiva, isto é, de modo a acobertar e tornar impunes condutas contrárias à Constituição ou desconsiderar outros direitos e interesses constitucionais com os quais entre em conflito" e, com remissão às lições de Carlos Alberto Hagstrom, adverte que, "configura caso de levantamento plenamente justificável do sigilo bancário o relativo ao fornecimento de informações de natureza cadastral aos credores no caso de devolução de cheque, em benefício do sistema de crédito e da economia, da adequada utilização do cheque que contribui para o aperfeiçoamento do sistema financeiro, da proteção do credor de boa-fé e da solução rápida dos conflitos". (CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo Bancário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007, ps. 15-176)

 

4. De outra parte, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart sustentam, com propriedade, que incide sobre terceiros o dever geral de colaboração, previsto nos artigos 339 a 341 do Código de Processo Civil, servindo a exibição para a  preservação da autoridade jurisdicional, utilidade do processo e para resguardar o direito fundamental processual de ação daquele que a postula:

 

Por conta dessa importância, não apenas para o interesse das partes, mas também para o exercício da própria jurisdição, impõe o Código de Processo Civil um dever geral de colaboração, incidente sobre as partes e também sobre terceiros (arts. 339, 340 e 341). Por conta desse dever, todos devem cooperar na reconstrução dos fatos da causa. Assim, a parte não se servirá apenas das provas que detém em seu poder, podendo também se utilizar-se de elementos que estão sob a guarda de outros (seja o adversário, sejam terceiros) para demonstrar o acerto de sua tese.

[...]

A medida pode ainda ser requerida antes do ajuizamento da ação em que o documento ou a coisa deve ser empregada.

[...]

Isso porque a exibição - seja incidental, seja preparatória - não tem por finalidade imediata a proteção da tutela do direito, nem a preservação de situação tutelável. O objetivo da exibição é sempre a preservação da autoridade jurisdicional e, mais precisamente, a proteção da utilidade do processo. Isto porque, como é óbvio, a finalidade dessa medida - assim como da medida de asseguração de prova, a ser adiante examinada - está ligada à preservação do exercício adequado dos direitos de ação e de defesa, o que descaracteriza a natureza cautelar dessa providência. Somente de forma mediata é que essas medidas têm por objetivo resguardar o direito material.

[...]

Como se verá adiante, a exibição é normalmente instrumental, no sentido de que, por estar destinada a preservar direitos fundamentais processuais (ação e defesa), em regra devem estar vinculadas a outro processo, em que ocorrerá o direito fundamental que esta medida busca preservar.

Trata-se, enfim, de um desdobramento do direito fundamental à prova, razão pela qual deve receber o mesmo status das medidas destinadas à preservação de outros interesses processuais fundamentais.

7.2 Dever de colaboração e exibição

Acima se disse que o direito à exibição da prova por outrem existe de forma indiscutível. Todavia, esse ponto pacífico já foi objeto de muita controvérsia, tanto em relação à sua efetiva existência, como no que respeita ao fundamento dessa prerrogativa do Estado.

Relativamente ao fundamento para a existência de um direito à exibição de bens e documentos que estão na esfera de outra pessoa, vê-se que, na origem do instituto, imaginava-se que essa autorização tinha por pressuposto algum direito material (propriedade) sobre o documento ou a coisa, direito esse que permitiria à parte interessada exigir de quem quer que estivesse com o elemento a sua apresentação no processo. Ou seja, a exibição processual justificar-se-ia quando  o postulante tivesse algum direito substancial, que lhe assegurasse a possibilidade de impor a sua apresentação em qualquer lugar e, da mesma forma, em Juízo (como, por exemplo, na situação em que o pretendente fosse proprietário da coisa). À toda evidência, esta teoria não se presta para justificar o instituto da exibição, mesmo porque, como bem acentua, Sergio La China, o titular de um direito substancial sobre o documento não necessitaria pedir ao juiz a sua exibição, bastando solicitar àquele que detém a cosia o adimplemento da prestação correspondente.

É certo que um titular de um direito sobre a coisa ou sobre o documento (direito de gozo) pode vê-la exibida em Juízo. Neste caso, todavia, o incidente de exibição torna-se totalmente despropositado, sequer podendo o detentor da coisa ou do documento opor-se à exibição, invocando as razões do art. 363 do CPC. Com efeito, se o pretende à exibição tem direito (por exemplo, algum direito real) sobre a coisa, é claro que nem mesmo razões de preservação da intimidade ou violação de dever de honra constituem obstáculo sério à negativa de atendimento ao direito que está sendo exercido.

A evolução do instituto, todavia, fez com que esta orientação fosse superada e, especificamente no direito italiano, que se admitisse o poder judicial de determinar a exibição de qualquer documento que fosse necessário ao processo, especificamente para o conhecimento dos fatos da causa, no intuito de preservação da autoridade do Estado e do desenvolvimento adequado da atividade jurisdicional. Seria a necessidade de instruir a demanda judicial com elementos de convicção para o juiz que justificariam a figura da exibição. Todavia, também esta teoria peca pelo excesso. É claro que, na base do instituto, encontra-se esta raiz; porém, observa-se do delineamento da figura que a lei põe a salvo, em diversas circunstâncias, os interesses do sujeito passivo da exibição, liberando-o da carga destaapresentação.  resulta, então, que nem só o interesse exclusivo do pretendente à exibição é que informa o instituto, que busca um equilíbrio entre o interesse público e o particular.

Enfim, como pondera La China, trata-se de uma questão de equilíbrio e de fixação de limites para o exercício dessa prerrogativa. Assim como seria inviável limitar o direito à exibição somente àqueles documentos e bens sobre os quais o interessado detivesse alguma espécie de direito real, também é inconcebível dar amplitude tal a esse direito, a ponto de atingir qualquer objeto, de forma indiscriminada. Haverá, certamente, algumas coisas e alguns documentos que nenhuma pertinência terão com o conteúdo do processo, que estarão fora do direito à exibição. Do mesmo modo, há outros interesses relevantes, que merecem ser protegidos, inclusive contra ointeresse do Estado de buscar, ilimitadamente, dados para formação da convicção judicial. A solução deste conflito (entre o interesse público e o particular) parte do exame das hipóteses em que a lei admite a exibição, bem como daquelas outras, em que a lei, a priori, a exclui. Dentro deste campo, é essencial a tarefa do juiz, apreciando a peculiaridade do caso concreto e adaptando a ele as regras abstratamente previstas. É, então, o conteúdo do documento (ou a ideia que pode transmitir a coisa) que deve orientar a separação dos campos do interesse público e do interesse privado (conforme será visto nos comentários específicos).

[...]

Desse modo, observa-se com razoável segurança que não existe base para uma garantia geral de exoneração do dever de colaborar com o Judiciário, no aporte de provas ao processo, mesmo que sejam prejudiciais à parte que as traz.

[...]

Somente quando se tratar de proteção contra autoincriminação é que, originalmente, se vê restrição ao dever de cooperação.

Por óbvio, a tendência à humanização do processo levou à ampliação dos casos de exclusão desse dever de colaborar.

[...]

Assim, vê-se o elenco do art. 363 do CPC, que exclui o dever de colaboração na exibição de documentos ou coisas, em vários outros casos além do risco de autoincriminação.

O rol trazido indica que a ponderação de direitos fundamentais deve ser considerada, no intuito de buscar o equilíbrio antes indicado.Nem se deve dar ao Estado a amplitude absoluta no poder de caçar evidências para a formação da convicção judicial, nem se deve deixar o indivíduo totalmente inerme para proteger seus direitos.

[...]

Já o instrumento de exibição não implica qualquer restrição ao direito de propriedade do particular, mas apenas submete este a colaborar com o Judiciário, apresentando referida coisa ou documento em juízo. Acrescente-se que este dever de colaboração com o Judiciário,peremptoriamente ditado nos arts. 339 a 341 do CPC, sequer depende da prévia convocação oficial para tanto. Esta colaboração se expressa, dentre outras formas, também na permissão do uso de seus bens para a realização da tarefa judicial, sem que, disso, possa extrair a necessidade de indenizar este auxílio. Não havendo restrição à propriedade do terceiro, não se cogita de qualquer óbice à determinação de exibição a terceiro. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. 2 ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2010, ps. 243-248)

 

 

5. É certo que o artigo 43, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor considera os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores entidades de caráter público, e que é prática abusiva, vedada pelo artigo 39 do Diploma Consumerista, o fornecimento do endereço de consumidor a terceiro:

 

A feitura de cadastros é ato corriqueiro na vida do consumidor. Na esfera de sua expectativa legítima, resguardada pelo sistema do CDC, tais assentamentos destinam-se a um único fim: apoiar a realização de um ato de consumo específico, seja ele a abertura de uma conta bancária, seja a aquisição de um produto ou serviço. O uso consentido individualmente e referendado legalmente desses registros é, pois, tão-só aquele que esteja em direta conformidade e harmonia com as circunstâncias e limites estritos do negócio jurídico de origem. Fora daí, ultrapassam-se as fronteiras da legalidade e ingressa-se no terreno pantanoso da abusividade e da ofensa à boa-fé objetiva do consumidor.

Fica, pois, bem caracterizada prática abusiva, nos termos do art. 39 do CDC, que é norma aberta, do tipo cláusula geral, não custa repetir; sem falar na violação da garantia constitucional da privacidade. Nesse caso, a abusividade é praticada de forma solidária, tendo, de um lado, o banco de dados que coleta as informações cadastrais e , do outro, a empresa que adquire uma "mala direta" em particular. (BENJAMIN, Herman de Vasconcellos e Benjamin. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9 ed.Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 379)

 

Todavia, o artigo 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor esclarece os objetivos e princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, que busca compatibilizar a proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico, viabilizando os princípios nos quais se funda a ordem econômica,  resguardando o equilíbrio e a boa-fé:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

[...]

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

 

Nesse passo, o contrato só cumpre a sua função social com o adimplemento das obrigações convencionais, meio pelo qual é obtida a circulação de riquezas e mantém-se a economia girando. (CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 115)

Nesse diapasão, é oportuno observar que o cheque, salvo pactuação em contrário, só extingue a dívida, isto é, a obrigação que ele visa satisfazer, com o seu efetivo pagamento:

O cheque, como reiteradamente dissemos, é uma ordem de pagamento à vista. Sua função principal, portanto, é efetuar a extinção de uma obrigação, desde que efetuado o pagamento. Mas em sua essência é um título pro soluto e não pro solvendo. A dívida que ele visou pagar só se extingue se ele for efetivamente pago, a não ser que o portador tenha convencionado que ele extingue a obrigação fundamental. (REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 27 ed. São Paulo: Saraiva, v. 2,  p. 570)

 

No julgamento da ADI 1790 MC, relatada pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, o Plenário do STF apreciou questão relativa ao direito de privacidade do cliente de Banco e a promoção da defesa do consumidor pelo Estado, prevista no artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal, em decisão assim ementada:

 

Protesto cambial: MProv. 1638-1⁄98: limitação de emolumentos relativos a protestos de que devedora microempresa ou empresa de pequeno porte (art. 6º) e disciplina do fornecimento de certidões diárias dos processos tirados e cancelamentos efetuados às entidades representativas da indústria ou do comércio e aos serviços de proteção do crédito (alteração, pelo art. 10, dos arts. 29 e 31 da L. 9.492⁄97): alegada inconstitucionalidade por ofensa dos arts. 62, 236, § 2º, 5º, X e XXXII, e 170, V, da Constituição: suspensão cautelar indeferida. 1. A idoneidade em tese da disciplina de matéria tributária em medida provisória é firme na jurisprudência do Tribunal, de que decorre a validade de sua utilização para editar norma geral sobre fixação de emolumentos cartorários, que são taxas. 2. Afirmada em decisão recente (ADIn MC 1.800) a validade em princípio da isenção de emolumentos relativos a determinados registros por lei federal fundada no art. 236, § 2º, da Constituição, com mais razão parece legítima a norma legal da União que, em relação a determinados protestos, não isenta mas submete a um limite os respectivos emolumentos, mormente quando o conseqüente benefício àsmicroempresas têm o respaldo do art. 170, IX, da Lei Fundamental. 3. A convivência entre a proteção da privacidade e os chamados arquivos de consumo, mantidos pelo próprio fornecedor de crédito ou integrados em bancos de dados, tornou-se um imperativo da economia da sociedade de massas: de viabilizá-la cuidou o CDC, segundo o molde das legislações mais avançadas: ao sistema instituído pelo Código de Defesa do Consumidor para prevenir ou reprimir abusos dos arquivos de consumo, hão de submeter-se as informações sobre os protestos lavrados, uma vez obtidas na forma prevista no edito impugnado e integradas aos bancos de dados das entidadescredenciadas à certidão diária de que se cuida: é o bastante a tornar duvidosa a densidade jurídica do apelo da argüição à garantia da privacidade, que há de harmonizar-se à existência de bancos de dados pessoais, cuja realidade a própria Constituição reconhece (art. 5º, LXXII, in fine) e entre os quais os arquivos de consumo são um dado inextirpável da economia fundada nas relações massificadas de crédito. (ADI 1790 MC, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 23⁄04⁄1998, DJ 08-09-2000 PP-00004 EMENT VOL-02003-01 PP-00199)

 

Nesse mencionado precedente, Sua Excelência dispôs que a norma constitucional que impõe a defesa do consumidor é de eficácia limitada, só sendo incompatível com norma infraconstitucional que claramente contrarie ou inviabilize o programa normativo da Constituição:

A convivência entre a proteção da privacidade e os chamados arquivos de consumo, mantidos prelo próprio fornecedor de crédito ou integrados em bancos de dados, tornou-se um imperativo da economia da sociedade de massas: de viabilizá-las cuidou o CDC, segundo o molde das legislações mais avançadas (A. Hermann Benjamin, em Ada Grinover e outros, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 4ª ed., p. 267 ss).

[...]

Dos padrões da inconstitucionalidade aventados o primeiro - o art. 5º, XXXII, da Constituição, a teor do qual "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor"- é claramente uma regra de eficácia limitada, que só em casos limites pode servir de fundamento à inconstitucionalidade da lei, quando esta inequivocamente contrarie ou inviabilize o programa normativo da Constituição.

 

Com efeito, tendo em vista os princípios constitucionais citados e os artigos 339 a 341 do Código de Processo Civil, a recusa do Banco em exibir o endereço de seu cliente é descabida, e não encontra guarida na Circular do Banco Central invocada e também não tem amparo na legislação consumerista.

6. Igualmente, a título de reforço de argumentação, antes mesmo da expressa previsão da penhora on line, os Bancos já eram chamados a colaborar com o Judiciário, no interesse de terceiros exequentes, que, com a medida, tinham conhecimento dos ativos disponíveis de clientes de banco, assim como das instituições financeiras, nas quais o consumidor executado mantinha contas.

Ademais, embora a cártula de cheque informe vários dados do emitente, como CPF,  identidade e a data em que a conta bancária foi aberta, não permite ao credor da obrigação cambiária ajuizar ação buscando a satisfação do seu crédito, por não conter o endereço.

No entanto, não parece razoável que, tendo em vista a peculiaridade da atividade econômica desempenhada pelo Banco, que se submete à normatização administrativa e sofre forte influxo de regras e princípios de direito público, possa se furtar a colaborar com o Judiciário, mas possa se valer dessa mesma informação  para ajuizar ação em face de seus clientes:

Por último, há situações em que o interesse do banco funciona como limite implícito do sigilo bancário. É o caso do inadimplemento de obrigação por parte de cliente, que autoriza o banco a levar um título de crédito a protesto e a ingressar em juízo com a ação devida (Código Civil, art. 397), e com isso revelar informações sigilosas que obteve no exercício de sua atividade, como as relativas à operação de crédito, da qual advém a dívida não paga pelo cliente, e aos bens do cliente, que o banco precisa indicar para fins de penhora. (CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo Bancário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007, p. 180)

 

7. Orienta a Súmula 372⁄STJ, que, na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória.

Com efeito, merece melhor sorte o recurso, no que tange à tese de ser descabida a multa cominatória fixada em R$ 100,00 (cem reais) por dia, limitada ao cômputo de 60 dias, totalizando, pois, o valor total de até R$ 6.000,00 (seis mil reais).

Como é cediço, a sentença proferida na ação de exibição, proposta em face de terceiro, tem caráter mandamental, não cabendo a fixação de astreintes, mas podendo ser fixado prazo para que o requerido exiba o documento vindicado, sob pena de ser determinada a expedição de mandado de busca e apreensão.

Nesse sentido, cumpre trazer à baila a ementa, relativa ao acórdão referente ao REsp 845.860-SP:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. MULTA. SANÇÃO INCOMPATÍVEL COM O RITO PRÓPRIO.  INCIDÊNCIA DOS  ARTIGOS 845;  355 à 363;  381 e 382 DO CPC. PRESUNÇÃO DA VERDADE. EFEITO DIREITO DA RECALCITRÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE PENA PECUNIÁRIA. SÚMULA 372⁄STJ.

1. Ação cautelar satisfativa de exibição de documentos (art. 884 CPC) proposta em face de recusa no fornecimento de informações relativas às eleições para a Presidência de órgão de classe.

2.A fixação de multa pecuniária pelo descumprimento da ordem de apresentação do documento é incompatível com a ação cautelar respectiva, porquanto suficiente à autora a presunção de veracidade que o provimento da ação, como elemento probante, fornece ao processo principal. Precedentes: AgRg no REsp 1021690⁄RS, DJ 07.05.2008; REsp 757.911⁄RS, DJ 17.12.2007; AgRg no Ag 828.342⁄GO, DJ 31.10.2007; REsp 633.056⁄MG, DJ 02.05.2005.

3. Cautelar ou preventiva a exibição, os efeitos do descumprimento da determinação judicial são os mesmos', vale dizer: 'Se a parte adversa' não exibir o documento ou a coisa relativa a determinado fato, o juiz do processo principal presumirá verdadeiro o mesmo. É evidente que nas hipóteses que não são passíveis de presunção de veracidade dos fatos, tal efeito não se pode operar. Nos casos de recusa permite-se ao juiz mandar apreendê-la tal como o faz quando se trata de 'medida proposta contra terceiro' que recalcitra em cumprir o julgado, hipótese que imprime-se cunho mandamental à decisão" (Luiz Fux, in Curso de Direito Processual Civil, 3ª Edição, Editora Forense, página 1635).

4. A 2ª Seção desta Corte de Justiça em 11.03.2009 aprovou a Súmula nº. 372, com o seguinte teor: "Na ação de exibição de documentos, não cabe aplicação da multa cominatória." Precedente: REsp 1104083, 15⁄04⁄2009.

5. A não-exibição do documento requerido pelo autor na via judicial implica a admissão da presunção da verdade dos fatos que se pretendem comprovar por meio daquela prova sonegada pela parte ex adversa, restando este fato a única sanção processual cabível.

6. Recurso especial provido, a fim de afastar a pena de multa fixada pela Corte a quo, porquanto incompatível com o procedimento da exibição de documentos.

(REsp 845.860⁄SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07⁄05⁄2009, DJe 10⁄06⁄2009)

 

Nesse mencionado precedente, relatado pelo Ministro Luiz Fux, Sua Excelência dispôs:

O cerne da questão, todavia, não versa acerca da ocorrência de eventual procrastinação da recorrente na exibição de documentos objeto de ação judicial, mas sim no que tange à má apreciação do rito adequado pelas instâncias originárias, que impuseram ao recorrente a indevida condenação ao pagamento de multa, situação que importou em violação ao artigo 844 do CPC.

Acerca das conseqüências do descumprimento de ordem judicial que determine a exibição de documento ou de coisa já tivemos oportunidade de manifestar a seguinte posição:


"Cautelar ou preventiva a exibição, os efeitos do descumprimento da
 determinação judicial são os mesmos', vale dizer: 'Se a parte adversa' não exibir o documento ou a coisa relativa a determinado fato, o juiz do processo principal presumirá verdadeiro o mesmo. É evidente que nas hipóteses que não são passíveis de presunção de veracidade dos fatos, tal efeito não se pode operar. Nos casos de recusa permite-se ao juiz mandar apreendê-la tal como o faz quando se trata de 'medida proposta contra terceiro' que recalcitra em cumprir o julgado, hipótese que imprime-se cunho mandamental à decisão" (In Curso de Direito Processual Civil, 3ª Edição, Editora Forense, página 1635).

 

Portanto, não há previsão legal que justifique a condenação da multa ora discutida pela recorrente.

É justamente este o entendimento uníssono desta Corte Superior:

RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO. PROCESSO CIVIL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. DESCUMPRIMENTO. APLICAÇÃO DEMULTA DIÁRIA.IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

Está assentado nesta Corte o entendimento no sentido de que não cabe a multa cominatória em ação cautelar de exibição de documento, sendo pertinente nas obrigações de fazer e não-fazer. Precedentes desta Corte.

Agravo Regimental improvido.(AgRg no REsp 1021690⁄RS, Rel. Ministro  SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15.04.2008, DJ 07.05.2008 p. 1)

 

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. ACÓRDÃO.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOINFRINGENTE. NULIDADE NÃO VERIFICADA.MULTA DIÁRIA PELO DESCUMPRIMENTO. DESCABIMENTO. SUFICIÊNCIA DA PRESUNÇÃO DE VERACIDADE.

I. Não viola o art. 535 do CPC o acórdão que enfrenta a controvérsia, porém com resultado desfavorável à pretensão dos recorrentes.

II. A fixação de multa pecuniária pelo descumprimento da ordem de apresentação do documento é incompatível com a ação cautelarrespectiva, pois suficiente à autora a presunção de veracidade que o provimento da ação, como elemento probante, fornece ao processoprincipal.

III. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido, para excluir a multa.(REsp 757.911⁄RS, Rel. Ministro  ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 27.11.2007, DJ 17.12.2007 p. 183)

 

PROCESSO CIVIL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. DESCUMPRIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE.

-A busca e apreensão é a medida cabível para tornar efetiva a exibição dos documentos, caso não seja atendida espontaneamente a ordem judicial.

- Não cabe a aplicação de multa diária em ação de exibição de documento.(AgRg no Ag 828.342⁄GO, Rel. Ministro  HUMBERTO GOMESDE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 18.10.2007, DJ 31.10.2007 p. 325)

 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. MULTA COMINATÓRIA. DESCABIMENTO. A incidência do artigo 359 do Código de Processo Civil nas ações cautelares de exibição de documento, determinada pelo artigo 845 do mesmo estatuto, afasta a possibilidade de aplicação de multa cominatória. Precedente da Terceira Turma.

Recurso provido.(REsp 633.056⁄MG, Rel. Ministro  CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12.04.2005, DJ 02.05.2005 p. 345)

Outrossim, a 2ª Seção desta Corte de Justiça em 11.03.2009 aprovou a Súmula nº. 372, com o seguinte teor: "Na ação de exibição de documentos, não cabe aplicação da multa cominatória."

[...]

Ex positis, CONHEÇO do recurso especial interposto pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DE SÃO PAULO, paraDAR-LHE PROVIMENTO, a fim de afastar a pena de multa fixada pela Corte a quo, porquanto incompatível com o procedimento da exibição de documentos.

 

8. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial apenas para afastar a multa cominatória, ressalvando a possibilidade de ser fixado prazo para apresentação do documento, sob pena de expedição de ordem de busca e apreensão do documento cadastral em que consta o endereço do emitente do cheque.

É como voto.

 

 

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2009⁄0191534-6


PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 1.159.087 ⁄ MG

 

Números Origem:  10145074285787        10145074285787001     10145074285787002

 

 

 

PAUTA: 17⁄04⁄2012

JULGADO: 17⁄04⁄2012

 

 

Relator

Exmo. Sr. Ministro  LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS

 

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE

:

BANCO SANTANDER BRASIL S⁄A

ADVOGADO

:

MELISSA ZORZI LIMA VIANNA E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

KAIUSS CALHEIROS VALENTE DE BARROS

ADVOGADO

:

LUIZ ROBERTO DE C. VALENE DE BARROS

 

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Títulos de Crédito - Cheque

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Quarta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

 

 

Documento: 1138192

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 15/05/2012

 


 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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RECURSO ESPECIAL Nº 884.346 - SC (2006⁄0195135-3)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

POSTO NOVA BRASÍLIA LTDA

ADVOGADO

:

CÉSAR DE OLIVEIRA

RECORRIDO

:

FABIANO DUARTE

ADVOGADO

:

RODRIGO BRASILIENSE VIEIRA

 

EMENTA

 

DIREITO CAMBIÁRIO E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.CHEQUE PÓS-DATADO. PACTUAÇÃO EXTRACARTULAR.  COSTUME CONTRA LEGEM. BENEFICIÁRIO DO CHEQUE QUE OFAZ CIRCULAR, ANTES DA DATA AVENÇADA PARA APRESENTAÇÃO. TERCEIRO DE BOA-FÉ, ESTRANHO AO PACTUADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS CONTRATUAIS.

1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios, caros ao direito cambiário, da literalidade, abstração,autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé.

2. Com a  decisão contida no REsp. 1.068.513-DF, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, ficou pacificado na jurisprudência destaCorte a ineficácia, no que tange ao direito cambiário, da pactuação extracartular da pós-datação do cheque, pois descaracteriza referido título de crédito como ordem de pagamento à vista e viola os princípios cambiários da abstração e da literalidade.

3. O contrato confere validade à obrigação entre as partes da relação jurídica original, não vinculando ou criando obrigações para terceiros estranhos ao pacto. Por isso, a avença da pós-datação extracartular, embora não tenha eficácia, traz consequências jurídicas apenas para os contraentes.

4. Com efeito, em não havendo ilicitude no ato do réu, e não constando na data de emissão do cheque a pactuação, tendo em vista o princípio da relatividade dos efeitos contratuais e os princípios inerentes aos títulos de crédito, não devem os danos ocasionados em decorrência da apresentação antecipada do cheque ser compensados pelo réu, que não tem legitimidade passiva por ser terceiro de boa-fé, mas sim pelo contraente que não observou a alegada data convencionada para apresentação da cártula.

5. Recurso especial provido.

 

 

 

 

ACÓRDÃO

 

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Raul Araújo.

 

Brasília (DF), 06 de outubro de 2011(Data do Julgamento)

 

 

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 884.346 - SC (2006⁄0195135-3)

 

RECORRENTE

:

POSTO NOVA BRASÍLIA LTDA

ADVOGADO

:

CÉSAR DE OLIVEIRA

RECORRIDO

:

FABIANO DUARTE

ADVOGADO

:

RODRIGO BRASILIENSE VIEIRA

 

RELATÓRIO

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Fabiano Duarte ajuizou ação de indenização por danos morais em face do Posto Nova Brasília Ltda. Narra que efetuou compras no mercado São Jorge, no início de dezembro de 2003, pagando com cheque, no valor de R$ 458,00 (quatrocentos e cinquenta e oito reais), indicando a data de 14 de janeiro de 2004 para compensação. Sustenta que o proprietário do mercado abasteceu no posto ora demandado, pagando com o  referido cheque, que foi depositado em 15 de dezembro de 2003, antes da data pactuada com o beneficiário original do cheque, sendo devolvido por insuficiência de fundos,  em 6 de janeiro de 2004. Afirma que o fato  acarretou  bloqueio de sua conta corrente, perda do "crédito bancário", impossibilidade de retirar talão de cheque e registro de seu nome no cadastro desabonador do SERASA. Afirma ter sofrido sérios transtornos de ordem moral.

O Juízo da Vara Única da Comarca de Imaruí julgou procedentes os pedidos formulada na inicial, para condenar o posto ao pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de danos morais.

Interpôs o réu apelação para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que negou provimento ao recurso. (fls. 126-135)

O acórdão tem a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EMISSÃO DE CHEQUE PRÉDATADO - DEPÓSITO ANTECIPADO - DEVOLUÇÃO PELO BANCO SEM PROVISÃO DE FUNDOS - NOME VINCULADO NO CADASTRO DE EMITENTES DE CHEQUES SEM FUNDOS E NA SERASA - ABALO MORAL CONFIGURADO - ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DE PARTE - INOCORRÊNCIA - CÁRTULA REPASSADA A TERCEIRO CONTENDO EXPRESSAMENTE A DATA PARA O DESCONTO - CIÊNCIA DO AJUSTE PREVIAMENTE PACTUADO - INOBSERVÂNCIA - VALOR INDENIZATÓRIO FIXADO DENTRO DOSPRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - JUROS MORATÓRIOS CONTADOS DESDE O EVENTO DANOSO - EXEGESE DA SÚMULA 54 DO STJ - PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DO AUTOR- APELO DO RÉU DESPROVIDO.

 

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

Inconformado com a decisão colegiada, interpôs o demandado recurso especial  com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, sustentando violação do artigos 126, 265 e 267, VI, do Código de Processo Civil; 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e 32 da Lei do Cheque.

Alega o recorrente que o entendimento perfilhado pela Corte local reconhece solidariedade entre o recebedor original do cheque pós-datado e o endossatário.

Argumenta que não foi demonstrado que o réu tivesse ciência da pactuação realizada entre o Mercado São Jorge e o autor, estabelecendo que o cheque deveria ser descontado em data futura, não havendo legitimidade passiva do endossatário.

Sustenta que, ao circular, o cheque readquire sua qualidade de ser pagável à vista, considerando-se sem validade qualquer menção em contrário.

Aduz que, ao utilizar como razão de decidir o direito consuetudinário, mesmo havendo lei dispondo ser o cheque ordem de pagamento à vista, a decisão  viola o disposto nos artigos 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e 126 do Código de Processo Civil.

Em contrarrazões, afirma o recorrido que está pacificada na jurisprudência que a apresentação precipitada do cheque ocasiona danos morais.

O recurso especial do réu foi admitido e o adesivo do autor foi inadmitido.

É o relatório.

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 884.346 - SC (2006⁄0195135-3)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

POSTO NOVA BRASÍLIA LTDA

ADVOGADO

:

CÉSAR DE OLIVEIRA

RECORRIDO

:

FABIANO DUARTE

ADVOGADO

:

RODRIGO BRASILIENSE VIEIRA

 

EMENTA

DIREITO CAMBIÁRIO E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.CHEQUE PÓS-DATADO. PACTUAÇÃO EXTRACARTULAR.  COSTUME CONTRA LEGEM. BENEFICIÁRIO DO CHEQUE QUE OFAZ CIRCULAR, ANTES DA DATA AVENÇADA PARA APRESENTAÇÃO. TERCEIRO DE BOA-FÉ, ESTRANHO AO PACTUADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS CONTRATUAIS.

1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios, caros ao direito cambiário, da literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé.

2. Com a  decisão contida no REsp. 1.068.513-DF, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, ficou pacificado na jurisprudência desta Cortea ineficácia, no que tange ao direito cambiário, da pactuação extracartular da pós-datação do cheque, pois descaracteriza referido título de crédito como ordem de pagamento à vista e viola os princípios cambiários da abstração e da literalidade.

3. O contrato confere validade à obrigação entre as partes da relação jurídica original, não vinculando ou criando obrigações para terceiros estranhos ao pacto. Por isso, a avença da pós-datação extracartular, embora não tenha eficácia, traz consequências jurídicas apenas para os contraentes.

4. Com efeito, em não havendo ilicitude no ato do réu, e não constando na data de emissão do cheque a pactuação, tendo em vista o princípio da relatividade dos efeitos contratuais e os princípios inerentes aos títulos de crédito, não devem os danos ocasionados emdecorrência da apresentação antecipada do cheque ser compensados pelo réu, que não tem legitimidade passiva por ser terceiro de boa-fé, mas sim pelo contraente que não observou a alegada data convencionada para apresentação da cártula.

5. Recurso especial provido.

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 884.346 - SC (2006⁄0195135-3)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

POSTO NOVA BRASÍLIA LTDA

ADVOGADO

:

CÉSAR DE OLIVEIRA

RECORRIDO

:

FABIANO DUARTE

ADVOGADO

:

RODRIGO BRASILIENSE VIEIRA

 

VOTO

 

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. A questão controvertida consiste em saber se terceiro estranho à pactuação extracartular da pós-datação de cheque tem legitimidade passiva em ação de indenização por danos morais decorrente de alegada apresentação antecipada da cártula.

No que interessa para o julgamento do feito, o acórdão recorrido dispôs:

Preliminarmente, o réu apelante argúi a sua ilegitimidade passiva ad causam, em virtude de que o negócio celebrado, que originou a emissão do respectivo cheque, se deu com o proprietário do Mercado São Jorge, não tendo o apelante qualquer relação com o apelado, o que culminaria na extinção do processo sem julgamento de mérito.

Asseverou ainda que o cheque pré-datado é um acordo firmado entre o emitente e o recebedor, o que o eximiria de qualquer responsabilidade, uma vez que não pode ser incumbido de responder por acordo firmado entre o apelado e terceiro, por não existir, neste caso, qualquer obrigação solidária de sua parte para com aquele que recebeu a cártula e concordou com os inscritos que esta continha.

Não obstante os argumentos trazidos a este caderno processual, acertada encontra-se a decisão emanada pelo ilustre Togado de primeiro grau.

[...]

Com relação à alegação da ilegalidade na emissão do cheque pré-datado em virtude do art. 32, da Lei n. 7.357⁄85, declarar ser este uma ordem de pagamento à vista, não prospera, pois já encontra-se solidificado pelo direito consuetudinário a fixação de data posterior para o desconto deste tipo de título cambial, consoante entendimento amplamente adotado pela doutrina e jurisprudência.

[...]

E ainda:

"A devolução de cheque pré-datado, por insuficiência de fundos, apresentado antes da data ajustada entre as partes, constitui fato capaz de gerar prejuízos de ordem moral" (REsp 213940⁄RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, j. 29⁄6⁄2000).

Assim, queda-se a argumentação de que o repasse do cheque pré-datado de um terceiro para o apelante readquiriu a qualidade de pagamento à vista, porquanto a emissão para desconto futuro é prática corriqueira no comércio.(fls. 132-134)

 

 

3. No caso, é incontroverso que o cheque circulou, utilizado para pagamento de combustível comprado no posto réu, sendo certo que não consta na data de emissão aquela supostamente pactuada, mas sim a referente a que a cártula foi efetivamente emitida.

3.1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios, caros ao direito cambiário, da literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé:

505. CARACTERÍSITICAS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO.

A definição de Vivante merece ser analisada mais a fundo, dada as luzes com que ilumina a matéria. Dela defluem três requisitos básicos do título: a) a literalidade; b) a autonomia; c) a cartularidade (documento). Poder-se ia admitir mais um elemento, que, todavia, não é geral - a independência ou substantividade.

a) Literalidade. O título é literal porque sua existência se regula pelo teor de seu conteúdo. O título de crédito se enuncia em umescrito, e somente o que está nele inserido se leva em consideração; uma obrigação que dele não conste, embora sendo expressa em documento separado, nele não se integra.

b) Autonomia. Diz-se que o título de crédito é autônomo (não em relação à sua causa como às vezes se tem explicado), mas, segundo Vivante, porque o possuidor de boa-fé exercita um direito próprio, que não pode ser restringido ou destruído em virtude das relações existentes entre os anteriores possuidores e o devedor. Cada obrigação que deriva do título é autônoma em relação às demais.

507. ABSTRAÇÃO

Vivante ainda explica que os títulos de crédito podem circular como documentos abstratos, sem ligação com a causa a que devem sua origem.

[...]

É bom acentuar que a obrigação abstrata ocorre apenas quando o título está em circulação, isto é, "quando põe-se em relação duas pessoas que não contrataram entre si, encontrando-se uma em frente a outra, em virtude apenas do título". Isso, como veremos, constitui o âmago da teoria de Vivante.

[...]

Não é possível estabelecer critério unitário para dar explicação a questão tão complexa.

[...]

Tomamos de Vivante as suas próprias palavras: "Para explicar aposição distinta do devedor, há que penetrar nos motivos de sua vontade, fazer a análise desta vontade, que é o fundamento da obrigação, e reconhecer que se ele, para obter o benefício do crédito, quis dar à outra parte, seja vendedor ou mutuante, um título apto para a circulação, quis também, não obstante, conservar intatas contra ele as defesas que o direito comum proporciona. Mas a disciplina do título deve adaptar-se a essa diferente direção da vontade que lhe deu origem, devendo a condição de devedor regular-se conforme a relação jurídica total que deu origem ao título, quando se encontra ante aquele com quem negociou; e se deve, em troca, ajustar a sua vontade unilateral, tal como se manifestou no título, quando se encontra frente aos subsequentes portadores de boa-fé".

Assim, em relação ao seu credor, o devedor do título se obriga por uma relação contratual, motivo por que contra ele mantém intatas as defesas pessoais que o direito comum lhe assegura; em relação a terceiros, o fundamento da obrigação está na sua firma (do emissor), que expressa sua vontade unilateral de obrigar-se a essa manifestação não deve defraudar as esperanças que desperta em sua circulação.

[...]

514. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES

O interesse social visa, no terreno do crédito, a proporcionar ampla circulação dos títulos de crédito, dando aos terceiros de boa-fé plena garantia e segurança na sua aquisição. É necessário que na circulação do título, aquele que o adquiriu, mas que não conheceu ou participou da relação fundamental ou da relação anterior que ao mesmo deu nascimento ou circulação, fique assegurado de que nenhuma surpresa venha pertubar o seu direito de crédito por quem com ele não esteve em relação direta. O título deve, destarte,passar-lhe às mãos purificado de todas as questões fundadas em direito pessoal, que porventura os antecessores tivessem entre si, de forma a permanecer límpido e cristalino nas mãos do novo portador.

A segurança dos terceiros de boa-fé é essencial na negociabilidade dos títulos de crédito. O direito, em diversos preceitos legais, realiza essa proteção, impedindo que o subscritor ou devedor do título se valha, contra o terceiro adquirente de defesa que tivesse contra aquele com quem manteve relação direta e a favor de quem dirigiu sua declaração de vontade. Por conseguinte, em toda a fase da circulação do título, o emissor pode opor ao seu credor direto as exceções de direito pessoal que contra ele tiver, tais como, por exemplo, a circunstância de já lhe ter efetuado o pagamento do mesmo título ou pretender compensá-lo com crédito que contra ele possuir.

[...]

Esse princípio, que resulta do conceito já exposto da autonomia das relações cartulares (nº 505 supra), pois o portador de boa-fé exercita um direito próprio,e não derivado da relação anterior, está consagrado em algumas normas da lei.

[...]

Se, todavia, o adquirente do título agir de má-fé, estando, por exemplo, conluiado com o portador anterior, a fim de frustrar o princípio dainoponibilidade da exceção de defesa que contra ele tivesse o devedor, este tem direito de opor-lhe a defesa que teria contra o antecessor.

A inoponibilidade das exceções fundadas em direito pessoal do devedor contra o credor constitui a mais importante afirmação do direito moderno em favor da segurança da circulação e negociabilidade dos títulos de crédito. (REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 27 ed.: Saraiva, São Paulo, v. 2, 2010,  ps. 415-423)

 

3.2. Ademais, o artigo 32 da Lei 7.357⁄85 ("Lei do Cheque"), prescreve:

Art . 32 O cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário.

Parágrafo único - O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação.

 

Confira-se a doutrina:

O cheque é uma ordem de pagamento à vista, sacada contra um banco e com base em suficiente provisão de fundos depositados pelo sacador em mãos do sacado ou decorrente de contrato de abertura de crédito entre ambos. O elemento essencial do conceito de cheque é a sua natureza de ordem à vista, que não pode ser descaracterizada por acordo entre as partes. (COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 21 ed.: Saraiva, São Paulo, p. 272)

 

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O Cheque constitui uma ordem de pagamento à vista (lei brasileira, art. 32). Já o art. 1º da Lei nº 2.591, de 1912, declarava ter o cheque essa conceituação; o art. 28 da Lei Uniforme também expressamente disse que "o cheque é pagável à vista", o que é repetido pelo art. 32 da nova Lei do Cheque. Isso decorre da natureza do título, que não é instrumento de crédito, mas de exação. (MARTINS, Fran. O Cheque Segundo a Nova Lei. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 90)

 

3.3. Em recente julgamento, este colegiado apreciou a matéria relativa à pós-datação extracartular de cheque, observando que este submete-se aos princípios cambiários da abstração, inoponibilidade de exceções pessoais e literalidade, em precedente assim ementado:

DIREITO COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. CHEQUE.  ORDEM DE PAGAMENTO À VISTA. CARACTERE ESSENCIAL DO TÍTULO. DATA DE EMISSÃO DIVERSA DA PACTUADA PARA APRESENTAÇÃO DA CÁRTULA. COSTUME CONTRA LEGEM. INADMISSÃO PELO DIREITO BRASILEIRO. CONSIDERA-SE A DATA DE EMISSÃO CONSTANTE NO CHEQUE.

1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios cambiários da cartularidade, literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé, por isso que a sua pós-datação não amplia o prazo de apresentação da cártula, cujo marco inicial é, efetivamente, a data da emissão.

2. "A alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado implicaria na dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil. Assentir com a tese exposta no especial, seria anuir com a possibilidade da modificação casuística do lapso prescricional, em razão de cada pacto realizado pelas partes". (AgRg no Ag 1159272⁄DF, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 13⁄04⁄2010, DJe27⁄04⁄2010)

3. Não se pode admitir que  a parte descumpra o  artigo 32 da Lei 7.357⁄85 e, ainda assim, pretenda seja conferida interpretação antinômica ao disposto no artigo 59 do mesmo Diploma, para  admitir a execução do título prescrito. A concessão de efeitos à pactuação extracartular representaria desnaturação do cheque naquilo que a referida espécie de título de crédito tem de essencial, ser  ordem de pagamento à vista, além de violar os princípios da abstração e literalidade.

4. Recurso especial não provido.

(REsp 875.161⁄SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09⁄08⁄2011, DJe 22⁄08⁄2011)

 

Cumpre ressaltar que a mesma matéria foi também apreciada pela Segunda Seção, em decisão de 14 de setembro deste ano, no REsp. 1.068.513-DF,  relatada pela eminente Ministra Nancy Andrighi, cujo acórdão ainda pende de publicação, consolidando na jurisprudência desta Corte a ineficácia da pactuação extracartular da pós-datação do cheque, pois descaracteriza o cheque como ordem de pagamento à vista e viola os princípios cambiários da abstração e da literalidade.

A decisão é noticiada pelo informativo de jurisprudência nº 483 do STJ, que informa:

A Seção entendeu que a emissão de cheques pós-datados, ainda que seja prática costumeira, não encontra previsão legal, pois admitir que do acordo extracartular decorra a dilação do prazo prescricional importaria na alteração da natureza do cheque como ordem de pagamento à vista e na infringência do art. 192 do CC, além de violação dos princípios da literalidade e abstração. Assim, para a contagem do prazo prescricional de cheque pós-datado, prevalece a data nele regularmente consignada, ou seja, aquela oposta no espaço reservado para a data de emissão. Precedentes citados: REsp 875.161-SC, DJe 22⁄08⁄2011, e AgRg no Ag 1.159.272-DF, DJe27⁄04⁄2010. REsp 1.068.513-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14⁄9⁄2011.

 

3.4. Com efeito, não se desconhece a existência do costume relativo à emissão de cheque pós-datado, todavia é prática expressamente inadmitida pela Lei que cuida da matéria (artigo 32 da Lei 7.357⁄85):

C) Contra legem: tema dos mais polêmicos, trata-se do reconhecimento de uma prática que se oponha francamente ao direito legislado, numa "revolta dos fatos contra os códigos", na expressão de GASTON MORIN, o que não é admitido expressamente pelo sistema positivo. (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo COi.

urso de Direito Civil: parte geral. 7 ed.: São Paulo, Saraiva, 2006, vol. I, p. 19)

 

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A grande maioria dos autores rejeita o costume contra legem por entendê-lo incompatível com a tarefa do Estado e com o princípio de que as leis só se revogam por outras. (DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretado. 16 ed.: São Paulo, Saraiva, 2006, ps. 145-146)

 

3.5. Ademais, diante do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, o pacto confere validade à obrigação entre as partes, não vinculando ou criando obrigações para terceiros estranhos ao contrato:

Em linha de princípio, portanto, as pessoas privadas são livres para obrigar-se como quiserem. Não obstante, aquilo que livremente escolheram torna-se lei entre elas e as obrigações aceitas e convencionadas devem ser rigorosamente cumpridas. A não-observância da   da palavra dada sujeita as partes às sanções (responsabilidade contratual), uma vez que a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

Como o contrato obriga as partes, não é admissível que uma delas, unilateralmente, possa recusar-se a cumprir sua obrigação. Da mesmaforma, para pôr fim às obrigações que derivam do contrato é necessária a vontade concordante das partes  ou a ocorrência de alguma causa extintiva prevista em lei. De fato, o contrato só se extingue por mútuo acordo; a resilição unilateral somente é admitida nos caso em que a lei expressa ou implicitamente o permita e deve se operar mediante denúncia notificada à outra parte (art. 473).

[...]

Os compromissos contratuais vinculam, com força de lei, as partes contratantes, mas apenas elas, não podendo criar obrigações a cargo de estranhos ao contrato. Os patrimônios dos contratantes respondem pelo cumprimento das obrigações por estes assumidas, mas o mesmo não se aplica ao patrimônio de terceiro, que não pode ser prejudicado por força de estipulações das quais não participou.

Este princípio, denominado "relatividade dos efeitos contratuais", impede que uma pessoa possa ser atingida ou prejudicada por um contrato celebrado entre outras pessoas e do qual não participou.

(LOUREIRO, Luiz Guilherme. Curso Completo de Direito Civil. São Paulo: Método, 2007, p. 338 e 339)

 

 

3.6. Desse modo, no que tange à avença da pós-datação extracartular, na esteira do gênio de Pontes de Miranda, a ineficácia da pactuação (negócio jurídico) para determinado efeito jurídico pretendido (ampliação do prazo de apresentação do cheque), não significa que não possam advir consequências, inclusive a obrigação de reparar eventuais perdas e danos:

3. Ineficácia dos atos jurídicos e falta de conseqüências. (a) Quando se exclui todo efeito ao ato jurídico stricto sensu ou ao negócio jurídico, diz-se que é ele ineficaz. Pode também ser ineficaz para certa pessoa, ou tempo, ou lugar, ou no tocante a outro dado da realidade da vida. É a ineficácia relativa. A ineficácia pode não coexistir com a nulidade, posto que, de regra, os negócios jurídicos nulos sejam ineficazes. (b) A ineficácia dos negócios jurídicos tem de ser considerada tendo-se em vista a eficácia que se tinha por fim com eles, o que não é o mesmo que considerá-la tendo-se em vista o seu conteúdo, donde a diferença entre a definição de R. Leonhard (DerAllgemeine Teil, 420) e E. Zitelmann (Irrtum und Rechtsgeschäft, 101) e a de outros juristas, inspirados esses nos Motive (I, 216). (c) Aineficácia do negócio jurídico não se confunde com indiferença , ou falta de conseqüência. Negócio jurídico ineficaz pode dar ensejo a conseqüências, e.g., a perdas e danos. (MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de Direito Privado. Campinas: Bookseller, 2000, tomo 5, ps. 102-103)

 

 

 

É bem por isso que a Súmula 370⁄STJ orienta que caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.

Com efeito, em não havendo ilicitude no ato do réu, e não constando na data de emissão do cheque a pactuação, tendo em vista o princípio da relatividade dos efeitos contratuais e os princípios inerentes aos títulos de crédito, não devem os danos ocasionados em decorrência da apresentação antecipada do cheque ser compensados pelo réu, que não tem legitimidade passiva por ser terceiro de boa-fé, mas sim pelo contraente que não observou a alegada data firmada para apresentação da cártula.

4. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para, com base no artigo 267, VI, do CPC, extinguir o processo sem julgamento do mérito, reconhecendo a ilegitimidade passiva do réu, invertendo os ônus sucumbenciais, nos mesmos termos em que foram arbitrados pela origem.

Tendo em vista que o autor, ora recorrido, litiga sob o pálio da gratuidade de Justiça, mantenho essa obrigação suspensa, pelo prazo de 05 anos. Expirado o mencionado prazo, sem que o recorrido possa satisfazer o pagamento, referida obrigação estará prescrita, nos termos do artigo 12 da Lei 1060⁄1950.

É como voto.

 

 

 

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2006⁄0195135-3


PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 884.346 ⁄ SC

 

Números Origem:  20050183794           29040001529

 

 

 

PAUTA: 06⁄10⁄2011

JULGADO: 06⁄10⁄2011

 

 

Relator

Exmo. Sr. Ministro  LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. MARIA CELIA MENDONÇA

 

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE

:

POSTO NOVA BRASÍLIA LTDA

ADVOGADO

:

CÉSAR DE OLIVEIRA

RECORRIDO

:

FABIANO DUARTE

ADVOGADO

:

RODRIGO BRASILIENSE VIEIRA

 

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil - Indenização por Dano Moral

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Raul Araújo.

 

 

Documento: 1095038

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 04/11/2011

 


 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.297.353 - SP (2011⁄0294586-5)

 

RELATOR

:

MINISTRO SIDNEI BENETI

RECORRENTE

:

PAULO ARAÚJO SOARES

ADVOGADO

:

DOUGLAS CASOTTI E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

BANCO SANTANDER BRASIL S⁄A INCORPORADOR DO

_        

:

BANCO ABN AMRO REAL S⁄A

ADVOGADA

:

CÍNTIA APARECIDA DAL ROVERE E OUTRO(S)

EMENTA

 

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. TÍTULOS DE CRÉDITO. CHEQUE. PRAZO DE APRESENTAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE PRESCRITO POR FALTA DE FUNDOS. MOTIVO INDEVIDO. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANO MORALCONFIGURADO.

1.- O prazo estabelecido para a apresentação do cheque (30 dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago e de 60 dias, quando emitido em outra praça) serve, entre outras coisas, como limite temporal da obrigação que o emitente tem de manter provisão de fundos em conta bancária, suficiente para a compensação do título.

2.- Ultrapassado o prazo de apresentação, não se justifica a devolução do cheque pelos "motivos 11 e 12" do Manual Operacional da COMPE. Isso depõe contra a honra do sacador, na medida em que ele passa por inadimplente quando, na realidade, não já que não tinha mais a obrigação de manter saldo em conta.

3.- Tal conclusão ainda mais se reforça quando, além do prazo de apresentação, também transcorreu o prazo de prescrição, hipótese em que o próprio Manual determinada a devolução por motivo diverso ("motivo 44").

4.- No caso concreto, a devolução por motivo indevido ganhou publicidade com a inclusão do nome do consumidor no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo - CCF, gerando direito à indenização por danos morais.

5.- Recurso Especial provido.

 

 

 

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente,justificadamente, o Sr. Ministro Massami Uyeda.

Brasília, 16 de outubro de 2012(Data do Julgamento)

 

 

 

Ministro SIDNEI BENETI

Relator

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.297.353 - SP (2011⁄0294586-5)

 

RELATOR

:

MINISTRO SIDNEI BENETI

RECORRENTE

:

PAULO ARAÚJO SOARES

ADVOGADO

:

DOUGLAS CASOTTI E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

BANCO SANTANDER BRASIL S⁄A INCORPORADOR DO

_        

:

BANCO ABN AMRO REAL S⁄A

ADVOGADA

:

CÍNTIA APARECIDA DAL ROVERE E OUTRO(S)

 

RELATÓRIO

 

O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):

 

1.- PAULO ARAÚJO SOARES interpõe recurso especial com fundamento nas alíneas "a" e "c" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Relatora a Desembargadora ZÉLIA MARIA ANTUNES ALVES, cuja ementa ora se transcreve (fls. 171):

 

Ação de indenização c.c. reparação de danos morais - Alegação, pelo autor, de devolução de cheque apresentado quando  já estava prescrito, por insuficiência de fundos - Dívida representada pelo cheque que não desaparece, simplesmente, pela perda da força executiva do título, porque pode ser cobrada por outras ações judiciais - Inocorrência de qualquer ofensa à honra do autor, a justificar a condenação do banco-réu no pagamento de indenização por danos morais - Ação julgada procedente, em parte - Recurso do banco-réu provido - Recurso do autor prejudicado.

 

2.- Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 183⁄187).

3.- O Recorrente alega que o Tribunal de origem teria violado o artigo 33 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357⁄85) que trata do prazo de prescrição do cheque, pois, estando o título prescrito, não seria possível encaminhar o nome do sacador ao serviços de proteção ao crédito em razão do inadimplemento da dívida.

Também estariam violados, segundo afirma, os artigos 186 e 927 do Código Civil, que garantiriam a indenização por danos morais em caso de negligência como a verificada no caso presente, onde a instituição financeira devolveu o cheque prescrito por motivo errado (insuficiência de fundos).

Acrescenta que o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade do fornecedor de serviços pelos defeitos nos serviços prestados independentemente de culpa e, no caso presente, essa responsabilidade estaria configurada, porque o cheque foi devolvido pela alínea errada, causando inscrição do nome do sacador no Cadastro de Emitentes de Cheque sem Fundos -CCF.

Afirma que a devolução de cheque prescrito por motivo de insuficiência de fundos gera dano moral, conforme consignado nos precedentes deste STJ, do TJRJ e do TJRS, indicados como paradigma.

É o relatório.

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.297.353 - SP (2011⁄0294586-5)

 

 

VOTO

 

O EXMO SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (Relator):

 

4.- PAULO ARAÚJO SOARES ajuizou ação ordinária contra o BANCO ABN AMRO REAL S⁄A. visando o recebimento de indenização por danos morais em razão da devolução indevida de cheque que teria ocasionado a inscrição do seu nome em cadastro de inadimplentes. Segundo afirma, cheque no valor de R$ 1.456,00 foi emitido em 27⁄07⁄98, mas somente foi apresentado para compensação em 17⁄10⁄2002, quando não havia mais provisão de fundos na conta bancária. Afirma que, como o título já estava prescrito, deveria ter sido devolvido pela alínea 44 (cheque prescrito) e não pela alínea 12 (insuficiência de fundos), como verificado na hipótese. Esse defeito na prestação do serviço bancário, associado ao encaminhamento do seu nome ao Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo - CCF e, bem assim, a recusa de crédito em estabelecimento de comércio varejista, teria configurado dano moral indenizável (fls. 04⁄18).

5.- A sentença julgou procedente o pedido indenizatório, condenando o banco réu ao pagamento de indenização correspondente a 20 (vinte) vezes o valor do cheque (fls. 70⁄75).

6.- O Tribunal de origem, deu provimento à apelação do banco Réu para excluir a indenização, aos seguintes argumentos (fls. 173⁄174).

 

A rigor, em se tratando de cheque prescrito, o correto seria que fosse devolvido pelo banco-réu, com base na alínea 44 (chequeprescrito), mas o fato de ter sido devolvido com base nas alíneas 11 e 12 (insuficiência de fundos - 1ª e 2ª apresentação), por si só, não acarreta ao emitente, o autor danos de ordem moral, porque a dívida representada pelo título não desaparece, simplesmente, pela perda de sua força executiva, remanescendo o direito do portador de cobrá-lo, na medida em que é considerado prova escrita da relação jurídica, de crédito e débito, entre as partes, pelo valor nele expresso, por meio de outras ações judiciais (monitória ou cobrança).

O banco-réu, nas circunstâncias, agiu nos limites da legalidade, no exercício de função regular, sem qualquer abuso, ao devolver o cheque prescrito  por insuficiência de fundos; e não pode lhe ser imputada responsabilidade pela existência da dívida decorrente da sua emissão pelo autor, vez que continuou produzindo efeitos no mundo jurídico, como documento escrito representativo de dívida líquida e certa, cuja prescrição é de 05 (cinco) anos de acordo com o art. 206, § 5º, I, do novo Código Civil, não havendo que se falar em prejuízo e, muito menos, danos morais.

 

7.- A questão posta no Recurso Especial consiste em saber se o cheque prescrito poderia ter sido devolvido pela alínea "12" e, bem assim, se houve dano moral indenizável no caso concreto.

8.- Nos termos do artigo 33 da Lei nº 7.357⁄85 "O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior".

9.- O dispositivo em questão não esclarece que atitude a instituição financeira sacada deve tomar em caso de apresentação após o prazo assinalado, mas uma coisa é certa: ela não poderá devolver o cheque por falta de provisão de fundos.

10.- É que o artigo 4º, § 1º, da mesma lei estabelece que: "A existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento".

11.- O cheque, instrumento cada vez menos utilizado no comércio cotidiano em razão do surgimento de outras formas de pagamento como os cartões de débito e de crédito, constitui, como se sabe, uma ordem emitida contra o banco para que pague ao portador (ou beneficiário) o valor consignado no título mediante desconto em numerário previamente depositado pelo sacador neste mesmo banco.

12.- Precisamente porque se trata de uma ordem de pagamento à vista, o momento exato em que o cheque será apresentado para desconto não é controlado pelo sacador. Ao contrário do que sucede com a maioria dos demais títulos cambiários, o cheque não é emitido com data de vencimento.

13.- Bem por isso a própria lei cuidou de estabelecer um prazo dentro do qual ele poderia ser apresentado para pagamento a fim de que o sacador não estivesse obrigado em caráter perpétuo a manter dinheiro em conta para o seu pagamento.

14.- Ora, se a lei diz que a "A existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento"(art. 4º, § 1º) e, paralelamente, afirma que o título deve ser apresentado para pagamento em determinado prazo (art. 33) impôs ao sacador, de forma implícita, a obrigação (Schuld) de manter provisão de fundos durante o prazo de apresentação do cheque. Por via obliqua, igualmente, dispensou o correntista de manter provisão de fundos após esse prazo.

15.- Nessa medida é de se concluir que a instituição financeira não pode devolver o cheque por insuficiência de fundos se a apresentação tiver ocorrido após o prazo que a lei assinalou para a prática desse ato.

16.- Não se pode pretender que prazo assinalado no artigo 33 para a apresentação do cheque sirva apenas para marcar a termo inicial da prescrição a que está submetida a ação executiva fundada nesse título de crédito (artigo 59). Para essa finalidade bastaria que o legislador houvesse feito recair o dies a quo da prescrição na data de emissão do cheque, sem estabelecer um prazo máximo para que este fosse apresentado ao banco.

17.- Partindo-se do pressuposto axiológico de que a lei não contém palavras inúteis há que se extrair uma utilidade prática fundada de forma direta no próprio artigo 33.

18.- Não se sustenta aqui, é importante ressaltar, que a instituição financeira estará impedida de proceder à compensação do cheque após o prazo de apresentação se houver saldo em conta. Essa é uma discussão que envolve questões de boa-fé nas relações jurídicas e estabilidade do sistema econômico cujo enfrentamento não se faz necessário e nem mesmo adequado para a solução deste caso concreto.

19.- Por hora importa fixar, apenas, que o prazo de apresentação do cheque deve servir, pelo menos, como limite temporal da obrigação que o emitente tem de manter provisão de fundos suficiente para o pagamento do título. E, como consectário lógico dessa exegese, deve-se concluir que, passado o referido prazo, o cheque, se apresentado, não pode ser devolvido por insuficiência de fundos.

20.- Naturalmente que se não houver fundos o cheque não poderá ser compensado e será, necessariamente devolvido. A dificuldade está em se admitir a devolução esteja justificada pela ausência de fundos, porque esse motivo depõe contra a honra do sacador, na medida em que ele passa por inadimplente quando, na realidade, não pode ser assim considerado, já que não tinha mais a obrigação demanter saldo em conta.

21.- Tal conclusão ainda mais se reforça quando, além do prazo de apresentação, ainda transcorreu o prazo de prescrição.

22.- O Manual Operacional da Compe (Centralizadora da Compensação de Cheques), instituição cujas atividades são fortemente reguladas pelo BACEN, estabelece uma tabela de motivos que justificam a devolução de cheques.

23.- De acordo com esse Manual, o cheque deve ser devolvido pelo "motivo 11" quando, em primeira apresentação, não tiver fundos e, pelo "motivo 12", quando não tiver fundos em segunda apresentação. Dito isso, é preciso acrescentar que só será possível afirmar que o cheque foi devolvido por falta de fundos quando ele podia ser validamente apresentado.

 

24.- Consultando a referida tabela, não se localiza como um dos fundamentos para a devolução do cheque o fato de ele ter sido apresentado após o decurso do prazo. Consta, no entanto, outro motivo que busca fundamento na mesma racionalidade aqui exposta, trata-se do "motivo 44" - cheque prescrito.

25.- O que justifica o impedimento de devolução pelos motivos 11 e 12, na hipótese de prescrição é a expiração do prazo de apresentação e do prazo prescricional, vez que a dívida, afinal, não se extingue pela perda da força executória do cheque.

26.- Vale destacar que o próprio Manual Operacional da Compe estabelece, no item 8.2, que "O cheque sem fundos [motivos 11 e 12] e o cheque sacado contra conta de depósitos à vista encerrada [motivo 13] somente podem ser devolvidos pelo motivo correspondente, bem como gerar registro de ocorrência no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), na condição de não ser aplicável a devolução por qualquer outro motivo".

27.- Conquanto se apresente a expiração do prazo de apresentação como motivo suficiente para vedar a devolução do título por ausência de fundos (embora isso não conste de forma expressa do Manual Operacional da Compe), no caso dos autos ainda vale acrescentar que o cheque já estava prescrito quando se deu a apresentação. Dessa forma ainda mais evidente se apresenta a conclusão de que ele não poderia ter sido devolvido com fundamento nos "motivos 11 e 12".

28.- Com efeito, se o cheque já estava prescrito, segundo afirmado pela sentença e reconhecido pelo próprio acórdão, incidia de forma expressa a orientação contida no referido item 8.2, do Manual, proibindo não só a devolução por falta de fundos, como também o registro da ocorrência no Cadastro de Emitentes de Cheques sem fundos - CCF.

29.- Tem-se, portanto, uma clara hipótese de defeito na prestação do serviço bancário, visto que o banco recorrido não atendeu a regramento administrativo baixado de forma cogente pelo órgão regulador, estabelecendo-se, portanto, a sua responsabilidade objetiva pelos danos deflagrados ao consumidor, nos termos do artigo 14 da Lei 8.078⁄90.

30.- Assim, considerando: a) existência de ato ilícito praticado pela instituição financeira - devolução de cheque por motivo indevido; b) o dano moral sofrido pelo correntista que surge in re ipsa da inscrição do seu nome em cadastro de inadimplentes - CCF e c) o patente nexo causal entre o defeito na prestação do serviço e o dano, não há como negar o direito à indenização.

31.- Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial, para julgar procedente o pedido, condenando o Recorrido a pagar R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização por danos morais, corrigidos desde esta data, acrescidos de juros moratórios desde o evento danoso (Súmula 54⁄STJ).

32.- Em razão da sucumbência, condena-se o Recorrido ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 20% (vinte por cento) da condenação.

 

Ministro SIDNEI BENETI

Relator

 

 

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2011⁄0294586-5


PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 1297353 ⁄ SP

 

Números Origem:  16040920058260000500  160840920058260000  200400001070  20110000061303  70205748  991050160843

 

 

 

PAUTA: 16⁄10⁄2012

JULGADO: 16⁄10⁄2012

 

 

Relator

Exmo. Sr. Ministro  SIDNEI BENETI

 

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

 

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO

 

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE

:

PAULO ARAÚJO SOARES

ADVOGADO

:

DOUGLAS CASOTTI E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

BANCO SANTANDER BRASIL S⁄A INCORPORADOR DO

_

:

BANCO ABN AMRO REAL S⁄A

ADVOGADA

:

CÍNTIA APARECIDA DAL ROVERE E OUTRO(S)

 

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil - Indenização por Dano Moral

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Massami Uyeda.

 

Documento: 1187771

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 19/10/2012

 


 

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

 

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RECURSO ESPECIAL Nº 896.867 - PB (2006⁄0234267-8) (f)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

BANCO DO BRASIL S⁄A

ADVOGADO

:

GILBERTO EIFLER MORAES E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE LAGINHA

ADVOGADO

:

JONABIO BARBOSA DOS SANTOS E OUTRO(S)

EMENTA

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. CHEQUE SUSTADO. DEVOLUÇÃO DO TÍTULO AO DEVEDOR. CREDOR IMPEDIDO DE EXERCER SEU DIREITO CAMBIÁRIO. ABALO DE CRÉDITO. DANO MORAL CARACTERIZADO.

1. "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo" (Súmula 211).

2.  Na forma do art. 69 da Lei dos Cheques (Lei n. 7.357 de 1985), "fica ressalvada a competência do Conselho Monetário Nacional,nos termos e nos limites da legislação especifica, para expedir normas relativas à matéria bancária relacionada com o cheque". Ainda dispõe o art. 11, inciso VI, da Lei n. 4.595 de 1964, competir ao Banco Central do Brasil "regular a execução dos serviços decompensação de cheques e outros papéis". Por outro lado, por força do art. 22, incisos I e VI, da Constituição Federal, competeprivativamente à União legislar sobre direito comercial, sistema monetário e títulos.

3. Por isso, o Governo Estadual não tem atribuição para emitir normas relativas a procedimentos bancários, notadamente asconcernentes a descontos de cheques.

4. Com efeito, ao entregar os cheques sustados ao devedor, ao invés de fazê-lo ao credor, a impedir o exercício de direitos cambiários inerentes aos títulos, o Banco cometeu ato ilícito e deve indenizar o credor pelo dano moral experimentado, fixado em valor consentâneo com as circunstâncias do caso concreto (R$10.000,00).

5. Recurso conhecido em parte, porém não provido.

 

 

 

 

 

 

 

 

ACÓRDÃO

 

A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e negou-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedido o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

 

Brasília (DF), 10 de maio de 2011(Data do Julgamento)

 

 

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

 

 

 

RECURSO ESPECIAL Nº 896.867 - PB (2006⁄0234267-8) (f)

 

RECORRENTE

:

BANCO DO BRASIL S⁄A

ADVOGADO

:

GILBERTO EIFLER MORAES E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE LAGINHA

ADVOGADO

:

JONABIO BARBOSA DOS SANTOS E OUTRO(S)

 

RELATÓRIO

 

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. A Associação Comunitária de Laginha ajuizou ação objetivando cumprimento de obrigação de fazer, cumulada com indenização por danos morais, em face do Banco do Brasil S.A., alegando ter celebrado convênio com o Estado da Paraíba, mediante o órgão "Projeto Cooperar do Estado da Paraíba", para a construção de rede de eletrificação rural. Assevera que o "Projeto Cooperar" depositou dois cheques na conta corrente de titularidade da autora, aberta na instituição financeira ré, no valor total de R$ 22.271,57, recursos esses que serviriam para pagar a empresa contratada pela requerente, que executara e concluíra os serviços na rede de eletrificação. Ocorre que oscheques foram sustados pela Administração Pública, sendo o mencionado valor estornado da conta corrente da autora. Porém, ao invés de a instituição financeira ré ter devolvido os títulos ao credor (autora), entregou-os ao devedor (Projeto Cooperar), conduta essa que impediu a autora de exercer seus direitos creditórios e pagar suas obrigações junto a fornecedores, o que lhe ensejou danos materiais e morais.

Declarada a revelia da instituição financeira ré, face à intempestividade da peça contestatória, o Juízo de Direito da Comarca de Sumé - PB afastou a indenização por dano material e julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (fls. 105-112).

A sentença foi mantida em grau de apelação, nos termos da seguinte ementa:

DANO MORAL. SUSTAÇÃO DE CHEQUES. DEVOLUÇÃO AO DEVEDOR, AO INVÉS DO CREDOR. TRANSTORNOS. RÉU REVEL. EXONERAÇÃO DO AUTOR DE PRODUÇÃO DE FATOS. PROCEDÊNCIA DA DEMANDA. APELO. IMPROVIMENTO.

- A sustação de cheques que são devolvidos ao devedor, ao invés do credor, contrariando os procedimentos bancários, gera transtornos e constrangimentos ensejadores de reparação por dano moral, ainda mais, quando o réu é revel, o que desonera o autor da produção de fatos por ele alegados.

DANO MORAL. VALOR. FIXAÇÃO. CONSIDERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS E DAS PESSOAS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

- O valor da indenização por dano moral proveniente de procedimento bancário impróprio, merece atender ao princípio da razoabilidade, de modo a combinar, a reparação patrimonial pelo constrangimento suportado e a reprimir a conduta abusiva do prestador de serviço bancário. (fl. 166)

 

 

Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados (fls. 206-211).

Sobreveio, assim, recurso especial apoiado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, no qual a recorrente alega, além de dissídio, ofensa aos arts. 131, 458 e 535 do CPC; e arts. 186, 188, 679 e 944, todos do Código Civil.

O Banco do Brasil S.A. aduz que a devolução dos cheques ao devedor decorreu de cumprimento de "orientação do Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, emanada por Decreto publicado no Diário do Estado da Paraíba de 02.01.2003 e pelo OFÍCIO nr. 005 CG, datado de 08.01.2003", razão por que não haveria ato ilícito ensejador de dano moral.

Sustenta, ainda, ter agido como mandatária do Administração Pública, descabendo a responsabilização por ato praticado em nome de outrem.

De resto, argumenta, alternativamente, ter havido desproporção entre o valor da condenação e o eventual dano experimentado pela autora.

Contra-arrazoado (fls. 228-237), o especial foi admitido (fls. 244-246).

É o relatório.

 

RECURSO ESPECIAL Nº 896.867 - PB (2006⁄0234267-8) (f)

 

RELATOR

:

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE

:

BANCO DO BRASIL S⁄A

ADVOGADO

:

GILBERTO EIFLER MORAES E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE LAGINHA

ADVOGADO

:

JONABIO BARBOSA DOS SANTOS E OUTRO(S)

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. CHEQUE SUSTADO. DEVOLUÇÃO DO TÍTULO AO DEVEDOR. CREDOR IMPEDIDO DE EXERCER SEU DIREITO CAMBIÁRIO. ABALO DE CRÉDITO. DANO MORAL CARACTERIZADO.

 

1. "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo" (Súmula 211).

2.  Na forma do art. 69 da Lei dos Cheques (Lei n. 7.357 de 1985), "fica ressalvada a competência do Conselho Monetário Nacional,nos termos e nos limites da legislação especifica, para expedir normas relativas à matéria bancária relacionada com o cheque". Ainda dispõe o art. 11, inciso VI, da Lei n. 4.595 de 1964, competir ao Banco Central do Brasil "regular a execução dos serviços decompensação de cheques e outros papéis". Por outro lado, por força do art. 22, incisos I e VI, da Constituição Federal, competeprivativamente à União legislar sobre direito comercial, sistema monetário e títulos.

3. Por isso, o Governo Estadual não tem atribuição para emitir normas relativas a procedimentos bancários, notadamente asconcernentes a descontos de cheques.

4. Com efeito, ao entregar os cheques sustados ao devedor, ao invés de fazê-lo ao credor, a impedir o exercício de direitos cambiários inerentes aos títulos, o Banco cometeu ato ilícito e deve indenizar o credor pelo dano moral experimentado, fixado em valor consentâneo com as circunstâncias do caso concreto (R$10.000,00).

5. Recurso conhecido em parte, porém não provido.

 

VOTO

 

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

2. Afasto, primeiramente, a alegação de ofensa aos arts. 131, 458 e 535 do CPC.

O acórdão tratou de forma clara a controvérsia apresentada, lançando fundamentação jurídica sólida, mediante convicção formada do exame feito dos elementos fático-probatórios dos autos. Apenas não foi ao encontro da pretensão do recorrente, o que está longe de significar negativa de prestação jurisdicional. O teor do acórdão recorrido resulta de exercício lógico, mantida a pertinência entre os fundamentos e a conclusão, não havendo nulidade a ser declarada.

3. Por outro lado, o art. 679  do Código Civil não está prequestionado, circunstância que faz incidir a Súmula n. 211 desta Corte.

4. Quanto ao mais, prende-se o recorrente à tese segundo a qual a devolução à Administração Pública (devedor) dos cheques sustados, inicialmente depositados na conta corrente da autora para pagamento de convênio celebrado, decorreu de ordem do Governo do Estado da Paraíba.

Porém, o acórdão recorrido não reconheceu explicitamente essa circunstância fática, mesmo porque o recorrente foi revel na ação, fato esse que faz incidir, uma vez mais, a Súmula n. 211 desta Corte.

5. Ainda que não fosse por isso, na forma do art. 69 da Lei dos Cheques (Lei n. 7.357 de 1985), "fica ressalvada a competência do Conselho Monetário Nacional, nos termos e nos limites da legislação especifica, para expedir normas relativas à matéria bancária relacionada com o cheque". Ainda dispõe o art. 11, inciso VI, da Lei n. 4.595 de 1964, competir ao Banco Central do Brasil "regular a execução dos serviços de compensação de cheques e outros papéis".

Por outro lado, por força do art. 22, incisos I e VI, da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre direito comercial, sistema monetário e títulos.

Com efeito, evidentemente o Governo do Estado não tem atribuição para emitir normas relativas a procedimentos bancários, notadamente as concernentes a cheques.

Assim, ainda que se reconhecesse alguma vinculação entre o Governo do Estado e a instituição bancária, o que não ocorre, notadamente quanto a procedimentos bancários, não cometeria ato ilícito a instituição que deixasse de cumprir determinaçãomanifestamente ilegal.

Tal assertiva é amplamente reconhecida pelo direito, em diversas áreas, como no direito administrativo e penal.

Por exemplo, colho a clássica lição de Themístocles Cavalcanti proferida em sede de doutrina administrativista, acerca da relação do funcionário público com a autoridade superior:

O funcionário é sempre obrigado a cumprir as ordens dos seus superiores nas questões atinentes ao serviço, salvo o caso em que o cumprimento da ordem possa causar dano, ou seja, manifestamente ilegal. O Estatuto não abre ao funcionário o direito de livre crítica às ordens emanadas dos seus superiores, mas permite representar contra o seu cumprimento, quando manifestamente ilegais. (CAVALCANTI, Themístocles Brandão. O funcionário público e seu regime. Ed. Borsoi, 1958, p. 212, v. II)

 

 

De forma consentânea com esse antigo magistério, a Lei n.º 8.112⁄90, regime jurídico dos servidores públicos federais, no seu art. 116, inciso IV, dispõe ser dever do servidor "cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais".

Por outro lado, mutatis mutandis, afirma-se não haver crime de resistência ou de desobediência quando a ordem da autoridade for manifestamente ilegal:

A respeito da resistência ao ato revestido de ilegalidade, afloram duas teorias opostas, preconizando a primeira a sujeição passiva ou absoluta ao ato, já que se presume a sua legalidade, quando proveniente de agentes públicos, não podendo ser admitida a insurreição contra a autoridade inerente a tais atos. É oriunda do período despótico e teocrático, em que se professava o "acerto perpétuo por parte dos delegados terrestres da divindade". Perfilhando a segunda caminho oposto a essa corrente absolutista, apregoa o dever do cidadão de insurgir-se contra o ato ilícito, visto que a oposição ao ato ilegal da autoridade não se reveste de antijuridicidade, tratando-se, porconseguinte, de ato lícito. É conhecida como liberal.

Para conciliar tais teorias extremadas, elaborou-se uma terceira, moderadora, denominada mista ou eclética, apregoando que é admissível a resistência quando o ato emanado da autoridade pública é manifestamente ilegal, sendo que, em caso de dúvida, privilegia-se o princípio da autoridade. Essa é a teoria adotada pelo legislador de 1940 (PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 3. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 546).

 

 

Com efeito, a instituição financeira devolveu cheques sustados ao devedor (Estado da Paraíba), ao invés de fazê-lo ao credor, a impedir o exercício de direitos cambiários inerentes ao título, de modo que cometeu ato ilícito e deve indenizar o credor pelos dano moral experimentado.

6. Quanto ao valor da condenação (R$ 10.000,00), é importante notar que o recorrente foi revel, o que faz presumir verdadeiros os fatos narrados pelo autor, notadamente o de que a conduta do recorrente acarretara prejuízos de natureza moral, consistente no abalo de crédito frente a fornecedores e de credibilidade junto aos próprios associados.

Assim, levando-se em consideração a moldura fática traçada soberanamente pelas instâncias ordinárias, afigura-se-me razoável o montante a que chegou a sentença para a indenização a título de danos morais, valores esses que não ultrapassam o que normalmente se pratica no âmbito deste Tribunal.

Cotidianamente, esta Corte tem mantido em até cinquenta salários mínimos indenizações por dano moral decorrente de inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito (AgRg no Ag 1383254⁄SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07⁄04⁄2011, DJe 12⁄04⁄2011; AgRg no Ag 1308424⁄SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 17⁄03⁄2011, DJe 25⁄03⁄2011).

Mutatis mutandis, porque em ambas as hipóteses, em última análise, irroga-se indevidamente ao autor a pecha de mau pagador, o critério pode ser utilizado no caso em apreço.

6. Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso e lhe nego provimento.

É como voto.

 

 

 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2006⁄0234267-8

 

REsp 896867 ⁄ PB

 

Número Origem: 4520060058593001

 

 

 

PAUTA: 10⁄05⁄2011

JULGADO: 10⁄05⁄2011

 

 

Relator

Exmo. Sr. Ministro  LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Ministro Impedido

Exmo. Sr. Ministro   : 

JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

 

 

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. MARIA CELIA MENDONÇA

 

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

 

AUTUAÇÃO

 

RECORRENTE

:

BANCO DO BRASIL S⁄A

ADVOGADO

:

GILBERTO EIFLER MORAES E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE LAGINHA

ADVOGADO

:

JONABIO BARBOSA DOS SANTOS E OUTRO(S)

 

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil - Indenização por Dano Moral

 

CERTIDÃO

 

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

 

A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e negou-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Impedido o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

 

Documento: 1059673

Inteiro Teor do Acórdão

- DJe: 20/05/201